CAPÍTULO 1

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— QUE DIA PERFEITO — falei.
O inverno tinha degelado em Boston, e a primavera era iminente. O campus
tinha ganhado vida, zunindo com universitários, turistas e pessoas da cidade.
Muitos ainda estavam usando as becas da cerimônia de formatura, que tinha
acontecido aquela tarde e que eu ainda estava assimilando. Tudo parecia surreal,
desde os “adeus” felizes e tristes ao mesmo tempo até a expectativa de encarar
os problemas do mundo real daqui para frente. Uma mistura de emoções
causava um turbilhão dentro de mim. Orgulho, alívio, ansiedade. Mas o que eu mais sentia era felicidade. Por estar vivendo aquele momento. Por ter Marie ao
meu lado.
— É mesmo, e ninguém merece isso mais do que você, Erica.
Marie Martelly, melhor amiga da minha mãe e minha salva-vidas pessoal,
apertou minha mão de leve e enganchou o braço no meu.
Alta e magra, Marie sobre punha-se à minha estatura mignon. Sua pele macia era da cor de cacau e seu cabelo castanho era retorcido em dezenas de pequenos
dreads, um estilo que expressava tanto sua juventude eterna quanto seu estilo
eclético. De longe, ninguém suspeitaria que ela tinha sido a única mãe que eu tive
por quase uma década.
Eu dizia a mim mesma, ao longo dos anos, que não ter pais, às vezes, era
melhor do que ter o tipo de pais sobre os quais eu ouvia falar e, de vez em
quando, conhecia. Os pais dos meus colegas de turma por vezes eram prepotentes. Fisicamente, estavam ali, mas emocionalmente, estavam ausentes,
ou eram velhos o suficiente para serem meus avós e carregarem uma lacuna de
gerações enorme. Ser bem-sucedida parecia imensamente mais fácil quando eu
era a única pessoa botando pressão em mim mesma para que isso acontecesse.
Marie era diferente. Ao longo dos anos, ela sempre tinha oferecido apoio na
medida certa. Ela ouvia meus dramas e minhas reclamações sobre o trabalho e
as provas finais, mas nunca me pressionava. Ela sabia o quanto eu já pressionava
a mim mesma.
Caminhamos pelas trilhas estreitas que cruzavam o campus de Harvard. Umabrisa suave soprou nas árvores repletas de folhas, sussurrando silenciosamente
por cima de nós.
— Obrigada por estar aqui comigo hoje — falei.
— Não seja ridícula, Erica! Eu não perderia por nada. Você sabe disso. —
Ela sorriu para mim e piscou. — Além disso, sempre gosto desses passeios pelas
lembranças do passado. Não consigo lembrar-me da última vez em que estive no campus. Faz com que eu me sinta jovem de novo!
Ri com o entusiasmo dela. Só alguém como Marie poderia visitar sua antiga
universidade e sentir-se mais jovem, como se o tempo não tivesse passado.
— Você ainda é jovem, Marie.
— Ah, suponho que sim. Mas a vida passa rápido demais. Você vai descobrir
isso logo, logo. — Ela suspirou devagar. — Pronta para comemorar?
Concordei com a cabeça.
— Com certeza. Vamos nessa.
Passamos pelos portões do campus e chamamos um táxi, que atravessou o rioCharles conosco em direção a Boston. Alguns minutos depois, estávamos
empurrando as pesadas portas de madeira de uma das melhores churrascarias da
cidade. Comparado com as ruas ensolaradas, o restaurante era escuro e fresco e
um ar visível de refinamento flutuava por sobre o murmúrio silencioso dos
clientes da noite.
Nos acomodamos com nossos cardápios em mãos e pedimos o jantar e as
bebidas. O garçom, prontamente, nos trouxe dois copos de uísque 16 anos com
gelo, um gosto que adquiri em mais que alguns jantares com Marie. Depois de
semanas de overdoses de café e pedidos de delivery tarde da noite, nada
expressava “felicitações” melhor do que um copo de uísque e um belo bife no
jantar.
Tracei linhas no suor de meu copo, imaginando como o dia de hoje teria sido se minha mãe ainda estivesse viva. Talvez eu ainda estivesse em casa, em
Chicago, vivendo uma vida completamente diferente.
— O que se passa pela sua cabeça, menininha?
A voz de Marie me trouxe de volta de meus pensamentos.
— Nada. Só queria que minha mãe pudesse estar aqui — respondi em voz
baixa.
Marie segurou minha mão entre as dela em cima da mesa.
— Nós duas sabemos que a Patricia estaria orgulhosa demais de você hoje.
Mais do que as palavras podem expressar.
Ninguém tinha conhecido minha mãe melhor do que Marie. Apesar da
distância tê-las separado por anos depois do colégio, elas permaneceram
próximas — o tempo todo, até o amargo final.
