O céu ia se pitando de faísca e pólvora, os canhões turcos trabalhavam avidamente atingindo as diferentes alas do imenso castelo. Na vila os moradores assistiam com terror aquela cena e com receio de que fossem atingidos permaneceram escondidos em suas casas. Para alguns moradores aquele era um castigo por terem aceitado estrangeiros nas terras Indianas e temiam a fúria dos deuses sob o povo.
Dentro do castelo em meio aquele caos e às estrondosas explosões Said respirava com dificuldade, já não sabia ao certo quantos explosivos haviam sido lançados em direção ao salão principal e sequer tinha contado de quantos homens tirara a vida. Não se lembrava ao certo de quando havia caído ali naquela parte do salão, mas ao acordar do que lhe pareceu um desmaio sentiu a cabeça doer e consequentemente sangrar.
Gemeu com a dor dilacerante que fisgava em suas pernas, não tinha forças e nem conseguia se levantar fazendo com que consequentemente fosse levado a seis anos antes quando - dentro da tenda turca - Fátima o arrastava enquanto em suas pernas a faca continuava fincada cortando sua carne.
Balançou a cabeça a cabeça tentando afastar aqueles demônios, mas tudo doía em seu corpo e sua mente já não pensava sob seu comando. Mais uma vez fechando os olhos lembrou-se da guerra.
*
6 anos antes
A gritaria das mulheres e crianças da tenda lhe causava náuseas, Said não conseguia manter os olhos abertos, mas forçava a vista tendo o vislumbre apenas de faixas fracas e nubladas de corpos em luta e espadas se chocando.
Nem pense em morrer, futuro sheik... - Ouviu a mulher dizer em seu ouvido, fazendo com que um certo desespero se apossasse de si tentando mexer as pernas. - Pensou que ninguém descobriria que está aqui? O papai e a mamãe sabem que o herdeiro do Kuwait está na guerra? - Ela ria em seu ouvido ao mesmo tempo que rodava a faca na coxa de Said, fazendo com que ele trincasse os dentes com a dor. A risada de Fátima borbulhava em sua mente como se fossem bombas prestes a explodir.
Said não viu mais nada, mas ouvia ainda toda a gritaria na tenda, ouvia a voz de Zayn muito próxima dele, ouvia a então rainha chorar com visível desespero embora ele não soubesse o porquê.
Eu vou destruir vocês! Eu vou matar todos vocês! - Ouvia Fátima gritar com toda a força que seus pulmões permitiam. - Eu vou me vingar, Said! Escute o que eu digo, eu vou me vingar!
Depois tudo se tornou um mar de cinzas em sua mente.
*
Por instantes pensou que tudo havia acabado e que ele tinha apagado da mesma forma como ocorrera na guerra anos antes, mas para sua infelicidade acordou se seu transe escutando passos firmes de alguém pelo salão, indicando que de fato tudo ainda era real.
As explosões continuavam assim como os guerreiros gritavam ainda mais, no entanto tudo parecia distante do sheik. O único barulho perceptível e quase palpável que Said ouvia era dos cacos dos vitrais e janelas se espatifando a cada pisada do homem que caminhava por ali. O sheik não conseguia ver quem era por conta da escuridão, mas ao escutar o som da risada alta do turco que ecoou pelo salão ele logo soube que o imperador estava ali.
- Homens! - O turco gritava - Cessar combate! - Deu a ordem aos guerreiros que logo pararam os gritos e o lançamento das bombas. O turco continuou a caminhar por entre os corpos - Eu adoro essa visão de corpos caídos... banhados em sangue - Completou com visível satisfação em sua voz - Said... onde você está? - Perguntava cantarolando e buscando avidamente pelo sheik.
Said se mexia com dificuldade rastejando pelo chão, tateava o piso em busca de algo que pudesse indicar em que parte ele estava do salão escuro, mas tudo que sentia era um pegajoso líquido entre suas mãos. O cheiro forte de sangue já tomava conta do lugar e conforme se arrastava indo em uma direção desconhecida ouvia muito baixo os gemidos agonizantes dos soldados.
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Safira | Joias do Deserto | 1 (CONCLUÍDO / EM REVISÃO)
Ficção HistóricaNa série Jóias do Deserto viajaremos as arábias em busca de pedras preciosas. Neste primeiro livro conheceremos a história de Safira Amirah, princesa herdeira do reino de Omã. A jovem moça, dona de belos olhos azuis iguais a pedra a qual leva o nome...