Drª Denner

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É com dor de cabeça que eu acordo. Olhando a tela da TV e a mensagem perguntando se eu ainda estou assistindo. Como se eu fizesse outra coisa da vida ultimamente. Eu olho pra mesinha de canto e vejo o meu remédio. Álcool e clonazepan, uma boa pedida para uma parada cardíaca. Eu checo a minha pulsação e sinto uma leve síncope que vai embora rápido. Eu nem me lembro de quando apaguei sem roupa nesse lençol de seda, indícios de pressão alta. Levantando-me aos trancos e depois me sento outra vez, me deparo com uma carta na mesinha e minha garrafa de Smirnoff desaparecida. Será que as meninas pegaram? Vou ler essa cartinha da Dinha pra ver se ela tomou e deu alguma desculpa esfarrapada.

Mãe, você estava certa, eu sou evasiva. Entretanto, eu não quero ser assim para sempre. Desculpe-me pela indiscrição, mas eu abri a sua porta ontem e joguei suas bebidas pelo ralo da sua pia. Essa sou eu enfrentando você, sem fugir. Eu não sinto mais tanto falta do pai como antes, mas eu nunca entendi sua dor até eu abraçar a Lana e perceber que eu amo muito a minha amiga. Eu acho que eu entendo você agora. Eu realmente queria sentir mais a falta do pai, mas infelizmente não dá. Eu fui egoísta antes e posso estar sendo agora. Mesmo assim, eu quero que saiba que eu desisti de fugir e gostaria que você também desistisse. Eu preciso de você e eu quero que você possa contar comigo se você precisar, mas procura ajuda. Eu te amo muito.

Da sua melhor e única filha, Dinha.

Meus olhos lacrimejam pelas palavras da Dinha. Fazendo-a fazer a terapia e fingindo que estou bem, quando, na verdade, eu estou em pedaços. Eu achei mesmo que conseguiria enganar a Urda, porém subestimei a percepção dela. Não. Não foi isso. Eu fingi que estava tudo bem e me afundei no álcool e nos benzodiazepínicos para escapar da dor. Logo eu, que já dei bronca em paciente por fazer a mesma coisa. A Urda está certíssima. Preciso de ajuda profissional, senão a minha filha, que precisa de mim, pode acabar sem mãe. Um pedaço meu e do Thiago que eu preciso proteger. O último pedaço que sobrou. Eu preciso de ajuda, senão essa dor vai me matar.

Sem roupas, vou tomar banho. O cheiro de vodca ainda estava pungente na minha pia e o relógio marcando cinco da manhã. Ainda estava escuro. Eu preciso de um pouco de açúcar, um café e tomar bastante água. Logo eu metabolizo esse álcool, mas o benzo vai ser difícil de tirar. Talvez dois meses de desmame. Eu penso nessas hipóteses e fico tomando meu banho, pensando na cara que eu ia fazer pra minha filha e para a amiga dela. Provavelmente, eu me descuidei e deixei a porta aberta, quando desci pra pegar um pouco de gelo. Bom, eu já conversei com elas sobre sexo, não acho que meu corpo gerou tanta comoção quanto o meu estado deplorável. Mesmo assim, é embaraçoso ser flagrada do jeito que eu durmo: toda arreganhada.

Eu saio do banho, coloco o meu roupão, uma toalha na cabeça e vou checar as meninas. Eu abro a porta e vejo as duas abraçadas e com a respiração tranquila. Parecem dois anjos. Eu fecho a porta e desço pela escada até a cozinha. Tomo água enquanto eu preparo o café forte e doce. Eu já me sinto melhor só com cheiro do café. Preciso fazer um cronograma de desintoxicação. Não é bom cortar tudo de supetão, senão a abstinência vai ser forte e aí eu acabo internada. Eu já vi esse filme antes, não quero acabar atuando no remake.

— Eu não esperava que a minha Dinha fosse ser a pessoa que ia fazer uma intervenção. Do jeitinho dela, mas eu vou seguir forte. — E eu falando sozinha.

Bom, eu preciso comer alguma coisa antes do café, senão o café forte vai gerar desconforto. Eu abro o armário e pego aveia pra fazer mingau com água. Vou até a sala e ligo a TV pra checar as notícias do mundo, depois de quebrar o jejum. A manhã já brilhava e, quando eu me dou conta, já era umas 7:25. Eu me perco na TV, ajuda a desfocar a mente. O interfone toca e vou atender.

— Quem é?

— Bom dia. É o Vladimir, Doutora Denner. Eu vim trazer a mochila da Alana, senão ela fica sem fazer o dever de casa.

Dinha e LanaOnde histórias criam vida. Descubra agora