Evitei olhá-la nos olhos, sem querer me deixar sucumbir às emoções que tendiam a inundar-me como uma porcaria de uma enchente em cada feriado
meramente comercial. Eu não iria chorar hoje. Hoje era um dia feliz, não
importavam os poréns. Um dia que eu jamais esqueceria.
Marie soltou minha mão e pegou o copo, seus olhos brilhando.
— Que tal um brinde ao próximo capítulo?
Ergui meu copo junto ao dela e sorri em meio à tristeza, permitindo que o
alívio e a gratidão preenchessem o espaço vazio em meu coração.
— Saúde.
Bati meu copo no de Marie e dei um bom gole, saboreando a queimação do
álcool durante sua descida.
— Por falar nisso, quais são os seus próximos planos, Erica?
Deixei meus pensamentos retornarem à minha vida e às pressões reais que
eu ainda estava sofrendo.— Bom, esta semana é o grande pitch na Angelcom e depois, em algum
momento, eu preciso resolver onde vou morar.
— Você sempre pode ficar comigo por um tempo.
— Eu sei, mas preciso me organizar para me virar sozinha agora. Estou
ansiosa por isso, na verdade.
— Alguma ideia?
— Não exatamente, mas preciso de um tempo longe de Cambridge.
Harvard tinha sido ótima, mas tanto a universidade quanto eu precisávamos
começar a conhecer outras pessoas. Eu realmente tinha feito mais coisas do que
esperava nesse último ano, fazendo malabarismos com minha tese, começando
um novo negócio e administrando os corriqueiros períodos de fadiga do último
ano da faculdade. Eu estava ávida por começar um novo capítulo da minha vida
longe do campus.
— Longe de mim querer que você vá embora, mas você tem certeza de que
quer ficar em Boston?
Assenti com a cabeça.
— Tenho. Pode ser que a empresa me leve para Nova York ou para a Califórnia em algum momento, mas, por hora, estou feliz aqui.
Boston era uma cidade difícil algumas vezes. Os invernos eram infernais,
mas as pessoas aqui eram fortes, apaixonadas e, com frequência, dolorosamente
sinceras. Com o passar do tempo, eu tinha me tornado uma delas. Não conseguia
me imaginar chamando qualquer outro lugar de “lar” por capricho. Além disso,
sem ter pais com uma casa para voltar, aquela tinha se tornado minha casa.
— Você pensa em um dia voltar para Chicago?
— Não. — Mastiguei minha salada em silêncio por um momento, tentando
não pensar em todas as pessoas que poderiam estar aqui comigo hoje. — Lá não
tem mais ninguém para mim. O Elliott se casou de novo e agora tem filhos. E a
família da minha mãe sempre foi… você sabe, distante.
Desde que minha mãe tinha voltado para casa da faculdade, há 21 anos,
depois de ter acabado de descobrir que estava grávida e sem planos de casar-se,
o relacionamento dela com os pais tinha ficado tenso, para dizer o mínimo.
Mesmo quando eu era criança, as poucas lembranças que compartilhei com
meus avós eram desconfortáveis e envoltas em como eu tinha surgido na vida
deles. Minha mãe nunca falou de meu pai, mas se as circunstâncias eram ruins o
suficiente para fazê-la não querer tocar no assunto, talvez fosse melhor que eu
não soubesse de nada mesmo. Ao menos era isso que eu dizia a mim mesma
quando a curiosidade começava a vencer-me.
A tristeza nos olhos empáticos de Marie refletia a minha própria.
— Você costuma ter notícias do Elliott?
— Geralmente, perto das festas de final de ano. Ele anda bem ocupado com
os dois pequeninos agora.
Elliott era o único pai que eu tinha conhecido. Ele tinha se casado com minha
mãe quando eu era bem pequena e partilhamos muitos anos felizes como uma
família. Mas pouco mais de um ano depois da morte da minha mãe, ele passou a
se sentir sobrecarregado com a perspectiva de criar uma adolescente sozinho e
matriculou-me em um colégio interno no leste do país com o dinheiro da minha herança.
— Você sente falta dele — disse Marie em voz baixa, como se estivesse lendo
meus pensamentos.
— Às vezes — admiti. — Nunca tivemos a chance de ser uma família sem
ela.
Eu me lembrava de como ficamos perdidos e sem chão quando ela morreu.
Agora, estávamos conectados um ao outro apenas pela lembrança do amor dela,
uma memória que se apagava cada vez mais com o passar dos anos.
— A intenção dele era boa, Erica.
— Eu sei que era. Não o culpo. Nós dois estamos felizes, então, isso é tudo
que importa agora.
