CAPÍTULO IV - HEITOR

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- MÃE, PRECISO DE UM CELULAR! - Grito assim que ela chega do trabalho.

- Boa noite pra você também meu filho. - responde ela com sarcasmo por trás de um sorriso. - Como foi o seu dia?

- A minha equipe de trabalho marca as reuniões pelo WhatsApp. Se eu não tiver um celular, não vou saber o dia das reuniões – ignoro o sarcasmo e a pergunta completamente.

- Você entrou em uma equipe de trabalho? Que notícia maravilhosa! - ela se mostra feliz com a notícia. – Olha, vou tomar um banho por que estou muito cansada e volto pra gente conversar. Não saia daí!

- Por que não dá meu número? Eu te aviso. - Diz Heitor deitado em sua cama.

Heitor tem 17 anos, é negro como eu, mas ele é alto, musculoso, olhos castanhos claros, boca carnuda. Acho que tem cabelos encaracolados, pois nunca deixou o cabelo crescer, corta sempre rente à cabeça.

- Acho que não daria certo. - respondo a ele. - Você quase não para em casa!

- Quando tiver precisando, pode levar ele para a escola.

- Eu não! Vai que alguma louca me liga para marcar um encontro pensando que é você.

- Isso não vai acontecer. - Fala olhando pra mim.

- Por quê não existe uma garota? - pergunto curioso.

- Por que sei ser discreto. - Sorri e pisca o olho.

Olhei para Heitor, deitado sem blusa, apenas com um short tactel, lendo um livro e fazendo anotações no caderno. Estava estudando.

Esse ato de me oferecer o celular me fez lembrar o quanto Heitor sofreu por ser o mais velho. Quando meu pai abandonou minha mãe, ela ficou sozinha com dois filhos pequenos, sem família aqui na cidade. Quando ela começou a trabalhar, era Heitor que cuidava de mim.

Eu o seguia para todo lugar e muitas vezes ele deixava de brincar para cuidar de mim ou me defender, fez muitas inimizades, por isso acabou sendo só nós dois. Ninguém gostava de que eu participasse das brincadeiras.

Mesmo quando Helena nasceu e Heitor teve que dividir o quarto comigo, ele não reclamou, ou quando eu acordava de madrugada devido aos pesadelos causados pelas surras de Vilmar, ele estava lá, do meu lado, e ficava deitado comigo até eu adormecer.

Quando tínhamos 10 e 8 anos, Heitor fez amizade com um garoto que acabara de se mudar para a casa ao lado, João Pedro, que foi muito importante para Heitor. Na verdade, foi importante para nós dois.

Aos 12 anos, meu irmão começou a trabalhar na mercearia do bairro, fazendo entregas, e já contribuía para as despesas da casa. Dois anos depois quando tentei fazer o mesmo serviço, ele não deixou, disse que eu tinha que estudar, que ele não queria para mim a mesma vida que ele tinha.

Mas isso não deixava Heitor triste, nunca o vi reclamar ou chorar, estava sempre de bom humor, era brincalhão, falador e extrovertido, sempre positivo e de bem com a vida. Ao contrário de mim, que fiquei cada vez mais quieto, tímido, introvertido. Mas com Heitor é diferente, com ele eu converso, brinco, ele me faz rir, faz eu me sentir seguro.

- E então você tem novos amigos na escola? Conte-me tudo, não me esconda nada. - Minha mãe já entra no quarto perguntando.

- Não são amigos! - Trato logo de explicar. - apenas temos que fazer um trabalho juntos.

- Essas equipes de trabalho são ótimas oportunidades de se conhecerem e fazer amizades. - Ela insiste. – Filho, vou lhe dar um celular, mas não agora, daqui a uma ou duas semanas. É quando terei o dinheiro para isso.

- Tudo bem! - respondo triste.

- Mas nesse tempo você dá o meu número. - fala ela tentando me animar. - ou o do Heitor!

- Eu já disse a ele. - fala Heitor sem levantar a cabeça.

- Se recebermos a mensagem lhe avisamos - continua minha mãe.

- Tudo bem. - falei. - vou ver o que posso fazer.

- E como foi o dia de vocês? Como estão nas escolas? - mãe sempre quis saber como foi nosso dia. Fazia ela se sentir mais próxima.

- Na minha escola está tudo bem, tudo normal. - Apressa-se Heitor.

- Heitor. - disse minha mãe dando uma pausa. - Não seria melhor você largar o emprego e se dedicar aos estudos? É terceiro ano meu filho. Você tem que se dedicar, eu posso dobrar o expediente...

- Não precisa disso mãe. - Interrompe Heitor. - eu dou conta, não posso largar o emprego agora, estamos precisando desse dinheiro e eu vou bem na escola, não precisa se preocupar.

- Está bem! - diz minha mãe pensativa e em seguida já vira pra mim. - E você? Como está a escola nova?

- Está bem. - respondo. - Os professores são muito bons, e tirando o trabalho em equipe nada de mais interessante aconteceu.

- E os colegas? são legais? - ela se preocupa sempre com isso.

- Sim!

- Que bom! Estou muito feliz e muito orgulhosa de vocês dois. Quando tiverem qualquer problema me contem. Quero ser a primeira a saber. - Dito isso, se levanta e sai. De relance vejo ela segurando uma lágrima, não sei se de orgulho ou preocupação.

Olho para Heitor e ele está olhando de volta, apesar de amarmos muito nossa mãe, há segredos que não contamos a ela, quase sempre para poupá-la de mais preocupação. Evito seu olhar, levanto e pego seu celular, coloco o fone e deito ouvindo música.

Na verdade, não foi só a equipe que aconteceu na escola hoje, omiti a conversa com o Lucas e o Élio. Gostei muito de conversar com o Lucas. Ele parece ser um cara legal, muito legal, e não se importa em ficar ali comigo.

Também me lembro de que terminou a aula e o Élio não fez a proposta que disse. O que seria? Começo a pensar em infinitas possibilidades. Quando levanto, vejo Heitor dormindo em cima dos livros, retiro os livros e caderno, coloco-os na mesa, cubro Heitor com o lençol, apago a luz e vou dormir.

 Quando levanto, vejo Heitor dormindo em cima dos livros, retiro os livros e caderno, coloco-os na mesa, cubro Heitor com o lençol, apago a luz e vou dormir

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