Prometo revisar em breve.
Maio
André olhava para o mar, angustiado e ansioso. O dia estava claro, o sol amenizava o vento frio que açoitava todos os que ali aguardavam em expectativa. Pelas imagens colhidas pelo drone, haviam mais de 500 pessoas naquela embarcação, que parecia prestes a naufragar. Não seria a primeira naquela semana, e era isso que o angustiava. O naufrágio de uma embarcação com quase duzentas pessoas e apenas cinco sobreviventes ainda vinha em sua mente, não era fácil conviver com aquilo, com a impotência humana diante de tantas mazelas.
Silenciosamente, orava para aquela embarcação chegasse à costa, mesmo que soubesse que a maioria teria seu visto negado e seria obrigada a buscar refúgio em outro lugar. Havia chegado em Sicília duas semanas antes, e apesar de saber que ficaria pouco tempo, o que havia visto ali, o descaso de alguns com a vida humana, o preconceito, os olhares abatidos de quem tinha a esperança de uma vida melhor esmagada, isso estava se marcando em seu ser.
-André, a câmera está pronta? – Disse Giovanni, um italiano de meia idade, cabelo grisalho e carrancudo, responsável por grande parte dos que ali estavam.
André não trabalhava para nenhum jornal especificamente, seu contrato era com uma empresa que fornecia fotógrafos para casos específicos, principalmente quando os repórteres tinham algum contratempo, ou precisavam de ajuda extra. Naquela ocasião, Giovanni era seu chefe imediato, e apesar de parecer insensível, André sabia que o italiano era apenas alguém marcado pela vida.
-Está sim, chefe. – Respondeu, saindo de seus devaneios, ajustando a câmera para não perder nenhum clique.
-Cuidado para não deixar seus sentimentos atrapalharem seu serviço, André, isso seria terrível. – Isso era algo que não sabia se era capaz de demonstrar. Essa frieza com que a maioria estava acostumada, ele não estava. Apesar de ter visto umas tantas coisas, não conseguia deixar de se revoltar e indignar com as mazelas da vida.
Quando a embarcação finalmente atracou, e pode divisar a aglomeração de pessoas tentando entrar na ilha, sendo barradas por autoridades, André se sentiu mal. As filas eram formadas, as pessoas empurradas, e por fim se sentavam no chão quente, esperando assistência. O porto estava repleto de gente, repórteres, autoridades, pessoas interessadas em ajudar, e alguns que estavam apenas para julgar.
-Não sei porque saíram de seu país, a Itália não tem condições de receber a todos. – Murmurou Beatrice, uma loira que vinha insistindo em estar ao seu lado quase todo o tempo. Ele se incomodou com aquele comentário tão cheio de preconceito e falta de empatia.
-Preciso fotografar. – Disse ele, saindo de perto da mulher, que pareceu constrangida com sua reação, mas sem entender o que havia dito de errado.
Ele já havia trabalhado em outros campos de refugiados, principalmente no Oriente Médio, mas ainda assim, talvez pela idade que tivesse outrora, não havia sentido tanto quanto naquele momento. Olhar algumas crianças resignadas, sem sorriso algum, apenas encostadas nos pais, sem um brilho no olhar, era de partir o coração. Os motivos que os levavam a fugir eram os mais variados possíveis. Nem todos eram do mesmo país. Alguns fugiam da guerra, outros da fome, da miséria. A maioria advinha da África subsaariana, e por estarem a mais tempo em movimento, era notável o cansaço e desgaste, físico e emocional. Fotografou alguns daqueles que ali estavam, aguardando uma resposta, com um fio de esperança em seus olhares. Não seria fácil, ele sabia, mesmo que conseguissem refúgio, e serem integrados ao país, ainda sofreriam com o preconceito, com olhares de julgamento, com pessoas que não tinham a capacidade de sentir empatia, de se colocarem no lugar do outro.
Era noite quando pôde finalmente retornar à hospedagem, um tipo de hostel alugado para que os repórteres e outros pudessem ficar durante a estadia. Foi para a varanda buscando alguma paz naquele momento, observando as fotos que havia tirado e refletindo sobre umas tantas questões.
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Homens que Sonham (Concluído)
Roman d'amourLivro 2. Suas irmãs consideravam Alessandra Ribeiro a mais focada e sentata entre elas. Assim, não foi surpresa quando, após perder o namorado de forma trágica, ela jurou que não se envolveria com outro sonhador. Entretanto, não contava em reencont...