DOIS

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Fevereiro

— Vou buscar mais pipoca. — Disse Alessandra se distanciando dos demais, e tentando evitar contato visual com André. Ele e Pedro estavam na sua casa, assistindo um filme de drama e suspense que Alexia havia escolhido.

— Eu vou com você, aproveito para trazer mais refrigerante. — Disse André, já de pé. Ela sentiu todo seu ser estremecer e se apressou em tentar negar:

— Não precisa André, consigo trazer tudo. — Seu olhar era suplicante, mas ele não desistiria tão rápido.

— Eu insisto. — Respondeu ele, já tomando a frente, caminhando para a cozinha.

A verdade era que Alessandra sabia que estava errada, mais uma vez. Pediu alguns dias, mas já havia se passado mais de um mês, e ainda não o havia procurado para lhe explicar o que havia acontecido anos antes. Não se entendia, ela, que era de natureza objetiva, a mais focada entre as três, a que não se acanhou ao se declarar para um amigo, estava completamente assustada e temerosa quanto ao que poderia acontecer quando finalmente conversasse com André. Tinha medo da reação dele, mas, principalmente, temia por seus próprios sentimentos. Tê-lo sempre tão perto era algo que não contava, e que desgastava qualquer força emocional para permanecer indiferente que tivesse.

— Tem tempero na segunda prateleira, caso queira. — Disse ela apontando para o armário branco que havia na parte detrás da cozinha. Apoiou a bacia onde outrora havia pipoca no balcão que havia no meio, e foi em direção à panela, sendo interceptada por uma mão que segurou sem braço com firmeza, sem, entretanto, machuca-la.

— Ainda não te dei tempo suficiente para pensar, San? Um mês e cinco dias é pouco tempo para você? — André falou, virando-a para si, e encarando profundamente os olhos azuis da morena, que parecia levemente surpresa por sua reação.

— Não me chame assim, André. — Queria parecer indiferente, passar a impressão que ele não a afetava, mas o falhar de sua voz não colaborava consigo.

— Por que San? Por que não posso te chamar assim? Suas irmãs também te chamam assim. — Ele sussurrou ao dizer essas palavras. Era esperto, ela sabia. Esperto até demais. Sabia como a afetava, e usava isso a seu favor.

— Você não é minhas irmãs, não tem esse direito. — Disse já com a voz mais controlada, e com os olhos azuis a soltarem faíscas perceptíveis até ao mais distante observador.

— Mas sou família agora. Somos quase irmãos. — E lá estava aquele sorriso galanteador que a desestabilizava por completo. — E éramos amigos, não é? Afinal, o que você sempre quis era apenas um amigo, se não me engano.

— Amanhã. Eu te falo amanhã. É sábado, não vou trabalhar. Você escolhe o lugar e eu vou. Resolvemos isso de uma vez por todas e você para de me perturbar, combinado? — Reuniu toda sua coragem para fazer essa proposta, precisava se livrar daquela sensação, colocar um fim naquela história mal-acabada.

— Eu te perturbo? Em que sentido? — Ele gostava de a provocar. Tirá-la da zona de conforto, e era disso que ela fugia.

— Em todos. Pelo amor de Deus, André, para de me provocar. — Disse irritada, pegando a pipoca, com o semblante fechado, enquanto ele ria descaradamente de sua reação.

— Pensei que estavam processando o milho. — Disse Alice, que estava aninhada à Pedro. Era uma tremenda astuta, Alessandra sabia. Deveria evitar ao máximo as duas irmãs curiosas, não demonstrar emoções, ou elas acabariam com ela.

Naquela manhã de sábado, André usava uma camiseta preta com alguma frase escrita em inglês, calças jeans escuras, e tênis brancos. O cabelo estava levemente bagunçado, por tanto levar a mão à cabeça, fruto da ansiedade de ouvir o que Alessandra tinha a dizer. Os óculos escuros ajudavam a esconder as olheiras que se formavam ao redor dos olhos, sinal da noite de insônia que havia passado. Enquanto olhava para o lado de fora da lanchonete, pensava se ela fugiria novamente. Ele não conseguia entender essa mania de fuga que Alessandra havia adquirido. Quando a conhecera, algo que o instigava era justamente o fato de ela parecer nunca fugir de nenhum problema ou responsabilidade. E agora ela parecia disposta a evitá-lo a qualquer custo, como se o temesse. Em meio aos pensamentos, resolveu fazer pequenos origamis com o guardanapo, esperando impacientemente pela vinda dela. Se ela viesse.

Homens que Sonham (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora