Acordei com uma mensagem do André. Nela ele dizia que conversaríamos sobre nós. Provavelmente algo relacionado ao casamento. Marcamos de nos ver a noite, depois do culto. Fiz minha devocional com a Gaby no colo. Precisava com urgência comprar uma bíblia para ela. Caso contrario a minha viraria pedacinhos de papel.
Depois do café, recebi um telefonema da Carina, iriamos ver a Nanda. Por telefone ela já tinha me indicado a localização. E agora era só chegar la e me encontrar com ela na frente da casa. Esperamos o almoço sair, me arrumei e arrumei a Gaby também, e quando estava na porta de casa recebi uma outra ligação, era a Kamila. Dia cheio, hein?
- Amiga, to saindo de casa pra ir te ver.
- Mila... é... Esta um pouco difícil agora. Vou na casa da Nanda. Quer vir junto?
Ela negou.
- Tudo bem, a noite nos vemos.
Sua voz fingindo que estava tudo bem me deixou preocupada. Durante toda minha vida me dediquei a ela. Não estava descuidando da nossa amizade, estava procurando novas. Mas isso também não quer dizer que a dela não me bastava. Deixei pra la.
***
Consegui chegar antes na casa da Nanda, fiquei a poucos metros, em um banco de uma praça vazia. Em um lugar com sombra, por causa da Gaby. Como a Carina estava notoriamente atrasada decidi bater na porta. Antes disso acontecer pude ouvir uma conversa da Nanda no telefone. Ela gritava. E parecia não se importar se alguem ouviria, ou talvez o que dizia escondia aquela parte em nós que costumo chamar de "semancol". Sei que é feio ouvir por detrás de porta, quanto mais por fora de casa. Uma das janelas da sala estava aberta. Encostado nessa parede da janela em questão havia um sofá, onde ela estava sentada.
De tudo que ouvi só uma coisa ficou registrado: "Eu tenho que abortar."
Invadi a casa dela, no ímpeto. A porta não estava trancada. Ela se assustou quando me viu. Desligou o celular, enxugou os olhos e me indagou furiosa.
- O que voce esta fazendo aqui? Pensei que não vinham mais...
- Eu viria com a Carina, mas ela se atrasou. Esperei do lado de fora, mas decidi me aproximar quando ouvi...
Ela deu as costas a mim, enquanto tentava se ocupar com alguma coisa.
- Esqueça o que ouviu, Marina. Por favor...
Carina apareceu na porta, se desculpando pelo atraso e sem entender direito o que acontecia. Isso me lembrou alguns meses atrás, quando o André me viu discutindo com o Sérgio. A diferença é que dessa vez, Carina não desconfiou, e como Nanda estava de costas para ela, pôde se recompor e fingimos que nada havia acontecido.
Sentamos no sofá, conversamos. Até que em determinado momento fiz questão de pedir a Nanda para brincar com a Gabrielle. Ela ficou sem jeito, pelo menos no inicio. Seus olhos imploravam para eu não contar a Carina sobre o que eu ouvi. Nos despedimos e sussurrei a ela que depois conversaríamos.
Saímos de la a tardinha. Cheguei em casa me arrumei e arrumei minha filha, fomos direto a igreja. Não houve tempo para mais nada. Que dia!
Deixei a Gaby em uma área destinada a crianças. Havia uma equipe la, cuidando para que de acordo com a linguagem apropriada, o culto fosse útil a eles também. Assumo que nas primeiras vezes foi bem dificil deixa-la. Fazia uma sondagem em todos. André brincava comigo, dizia que mãe ciumenta é mais eficiente do que um agente do FBI. Não era pra tanto, eu acho. Mas naquele momento, quando via ela ansiosa para chegar logo os demais amiguinhos, assumo, batia um aperto no peito. Meu bebê estava crescendo. Era uma sensação de vulnerabilidade. A qualquer momento ela poderia confiar em quem não devia, e isso era muito ruim.
