Do vinho ao vinagre

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     Não sei como as coisas teriam se desenrolado se eu tivesse checado meu celular antes. Eu deixei o aparelho no meu quarto, e no modo vibrar.

     Tudo porquê faziam cinco meses que eu não via a Verônica, então quis aproveitar a companhia dela ao máximo.

     Usávamos nossos pijamas de animais. Eu usava o meu de tubarão, a Rachel o de coruja dela e a Rôni o dela de unicórnio.

     A gente fez brigadeiro, maratonou The Owl House e fez skin care. A Rôni tinha várias histórias engraçadas para contar. Rimos de monte e falamos mal dos nossos professores menos favoritos.

— (...) Eu peguei DP porquê o pedazo de- ....

— ¡LENGUAJE! — berrou nossa mãe desde a cozinha, fazendo-nos pular de susto.

— ... O idiota do meu professor tirou ponto da vírgula no lugar errado que eu coloquei.

— Isso é um nível de babaquice superior ... — falei, enfiando uma senhora colherada de brigadeiro na boca.

— Esse professor é de exatas?

— Claro que é! — levantou ambos os braços, irritadíssima — A maioria dos arrogantes são de exatas!

— Eu não gosto do jeito quadrado que a maioria deles vê as coisas. — comentei.

     Respirou profundamente para se acalmar, sorrindo para nós logo em seguida com uma malícia que já me era familiar.

— E aí? Alguma coisa movimentou a vida romântica de vocês?

     "Ah, como movimentou ..." pensei, enfiando outra grande colherada de brigadeiro na boca para não ter que falar.

— Nada. Só venho vendo minhas amigas recebendo cartões e tudo o mais.

— E você, Loverboy? — perguntou, e dei de ombros, fingindo que nada de interessante aconteceu — Bom, acho que é melhor a gente tirar já esse negócio do rosto.
    
     Verônica recebeu uma ligação bem quando terminamos de lavar o rosto.

— O que aconteceu? — perguntou, logo afastando o aparelho do ouvido por conta da gritaria de Pidge — Ok! Eu passo p'ra ele!

     Peguei o celular dela, indo até o meu quarto para ter privacidade para falar.

— O que foi? P'ra que esse desespero todo?

[POR QUE VOCÊ NÃO ATENDEU!!?]

— O meu celular tava no silencioso! Vai, desembucha. Quero aproveitar que a minha irmã aqui.

[... Você não viu?]

     O tom e desespero dela estavam começando a me assustar para valer.

— Vi o que, Pidge?

[... Abre o Instagram.]

     Deixei a ligação no viva voz e catei o celular. Abri o aplicativo antes nomeado, vendo como eu tinha mais de cinquenta notificações. Vi que a maioria era de colegas de escola me marcando em um post.

       E, quando eu vi o post do Lotor, eu nunca senti tanto desespero e vergonha de uma vez só.

     Não era apenas meu nervosismo me fazendo acreditar que havia mais alguém além de Hunk me observando hoje mais cedo: Lotor também viu. E filmou tudo.

     Essa era a vingança que ele estava querendo por ser vencido na briga daquele dia.

     "A Garison tem uma puta a mais" dizia a legenda.

     Bati a porta do meu quarto com o triplo de força que seria necessária. Ouvi minha amiga e minhas irmãs perguntando o que aconteceu, mas ignorei-as. Desliguei a chamada, sentindo as lágrimas começarem a cair.

     Ignorei as chamadas que continuei a receber em ambos os celulares em minha posse, assim como Rachel e Verônica tentando arrombar a porta. Eu só sabia e queria saber de chorar.

     Porquê eu estava finalmente começando a criar coragem para me assumir e declarar ao Keith. Porquê eu provavelmente sofreria bullying de novo. Porquê minha família podia me expulsar de casa.

      Eu chorava litros e mais litros porquê ... meu peito ardia, e minha cabeça rodava com as possibilidades do que poderia dar errado, e me sentia humilhado por ter meus sentimentos mais profundos e íntimos expostos como uma forma tão cruel de vingança.

     Abracei meu travesseiro com força, escondendo o rosto nele. Meus soluços reverberavam por todo o quarto e me faziam tremer. Minha garganta doía de tanto tentar controlar o choro. Sentia falta de ar.

     Eu não sei quanto tempo passou. Podiam ser minutos, segundos, horas, dias, anos ...

     Mas bateram à porta. E com calma, timidez e caltela.

— Lance, abre p'ra mim?

     Era a voz do Keith.

     Demorei o que devia ter sido uma eternidade para finalmente fazê-lo.

     Que fosse para me rejeitar de uma vez. E que fosse olhando para a bagunça deplorável em que eu me encontrava. Talvez isso me redimice minimamente por eu ter sido um completo babaca com ele por dois anos e meio.

     E que se exploda que eu estava com meu pijama de tubarão. Não tinha como eu estar mais patético.

     O coreano entrou com cautela, trancando a porta novamente. Andou calmamente até minha cama. Eu não tinha coragem de encará-lo.

— A gente precisa conversar. — declarou, nervoso apesar de decidido.

Correio delator [Klance]Onde histórias criam vida. Descubra agora