Com um diploma universitário e um novo negócio nas mãos, eu não
lamentava a escolha de Elliott. No fim das contas, aquilo tinha me colocado no
caminho que me levou para onde eu estava hoje, mas nada mudaria o fato de
que nos distanciamos com o passar dos anos.
— Mas chega de falar disso. Vamos falar sobre sua vida amorosa.
Marie me deu um sorriso caloroso, seus belos olhos amendoados brilhando
sob a luz fraca do restaurante.
Eu ri, ciente de que ela iria querer todos os detalhes se eu tivesse alguma
coisa para contar.
— Nada de novo a declarar, infelizmente. Que tal falarmos sobre a sua, em
vez disso?
Eu sabia que ela ia morder a isca.
Os olhos dela se iluminaram e ela começou a tagarelar sobre seu mais novo
interesse amoroso. Richard era um jornalista especializado na high society, quase
uma década mais novo que ela, o que não era nenhuma surpresa para mim.
Marie não apenas estava em ótima forma, ela também tinha um coração
incrivelmente jovem. Volta e meia eu tinha que me relembrar de que ela tinha a
idade da minha mãe.
Enquanto ela contava suas histórias, eu tive um breve caso de amor com
minha comida. Preparado com perfeição e banhado em uma redução de vinho
tinto, meu filé com osso quase derretia na boca. De tão gostoso, o filé quase
compensava pelos últimos meses de privação sexual. Se não compensava, o
prato de morangos cobertos com chocolate que encerrou nosso jantar
definitivamente dava conta do recado.
A faculdade tinha me garantido oportunidades regulares de casos passageiros,
mas, ao contrário de Marie, eu nunca estava realmente procurando por amor. E
agora que eu tinha um negócio para tocar, eu mal tinha tempo para uma vida
social, muito menos para uma vida sexual. Em vez disso, eu vivia vicariamente
através de Marie e ficava genuinamente feliz por ela ter encontrado um homem
que dava uma apimentada em sua vida.
Terminamos de comer e Marie concordou em encontrar-me do lado de fora
do restaurante, depois que ela fosse ao banheiro. Segui em direção à porta,
sentindo-me feliz e um pouco zonza. Passei pelo host e virei-me quando ele me
agradeceu por ter vindo. No minuto seguinte, trombei no homem que entrava
pela porta.
Ele me segurou pela cintura, endireitando-me enquanto eu recuperava o
equilíbrio.
— Desculpe, eu...
Meu pedido de desculpas fracassou quando nossos olhos se encontraram. Um
tornado hipnotizante cor de avelã e verde desaguou em mim, suprimindo minha
habilidade de falar. Maravilhoso. O homem era completamente maravilhoso.
— Você está bem?
A voz dele vibrou pelo meu corpo. Meus joelhos enfraqueceram um pouco
com a sensação. O braço dele reagiu, apertando ainda mais minha cintura,
deixando nossos corpos extremamente próximos. Aquele movimento não me
ajudou muito a recuperar a compostura. Meu coração acelerou pela maneira
como ele me segurava, possessivo e confiante, como se ele tivesse todo direito de
manter-me ali pelo tempo que quisesse.
Uma pequena parte de mim, a parte que não estava se derretendo de desejo
por aquele estranho, queria protestar contra a audácia dele, mas todos os
pensamentos racionais foram enevoados à medida que eu assimilava as
características dele. Ele não devia ser muito mais velho do que eu. Com exceção
de seu cabelo castanho-escuro rebelde, ele parecia ser todo corporativo, com seu
blazer escuro e a camisa branca com dois botões abertos. Ele parecia caro. Até o
cheiro dele era caro.
Muita areia para o seu caminhãozinho, Erica, cantava uma vozinha,
relembrando-me de que era minha vez de falar.
— Sim, estou bem. Me desculpe.
— Não tem por quê — murmurou ele sedutoramente, com uma ponta de
sorriso.
Os lábios dele eram bem delineados e cheios de promessa, impossíveis de
ignorar com meu rosto a centímetros do dele. Ele passou a língua pelo lábio
inferior e meu maxilar se abriu em um suspiro silencioso. Deus, a energia sexual
emanava daquele homem como ondas do mar.
— Sr. Landon, seu grupo está aqui.
Enquanto o host esperava que ele respondesse, recompus-me o suficiente
para endireitar-me, confiante de que podia ficar em pé sem ajuda novamente.
Coloquei as mãos no peito dele, definido e implacável mesmo debaixo do terno,
para apoiar-me. Ele me soltou, suas mãos deixando um rastro de fogo em meus
quadris enquanto abandonavam meu corpo lentamente. Meu Jesus. A sobremesa
não era nada perto daquele homem.
Ele acenou com a cabeça para o host, mas mal tirou os olhos de mim,
paralisando-me com aquele único fio que nos conectava. Irracionalmente, eu
não queria nada além das mãos dele em mim novamente, possuindo-me com
tanta facilidade como acabaram de fazer. Se ele havia feito minha cabeça flutuar
com um mero toque, não dá nem para imaginar o que ele podia fazer no quarto.