Tentei me concentrar no culto. O pastor falava sobre suportar as adversidades. Sabe aquele dia que a mensagem é maravilhosa, mas não é pra voce? Exatamente. Na hora da saída aquela algazarra de mães querendo buscar seus filhos. E eu feliz em ja ter a minha no colo. Estávamos indo para o carro do André, ele combinou de passarmos em algum lugar e fazer um programa a três. Agora era o nosso momento de distração e principalmente de responsabilidades.
- Mari, estava te procurando.
Estava frita naquele momento. Era a Kamila, tinha esquecido que precisava dar atenção a minha amiga. Mas o que tinha a falar com André era sobre meu futuro.
- Oi, Mila. É que estávamos indo ali resolver algumas coisas do casamento... Não é para agora, mas será em breve.
- Ah, tudo bem...
Ela colocou um sorriso no rosto que convenceu André, mas não a mim. Não era la um grande problema que eu via pela frente. A não ser que a Kamila estivesse de TPM.
Chegamos numa lanchonete, e com certa dificuldade achamos uma mesa vaga. O ambiente era bem tranquilo, apesar da quantidade de pessoas. Dava para conversar, e a musica era suave, apesar de não ser evangelica. Era mpb, e a voz da mulher era bem doce... Conversamos sobre alguns detalhes importantes, se seria só no civil ou não. Local, comes e bebes e principalmente onde moraríamos. Como ainda não chegamos no meado do ano, as coisas nao pareciam que aconteceriam até o ano terminar. Dividi meu sorvete com a Gaby, ela se lambuzou completamente. E o André ainda ajudava. Tudo estava calmo até ouvir uma freada brusca vindo do lado de fora. Parecia ter acontecido algum acidente. André pediu pra eu ficar sentada com minha filha e foi ver o que era, junto com outros inumeros curiosos. Quando voltou explicou que era o carro do Sergio, mas com outra pessoa dentro. Assumo que nao entendi, e nao quis saber quem era.
***
Com um certo tempo descobri que o carro era fruto de uma aposta. Sérgio estava se afundando na lama. Não pensei que a morte do pai pudesse fazer isso com ele, não os via tão proximo, mas quando um pedaço de nós se vai de vez nada pode ser a mesma coisa de antes. Sergio gastava todo dinheiro que recebeu da herança. A unica coisa que ele não herdou foi a empresa, patrimônio da familia. Vez ou outra ficava sabendo das artes mal feitas dele. Alguma briga, aposta, confusão, escândalo. Vivíamos em mundos tão diferentes... Não me imagina perto dele, e nem tinha porque pensar nisso. O unico laço que nos unia tinha nome e um sorriso lindo.
Alguns problemas começaram a aparecer e me sentia sobrecarregada. Estava sendo dificil assimilar a faculdade, as amizades, o emprego temporario que consegui em um hospital como recepcionista. Na maioria das vezes o André entendia, ele estava passando pela mesma coisa, e por esse motivo quando nos encontrávamos era um momento de descanso, de alivio. A Kamila se afastava de nós, e isso não estava sendo bom. Toda minha vida não era o André. Eu amava ambos, de forma diferente claro. Mas sentia falta da Mila. Das loucuras dela. Em um desses dias, onde minha saudade era notória, André me fez uma pergunta, revelando o que achava. Ele me fez pensar se isso tudo não era vontade de ser igual. Em outras palavras, inveja. Ponderei sobre isso mas não cri. Ciumes sim, inveja não.
- Minha mãe me perguntou o motivo de voce estar assim... Eu comentei com ela sobre a Kamila, e ela chegou a esta conclusão.
Tinha que ser dona Claudia. Ela ja estava me tirando do sério com essas especulações acerca das minhas amizades. Se não fosse por gosto pessoal, a qualquer momento eu pintava meu cabelo de verde, faria uma tatuagem, colocaria piercing e ia evangelizar ela. Legalismo insuportavel esse.
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Você ainda vai voltar?
RomanceDepois de uma adolescência conturbada, uma gravidez precoce e a perda do seu pai, Marina finalmente estava realizando um dos seus sonhos. Ela casaria com o André. Um novo e maravilhoso pai para sua filha. Tudo estava pronto, a festa seria linda. Se...