CAPITULO VIII - LÚCIA

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Há uma pessoa sentada de costas para mim, não consigo identificar se é Élio ou Lucas. Por que não consigo diferenciá-los? Eles são diferentes um do outro, mas aos meus olhos parecem iguais. Me aproximo e toco no seu ombro, ele se vira e eu percebo que é Élio. Ele parece triste, seus olhos estão marejados, suas feições estão cansadas. Quando me vê ele levanta, devagar.

- Oi, menino lobo - ele diz me encarando. - Estava esperando por você.

Ele se aproxima devagar e eu fico estático, não sei o que fazer, ele me olha nos olhos e sua boca vem em direção a minha. Eu não quero, mas não consigo falar, não consigo me mexer. Tudo me leva a ele. Sei que não deveria aceitar, mas é mais forte que eu.

Seus lábios param a poucos centímetros dos meus. Sinto seu hálito doce e agradável, me pergunto por que ele parou. Espero que continue, mas ele apenas ri. Uma luz forte se acende, olho e vejo toda a turma, meus professores, Heitor, minha mãe e Vilmar. Todos riem e apontam pra mim, não sei o que fazer, meu Deus, por que isso está acontecendo? Por que eu sou assim? Por que desejei isso? Olho para Élio. Ele também está rindo, percebo que ele só estava me usando, coloco a mão na cabeça desejando que isso acabe e me encolho, me sinto cada vez menor e as risadas ecoam nos meus ouvidos, acompanhadas de palavras como "bichinha", "viado", "gay". Só quero morrer, começo a gritar.

Acordo assustado e vejo Heitor dormindo em sua cama. Levanto e olho no celular de Heitor. São 2:36 horas da madrugada. Vou até a janela e fico pensando no pesadelo que acabei de ter. Algo estranho está acontecendo comigo e eu não sei explicar o que é, o que eu sou e por que estou sentindo isso. Sinto o vento passar por minha camiseta suada por causa do sonho. Troco de roupa e volto pra cama.

O alarme do celular toca, levanto e desligo-o. É hora de me vestir para ir à escola, mas estou sem ânimo, sem forças, então sento na cama e começo a pensar.

Ouço minha mãe se preparando para ir ao emprego, fico em silêncio até ela sair e fechar a porta. Volto a deitar e começo a lembrar do pesadelo que já não está tão nítido na minha cabeça. Tento compreendê-lo e entender o que está acontecendo comigo, mas não fazem sentido e adormeço.

Acordo com Heitor me chamando.

- Páris, está tudo bem?

- Sim. Só não estou a fim de ir para a aula.

Heitor senta à beira da minha cama.

- Está acontecendo alguma coisa meu irmão? - ele pergunta.

- Não está acontecendo nada. - respondo para ele me deixar em paz.

- Eu te conheço, Páris, sempre que você não queria ir para a escola é por que alguém tinha feito alguma coisa com você. O que foi dessa vez?

- Nada, Heitor. Ninguém fez nada comigo.

- Tem certeza?

- Sim. - afirmo esperando encerrar o assunto.

- Eu vou pra minha aula - ele fala e se levanta em direção ao banheiro. - Quando eu voltar quero saber por que você não foi pra sua.

Heitor sai, mas deixa seu celular e o número de uma amiga para ligar se algo acontecer. Envio uma mensagem para Lucas avisando que estou mal e não posso ir para a aula hoje.

Parece que minha cabeça vai explodir. Fico revendo cenas na minha cabeça. O primeiro dia de aula, a primeira vez que conversei com o Lucas no intervalo, o trabalho na casa do Joseph, a conversa com Élio, as reuniões para ajudá-lo...

Lucas e Élio são meus amigos, mas não sinto isso quando estou com Lucas. Gosto de estar com os dois, mas sinto algo diferente com o Élio. Será que estou desenvolvendo sentimentos pelo Élio? Será que estou apaixonado? Será que sou... gay? Não, isso não é possível, não pode ser!

Sempre que estou com Élio, falo ou penso nele, tenho uma sensação esquisita. Mas não posso sentir, é muito perigoso, conheço várias situações que não terminaram bem. As pessoas são muito ruins. Eu poderia estar jogando minha vida fora.

E tem Heitor. Ele optou por trabalhar para me dá uma vida melhor, não posso jogar tudo fora. E Vilmar. Meu Deus, se Vilmar souber, ele vai me matar. Ele já me bateu várias vezes, "pra me virar homem" apenas por não gostar de futebol ou luta, o que ele faria se..., nossa não quero nem pensar.

Dona Lúcia, minha mãe, já sofreu tanto. Começou a namorar aos 15 anos. Segundo ela, o namorado era um homem bom, responsável e trabalhador. Aos 18, descobriu que estava grávida, e começaram a preparar o casamento, mas poucos dias antes do casamento e de Heitor nascer, o homem a quem ela amava morreu em um acidente de trabalho. Ela ficou sozinha cuidando de um bebê recém-nascido. Deve ter sido muito difícil. Dois anos depois, ela encontrou outro cara, um babaca, que a abandonou assim que soube que ela estava grávida. Esse babaca é o meu pai e alguns meses depois eu nasci.

Depois de tanto sofrimento para me dar uma boa vida, será que serei o primeiro a decepcioná-la? O que ela fará? Ela vai me expulsar de casa, como o pai do Renato, que morava na rua de trás, que o expulsou depois que descobriu que o filho é gay. Depois de tanta humilhação, as pessoas apontando na rua, os vizinhos se afastando, tudo por uma decisão minha. Não posso deixar isso acontecer. Preciso me controlar, pelo bem da minha família, pelo bem da minha mãe.

Minha cabeça dói. Vou à cozinha tomar um comprimido, encho um copo com água e penso em voltar para o quarto. De repente tudo vai ficando escuro aos poucos, a última coisa que ouço é o barulho do meu corpo contra o chão.

Acordo algumas horas depois, leva um tempo para lembrar onde estou e o que aconteceu. A cabeça ainda dói e sinto uma leve tontura.

No celular do Heitor, há oito chamadas de Lucas. Ligo de volta, mas ele não atende. Vou para o quarto e deito. Preciso descansar. Começo a pensar em Élio, por que esse garoto não sai da minha cabeça? Instintivamente deslizo a mão para dentro da minha cueca, meu Deus o que estou fazendo! Quero parar, mas é uma sensação tão boa.

Ouço alguém chamando na porta além da buzina de uma moto. Levanto rápido e vou atender. Espero que não seja vendedores, abro a porta e não posso deixar de ficar surpreso com quem vejo na minha frente.

 Espero que não seja vendedores, abro a porta e não posso deixar de ficar surpreso com quem vejo na minha frente

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