Fiquei pensando se por acaso haveria uma chapelaria por ali. Podíamos resolver
aquela questão imediatamente.
— Por aqui, senhor — disse o host, acenando para que meu salvador o
seguisse.
Ele se afastou com um encanto casual, deixando-me formigando da cabeça aos pés com sua ausência. Marie chegou enquanto eu observava a retaguarda
dele, uma bela vista a se apreciar.
Eu devia estar encabulada, mas para falar a verdade, estava
desavergonhadamente satisfeita com minha falta de habilidade em manter o
equilíbrio sobre os saltos de dez centímetros. No lugar de uma vida amorosa
própria, o homem misterioso se tornaria fonte de muitas fantasias que estavam por vir.

                              * * *

Subi os largos degraus de granito do prédio da biblioteca e passeei pelos
corredores até a sala do professor Quinlan. Ele estava olhando atentamente para
a tela do computador quando bati na porta. Ele se virou na cadeira.
— Erica! Minha empreendedora de startup virtual preferida!
Seu sotaque irlandês tagarela tinha se tornado menos evidente depois de ter
morado nos Estados Unidos por tanto tempo. Eu ainda achava adorável e
apegava-me a cada palavra.
— Me diga, como é a liberdade?
Ri um pouco, contente com o seu entusiasmo genuíno ao me ver. Quinlan era
um homem atraente, nos seus cinquenta e poucos anos, com cabelo grisalho e
olhos azuis gentis.
— Ainda me acostumando, para ser sincera. E você? Quando começa o seu
período sabático?
— Vou para Dublin em algumas semanas. Você precisa ir me visitar se tiver
um tempo este ano.
— Eu adoraria, é claro — respondi.
Como este ano seria para mim? Eu esperava cuidar da minha empresa em
meio às dores do início, mas, na verdade, eu não fazia ideia do que esperar.
— Por algum motivo, sinto que seria estranho ver você fora da universidade,
professor.
— Não sou mais seu professor, Erica. Me chame de Brendan, por favor.
Agora sou seu amigo e seu mentor e certamente espero que a gente se veja
muito mais do lado de fora destas paredes.
As palavras do professor atingiram-me com força e minha garganta
formigou um pouco. Momentos sentimentais estavam me perturbando esta
semana, que saco. Quinlan tinha sido incrivelmente incentivador nesses últimos
anos, guiando-me em minha graduação e fazendo contatos para que eu pudesse
seguir adiante com meu negócio. A líder de torcida incansável toda vez que eu
precisava de um empurrão.
— Não tenho como agradecer o suficiente. Quero que você saiba disso.
— Ajudar pessoas como você, Erica, é o que me faz levantar pela manhã. E
o que me mantém longe do bar.
Ele me deu um sorriso torto, revelando uma única covinha.
— E o Max?
— Bom, infelizmente, a ânsia de Max pela bebida e pelas mulheres era bemmaior que sua ambição por sucesso nos negócios, mas parece que ele deu um
jeito no fim das contas. Não sei se ajudei em alguma coisa no caso dele, mas
quem sabe? Nem todos são como você, querida.
— Tenho tanto medo de que as coisas com a empresa acabem não dando
certo a longo prazo — admiti, torcendo para que ele tivesse alguma clarividência
que me faltava.
— Não tenho dúvidas de que você vai ser bem-sucedida, de um jeito ou de
outro. Se não for nisso, vai ser em alguma outra coisa. Nenhum de nós sabe para
onde a vida nos levará, mas você está se sacrificando e trabalhando duro para
perseguir seus sonhos. Enquanto você se mantiver fiel a esses sonhos e os
preservar em primeiro plano na sua cabeça, você estará indo na direção certa.
Ao menos, é isso que digo a mim mesmo.
— Parece correto para mim.
Meus nervos estavam à flor da pele de ansiedade por causa da reunião de
amanhã, que seria um momento de decolar ou de afundar para a empresa e para
mim. Eu precisava de todo encorajamento que pudesse conseguir.
— De qualquer forma, eu te aviso quando chegar a uma conclusão —
prometeu ele.
Eu não sabia se devia me sentir inspirada ou desencorajada, sabendo que ele,
às vezes, também se sentia tão incerto quanto eu agora.
— Enquanto isso, vamos ver o que você tem para o nosso amigo Max
amanhã.
Ele apontou para a pasta no meu colo e abriu espaço na mesa.
— Com certeza.
Coloquei meu plano de negócios e minhas anotações ali e começamos a
trabalhar.

Atração Magnética 1° livro da série HackerOnde histórias criam vida. Descubra agora