ZERO

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Ofegante, ela olhou diretamente nos olhos verdes vibrantes daquele loiro. Não entendia direito o que havia acontecido, mas sabia que aquilo estaria sempre marcado em seu coração. Não poderia se render, entretanto, não aguentaria viver com outro sonhador. Sabia muito bem o que significava sonhar alto demais. Assim, logo depois de a razão entrar em seu ser, esticou a mão e deu-lhe uma bofetada.

— San? — Ele perguntou atordoado pelo tapa que havia levado, sem ao menos entender a razão de tal atitude impulsiva.

— Eu não lhe dei esse direito, André. Não poderia ter feito isso. Eu não queria. — A última parte era uma mentira deslavada, ela sabia, mas teria que fingir para conseguir sair o mais rápido daquela situação.

— Você queria San, eu sei que você queria. Eu te quero na minha vida, para sempre, por que resistir? Sei que você quer o mesmo que eu. — Não, ele não era prepotente ou arrogante, era apenas um menino sonhador se transformando em homem, ela sabia disso. E esse era o problema, ela não tinha estruturas para entrar naquele relacionamento, tinha pavor a pessoas sonhadoras. Sabia o fim disso.

— Eu não queria. — Queria soar mais convincente, mas não conseguia. Aquele olhar machucado feria seu interior, mas não podia fraquejar. Não de novo. Não tão cedo. Seus lábios ainda latejavam a recordando do recente beijo. — Eu não quero o mesmo que você, André. Você interpretou tudo errado.

— Interpretei San? Interpretei? — André passou a mão no cabelo, bagunçando-o. Ele começava a parecer exasperado com a situação, e realmente estava. Ele não conseguia compreender a mudança repentina no comportamento daquela mulher, que minutos antes parecia ser um sonho realizado. Sonho, parecia que realmente não passaria disso. — Interpretei seus olhares, suas falas, tudo? Por que San? Me diz o motivo, porque realmente não consigo pensar que estava errado todo esse tempo, principalmente depois de seu beijo ter dito o oposto do que você fala agora.

— Eu só queria um amigo, André. Você sabe de tudo que passei, só queria um amigo. Acho que você está confuso, não está pensando com clareza. — Não queria continuar aquela conversa, não poderia insistir em mentir descaradamente, quando tinha a certeza de que nutria um sentimento profundo por André.

A noite anterior mudou tudo. Ela sabia o que ele estava sentindo, sabia e até ansiava por um pedido por parte dele. Mas ao saber que ele havia recebido a oportunidade de fotografar em campos de refugiados do Oriente Médio, e ao ver o quanto ele ansiava essa proposta, sentiu seu coração ser esmagado. Era como ver uma história se repetir, uma história que só havia conseguido lhe trazer tristeza e dor. Dessa vez seria pior, muito pior, ela entendia muito bem o que sentia e como ficaria se deixasse fluir a ponto de não conseguir retroceder. Não suportaria uma segunda perda, seria sua destruição.

— Amigo, Alessandra? — Aquele olhar destruído dele também a destruía, mas não poderia voltar em sua decisão. — Você sempre soube que eu não queria ser apenas seu amigo, eu não tenho dúvidas disso, não estou confuso. Mas parece que me enganei sobre o que você sentia. É por eu ser mais novo? — Não eram tantos anos, ele tinha 21, ela 23. Porém, naquele momento ele só queria entender o que havia dado errado.

— Não, não tem nada a ver com isso, André. — Como dizer a ele que ela era medrosa, que ela não conseguiria deixa-lo voar, por isso ele precisava seguir sozinho?

— Então o que foi? Eu preciso saber, só preciso saber e desapareço da sua vida para sempre, Alessandra. — O apelido tinha sumido da boca dele, e ela sentiu falta como não pensava que sentiria.

— Você é um sonhador, e eu tenho medo de sonhadores. — Ela disse já aos prantos e finalmente conseguiu fugir, correndo e chorando, sem se importar com os apelos desesperados de André, que no meio do caminho desistiu de segui-la. Era o fim do começo de uma história de amor.

Homens que Sonham (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora