Capitulo 2

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Quando aproximava de minha casa, Moreno segurou o cavalo para andar devagar .
O tempo todo ele olhava para trás e sorria para mim, como se não acreditasse que eu estava ali agarrada em seu corpo. Moreno já tinha me levado na garupa outras vezes,quando eu era menor e um dia quando eu estava indo buscar a carta de Pedro no correio. Naquela ocasião lembro de ter ficado completamente sem jeito e nem sabia onde colocar minhas mãos para me apoiar. E ao chegar em casa, mainha me viu descendo do cavalo, e me despedindo de João. Levei uma bronca danada . E desse dia em diante ela nunca mais me deixou sair sozinha. Sei que mainha não é boba,  já deve ter percebido que eu e Moreno somos gamados um no outro. Por este motivo ela nunca me deixa sozinha com ele e tem aquele olhar de fera quando vê Moreno, me olhando. Não vai ser fácil convencer dona Onça. Mas de uma coisa eu sei, mesmo ela não gostando e ficando brava, eu vou namorar com Moreno. Ah.. isso eu vou !
*****
    
 Eu nunca tinha visto Moreno  assim, ele sempre teve um jeito diferente de me olhar e sorrir. Mas ele esta especialmente feliz, e maravilhosamente bonito ! Seu porte ao descer do cavalo com o corpo reto, forte, seguro de si e ao mesmo tempo  todo desajeitado como se não soubesse o que fazer, só me deixa mais encantada .
Moreno sorri daquele jeito que o deixa mais bonito com o canto da boca e se  aproxima de mim me puxando pela cintura, me abraça  antes de me beijar . E seu beijo é como água fresca que mata a sede, "E quero matar minha sede nesta água todos os dias !."
- Cali eu queria muito esperar sua mainha e resolver logo com ela o nosso compromisso . Acontece que ela esta muito brava e como você mesma disse, não é um bom momento . Mas eu volto depois da lida, e venho preparado para enfrentar a fera.
- Moreno não vai ser fácil enfrentar mainha, você a conhece se ela te falar alguns desaforos, me desculpe e não se  aperreia desde já .
- Não se preocupe com isso Cali. Eu não ligo para o que ela pensa de mim, o que me importa é o que  você pensa. E se vamos namorar é meu dever vir enfrentar a dona Onça .
- Eu vou falar com ela, para ir acalmando a fera para hora que você chegar.
Moreno da um beijo rápido em minha boca e bagunça meu cabelo como ele sempre fazia quando frequentava a minha casa e, me diz cheio de chamego.
- Eu adoro essa bagunça linda que é seu cabelo !
- Moreno ! Falo fingindo esta zangada arrumando meu cabelo que agora esta parecendo uma juba .
Vejo Moreno subindo em seu cavalo (Trote) antes de sair galopando, estica a mão para que eu a segure, aperta de leve meus dedos .
- Ate Cali.  Hooo.. Trote. Ordena a seu cavalo negro que sai em disparada galopando, levantado uma poeira danada.
Passando pelo ranchinho antes de entrar em minha casa, arrumo meus cabelos que esta uma bagunça e, tento disfarçar o sorriso bobo que carrego em meus lábios .
- Meninos cheguei. Oi....  já levantaram ?
Ninguém responde, vou ate o quarto e vejo que Luiz, Tonho e Jorge, estão deitados .
- Tonho onde esta o Francisco ?
- Foi atrás de você e mainha . Luiz esta muito quente, ponha a mão nele para você ver.
Meu Deus! Luiz esta fervendo .
- Jorge vai para cozinha e pegue um pouco de água, rápido!
Luiz esta tão quente que  não consegue chorar, ele esta mole e seus olhos estão arregalados e sua respiração esta curta e pesada .
Pego meu irmãozinho no colo e saio para o quintal que parece esta mais fresco que dentro de casa .
- Califórnia não tem água,acabou .
- Tudo bem, a mãe já esta chegando com a água.
Ando de um lado para o outro com Luiz no colo, eu não sei o que fazer, em casa não tem nem um remédio que eu possa lhe dar , tudo que posso fazer é rezar para que mainha chegue logo .

***
Mais de meia hora se passa e Luiz continua fervendo é, um alivio quando vejo a carroça entrando pelo caminho que leva para minha casa . Vou de encontro com mainha que desce da carroça vindo apressada .
- Mainha, Luiz esta muito quente,ele esta tão mole que nem tem forças para chorar.
Sem dizer nada, ela pega Luiz, no colo e me olha com muita raiva, posso dizer que vi ódio em seu olhar . Como se a culpa fosse minha, por  Luiz estar doente . Ela vira para Carlinhos que esta tirando o pequeno barril da carroça e ordena :
- Você deixa esta água ai. De meia volta nesta carroça, você vai me levar para o postinho .
- Dona Conceição, eu não posso, o postinho fica a duas horas daqui e, meu patrão  vai raiar comigo se eu não volta pra lida .
- Deixe de se frouxo Carlinhos, você não esta vendo que meu irmão esta muito  doente.
- Olha aqui molecote, ou você me leva, ou vai voltar caminhando para a sua lida . Porque esta carroça só sai daqui para ir ao postinho .  Mainha, fala já subindo na carroça com Luiz, no colo .
Corro para dentro e pego uma cabaça e encho com a água que mainha trouxe e lhe entrego . Beijo meu irmãozinho pedindo para Deus que ele fique bem .
- Benção mainha ! Deus acompanhe vocês ...
- Ele fique com vocês e, te de muito juízo, cuide de seus irmãos .
Tonho e Jorge, grudam em mim olhando a carroça partir e nós três estamos chorando, com medo do que possa acontecer com Luiz .
 Nós todos sabemos o destino de crianças que ficam muito doentes por aqui . Não é novidade nenhuma ouvir a matraca tocando .
Seu Domingos é o coveiro do cemitério de Sertãozinho, toda vez que morre um anjinho, ele passa por toda a cidade tocando a matraca e fazendo uma reza de lamentação . Acredito que lá no céu tem um pedacinho só para os anjinhos daqui do sertão . Nós os chamamos de anjinhos da miséria .
*****
O dia vai arrastando Francisco, ainda não voltou da fazenda, mainha deve ter chegado a pouco no posto, e Deus, queira que  ela tenha  sorte de ter medico para atender Luiz . Ou eles terão  que ficar no posto esperando ate que apareça um para atender meu irmão .

Califórnia a menina do sertãoOnde histórias criam vida. Descubra agora