Rachel, a traidora

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— Alexandre McClain, que bicho te mordeu!? — questionou Rachel, realmente preocupada.

     Desliguei o aspirador de pó, passando as costas da mão na testa para enxugar algumas gotículas de suor.

— Longa história, e não ' com saco p'ra explicar.

— Eu só quero saber o motivo de você estar aspirando cada centímetro desta casa voluntariamente. Ficou doente ou o que!?

     Engoli em seco: ela tinha razão. Eu não gostava de aspirar a casa. O simples barulho que o nosso aspirador faz me dá uma dor de cabeça latente e insuportável.

— Um colega meu vai ter que vir fazer um trabalho comigo aqui em casa.

— E a mamãe te obrigou a aspirar "porque el pude pensar que no somos civilizados" ou algo assim?

— Exato.

     Se eu menti? É. Na cara dura. E eu não gosto de mentir. Mas, se eu não tivesse mentido, era fácil a Rachel suspeitar do meu crush no Keith — algo que eu preferia evitar de todas as formas possíveis.

     E o meu plano para aquela noite era tentar manter Kogane longe da minha família e terminar o trabalho rapidamente.

     Bom, terminar o trabalho num período proporcionalmente curto de tempo não foi difícil.

     Se consegui manter minha família longe? Não.

     Primeiro, minha mãe chamou a gente para tomar um lanche quando acabamos. Foi legal da parte dela, mas a Rachel estava fazendo um creme caseiro para o rosto na cozinha.

— Quer passar já ou na hora de dormir? — perguntou diretamente para mim.

     Eu não sei nem descrever o que senti ou como reagi naquele momento.

— Você tem uma rotina de skin care? — perguntou o coreano, um sentimento no olhar que não sabia se era de deboche ou o que.

— Acha que ser lindo assim é fácil?

— Eu sei que é difícil. Vivo com esse peso todos os dias. — rebateu, passando a mão pelo cabelo como se o estivesse arrumando.

     Aquela reação era nova, mas eu gostei. Mais do que eu gostaria de admitir. Ele ficou charmoso daquele jeito.

     No final, estávamos nós três na sala com a máscara no rosto. Rachel fazia trancinhas no cabelo do coreano, que mexia no celular.

     Em algum momento, ele cobrou. Dava para perceber mesmo com a máscara. Sorri, sugestivo, fingindo não saber o motivo daquela reação – e que eu e Sakura não tínhamos dedo naquilo.

— O que você viu, Mullet?

     Consegui captar uma sombra de sorriso nos lábios dele.

— ... Me mandaram outra cantada.

— Parece que alguém ' caindo de amores pelo admirador secretooo ... — cantarolei.

— Não é assim! Só ... acho as cantadas meio fofas, apesar de bregas.

     Aquela doeu.

— Ele tem que aprender a cantar alguém comigo.

— Loverboy, todo mundo sabe que as suas cantadas são bregas. — constatou a traidora da Rachel.

— É porquê eu guardo as melhores para a futura Senhora McClain!

— Ah-ha. Sei. — debochou Kogane.

— Está duvidando de mim?

— E se eu estiver? — olhou-me em desafio.

— Eu poderia te mostrar todo o meu talento para flertar.

— Tô adorando o rumo dessa conversa ... — ouvimos minha irmã murmurar, mas a ignoramos.

— Então demonstre esse talento todo, "Loverboy". — desafiou, cruzando os braços e com um sorrisinho ladino.

      Por dentro, minha reação foi algo como "AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH". Aquele bi panic de leve, sabe?

— Só não vai se apaixonar, hein!

     Eu torcia exatamente pelo contrário do que eu disse.

     Cheguei perto dele. Tipo, muito perto. Mais perto do que jamais estive dele. Isso fez o sorriso dele vacilar um pouco.

     Dei uma olhada no rosto dele. Mesmo com aquela camada verde e meio viscosa, ele era lindo. E tinha meia dúzia de trancinhas que Rachel fez. E seus olhos pareciam púrpura naquela luminosidade, captando cada movimento meu.

     Estendi minha mão e coloquei alguns fios rebeldes atrás da orelha dele. Não afastei-a, indo suavemente pelo caminho do seu lóbulo,  mandíbula e finalmente tomando seu queixo entre meu polegar e indicador. Assim, mesmo que quisesse, ele não poderia olhar para qualquer outra coisa que não fosse eu.

     Dei meu típico sorrisinho sedutor de lado. Aproximei ainda mais nossos rostos, deixando um palmo e meio entre nossos narizes. Percebi como ele engolia em seco.

      E, com toda a minha confiança, falei com meu tom mais aveludado:

— Van Gogh só pintou girassóis porquê não conhecia o azul quase púrpura dos seus olhos. Senão, ele teria pintado violetas em sua homenagem.

     É. Ele corou. E não foi pouco. Considero uma baita vitória.

     E talvez rolasse até um selinho se não fosse pela idiota da minha irmã. 

— UOOOOOOOO! O LENÇOL DOBRADO JÁ 'TÁ TODO BAGUNÇADO, E O SEU CHEIRO NO QUARTO!

VETE A LA MIERDA! — gritei, tão vermelho quanto o coreano.

— JÁ SE ESQUECEU DE TUDO QUE ACONTECEEEEEEEU!!

CALLATE SI NO QUIERES TENER TU PINCHE TRASERO PATEADO!

     Calou-se. Subiu até o topo da escada. Mas a traíra não tem amor pela própria vida.

— APROVEITA E FAZ AMOR COM O LANCE A NOI-TE IN-TEI-RAAAA!

     E correu se esconder em seu quarto enquanto eu a xingava em espanhol.

     O Keith? Ele estava rachando de rir.

— Era disso que eu tava falando!

     Quando ele finalmente parou de rir, chegou a enxugar lágrimas.

— Admito. Foi uma boa cantada. Não é do nível Maxon Schreeve, mas boa.

— ... Você leu "A Seleção"?

— Li. Adoro romance. E o Maxon é meu crush literário supremo.

     A boa notícia era que ele realmente gostava de garotos.

     A má notícia era que o padrão de homem dele era muito (MUITO) mais elevado do que eu conseguiria alcançar.

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