༺XII༻

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PENSILVÂNIA SÉCULO XV


ஜீ፝͜͜͡͡Daynna me conduzia pela floresta.

A ferida aberta em meu peito por aquele monstro, ardia cada vez mais. Minha camisa por dentro do casaco que outrora fora branca, quase se tornara completamente vermelha. Seguia cada passo dela para onde quer que estivesse me levando. Com a sua luminária em mãos, abrindo caminho no meio da mata escura, ela não parecia temer nada. Em uma coisa ela tinha razão. Eu não sabia nada sobre ela.

Era estranho ser salvo por alguém que até alguns dias atrás jurava ser completamente indefesa. Por isso as pessoas diziam sempre para não julgar um livro pela capa, sem antes analisar o conteúdo. Aquilo se encaixava perfeitamente aqui. Me sentia como uma criança que acabara de ter sido defendida pela sua mãe. Me sentia completamente indefeso, quase como se estivesse nu.

A via guiando o caminho completamente segura do que estava fazendo, enquanto eu agia como um bobo atrás dela, seguindo cada passo seu. Olhava para as suas costas, onde o arco estava atravessando e uma bolsa contendo várias flechas pendurada ali.O pai dela era caçador, pelo que sabia, portanto não me admirava que houvesse ensinado alguns truques de caça para a sua filha também.

― Então você é uma caçadora como o seu pai? ― perguntei por fim quebrando o silêncio que havia se estabelecido entre nós.

― Meu pai é mais que um mero caçador! ― disse ela em um tom firme, sem olhar para trás, continuando em frente. ― Toda a minha família e eu somos caçadores de monstros!

― Então você sabe que criatura era aquela que me atacou? ― perguntei sentindo um arrepio percorrer a minha espinha só de lembrar novamente daquele ser horripilante.

― Nós o chamamos de Inferus ― revelou ela. ― Porque é uma criatura infernal!

― Acho que faz jus ao seu bafo de enxofre! ― ressaltei ainda com um pouco de tremor em minha voz.

O silêncio voltou a se instalar entre nós. Tudo o que ouvia era o barulho da floresta cantando seu louvor a mãe natureza. Voltei a ouvir as corujas com seu som. Ficava completamente constrangido com aquele silêncio que insistia em ficar.

― Para onde exatamente estamos indo? ― indaguei curioso.

― Para a casa de meu pai! ― respondeu ela. ― Preciso tratar da sua ferida!

Continuamos caminhando floresta à dentro até finalmente ao longe, ver uma casa destacando-se entre várias árvores. Supus que aquela era a casa para a qual estávamos seguindo. Fazia sentido se tratar da casa de um caçador, afinal estava perto do seu âmbito de trabalho. Até a casa, havia um caminho de terra por onde nós seguimos até chegar lá.

― Essa é a casa onde moro com meu pai e meus seis irmãos!

― Seis irmãos? ― indaguei estupefato.

Ela assentiu me conduzindo para dentro da sua casa. Ela me levou até uma sala arsenal que ficava pouco depois da cozinha, onde havia uma mesa de madeira. Ela me mandou sentar sobre a mesa e segui à sua ordem. Ela remexeu um baú velho aparentemente em busca de algo e a vi tirar vários objetos que pareciam ser de ouro. Uma adaga, uma espada, até mesmo tecidos com fios de ouro. Ela finalmente tirou uma bolsa de couro, a única coisa que não era de ouro até então dentro daquele baú, e caminhou na minha direção.

― Tira a sua camisa! ― ordenou ela séria, não olhando em meus olhos, mas na direção do ferimento que parecia estar se agravando cada vez mais.

― Nossa, você nem esperou muito para me mandar tirar a camisa! ― disse num tom de piada.

Ela me fulminou com o olhar.

― Dá para tirar logo essa camisa? ― vociferou. ― Como espera que eu cuide desse ferimento?

― Tudo bem! ― me rendi, elevando as mãos num sinal de rendição e em seguida fiz o que ela me pediu.

O sangue já havia se espalhado em uma constante. Minha camisa estava encharcada pelo meu sangue. Ao tentar tirar, percebi que estava grudada pela quantidade de sangue coagulado em minha pele e também em minha roupa, mas com cuidado tirei por completo, deixando meu peito totalmente nu.

Ela examinou a ferida, passando suavemente os dedos pelas laterais das fendas em minha pele, causadas pelas garras do inferus, como Daynna o denominava. Ela parecia concentrada na minha ferida, um rasgo de quatro cavidades. O sangue já não jorrava mais como antes. Ela mordeu o lábio inferior e franziu o cenho com uma expressão preocupada.

― O que foi? ― perguntei sentindo certo receio.

― Os resquícios de magia demoníaca estão se espalhando rapidamente pelo seu sangue! ― diagnosticou ela. ― O corte foi bastante profundo, portanto a magia demoníaca está se fundindo ao seu sangue humano e poderá te transformar em um inferus também!

― Eu vou me transformar naquela coisa? ― interpelei desesperado.

― Não se eu jogar água benta sobre a sua ferida e deixar que ela se funda ao seu sangue para eliminar qualquer resquício de magia demoníaca!

― Água benta?

― Água benta foi o nome que os religiosos deram para as lágrimas de anjo! ― explicou ela. ― Só algo celestial pode combater algo infernal!

Assenti com a cabeça entendo tudo o que ela havia me falado. Ela abriu a tampa da bolsa de couro e despejou um pouco da água benta que havia ali dentro. Quando o líquido encontrou meu ferimento, senti como se fogo consumisse a minha pele, então soltei um urro de dor, segurando as extremidades da mesa, enquanto me contorcia, sentindo meu peito queimar. Nunca imaginei que sentiria uma dor como aquelas em toda a minha vida. Vi uma fumaça saindo da minha pele, enquanto minha ferida parecia uma cratera com lava viva. A ferida aos poucos foi se fechando até que por fim minha pele havia se tornando o que era antes, sem nenhuma cicatriz sequer.

Quando tudo terminou, ofegava mais que tudo. Olhava para meu peito sem acreditar no que via. Toquei meu peito com a minha pele totalmente lisa. Soltei um suspiro de alívio e deixei que um sorriso se formasse no canto da minha boca. Daynna sorriu e tocou o lugar onde seria a minha ferida, dando um sorriso de satisfação. Virei o meu rosto em sua direção e nossos rostos ficaram a poucos centímetros de distância. Podia sentir sua respiração quente vindo contra mim.

Ela ergueu o seu olhar encontrando os meu. Seus belos olhos negros sob a pouca luz das luminárias era como um buraco negro avassalador que me sugava para mais perto. Com a minha mão direita toquei a lateral do seu rosto, tão macio quanto a seda, aproximando ainda mais meu rosto do seu até que o ar que respirávamos fosse um do outro. A vi fechar os olhos e com ternura pude sentir os seus lábios adocicados contra os meus.

Entre Almas [Livro 01]Onde histórias criam vida. Descubra agora