Capítulo 3

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   Eu estava longe o bastante para conseguir ver somente a silhueta da menina à minha frente, estava escuro demais e o vento soprava violento. Ela andava de um lado para o outro, parecia perturbada com alguma coisa, tentei me aproximar, mas meu corpo não obedecia a meus comandos como se estivesse congelada.

   Olhei ao redor tentando ver onde estávamos, um calafrio percorreu minha espinha quando percebi que local era a cobertura de um prédio. Eu sabia o que ela ia fazer, ia se jogar, acabar com a sua vida. O mero pensamento disso me deu ânsias de vomito. Precisava impedir a garota do que estava prestes a fazer.

   Lutei para me libertar, para conseguir chegar até ela, mas foi tudo em vão, era como se eu estivesse observando toda a cena pelos olhos de outra pessoa e não pudesse fazer nada além de assistir. De repente a menina correu até o parapeito do prédio e subiu, fechei meus olhos com força para não ver, mas quando os abri de novo, ao invés de encontrar seu corpo despencando no abismo ela apenas inclinou o corpo para a frente e observou lá embaixo.

   Imitei seu movimento, meu estomago embrulhando no processo, lá os carros passavam a toda velocidade, tão pequenos e insignificantes. Um grupo de pessoas gritavam da calçada, mas suas vozes não chegavam claras aos meus ouvidos.

    Me virei novamente para a garota e me assustei quando vi que estava apenas alguns centímetros de mim, me olhando fixamente.

   Seu cabelo loiro balançando na frente do rosto, deixando apenas os olhos cor de âmbar descobertos, neles havia desespero, súplica.

   - Me ajuda- ela sussurrou, o seu bafo quente chegando até meu rosto.

   Antes que eu pudesse reagir e mais do que meu cérebro fosse capaz de processar, a garota subiu de novo no parapeito.

   - É tarde demais – disse sem emoção na voz, seu rosto estava neutro.

   Então ela se jogou.

   Não fui capaz de fechar os olhos até seu corpo está a centímetros de se chocar contra o chão.

   O grito arranha a minha garganta quando ele escapa pela minha boca. Não consigo chegar até o banheiro antes de botar tudo para fora. Meu corpo treme com espasmos e suor escorre pelo meu pescoço.

   Meu pai escancara a porta e entra no quarto como um furacão, me encontra estirada no chão. Ele me segura entre os seus braços gordos e afasta o cabelo suado da minha testa.

   - Foi só um pesadelo – sua voz é calma – nada disso é real.

   - Não foi real - repito, sem acreditar nas minhas próprias palavras.

   Meu coração está retumbando contra o peito, tenho a sensação de que até meu pai pode ouvir. Ele me ajuda a ficar de pé, mas o pesadelo me exauriu tanto que desabo assim que meus pés tocam o chão, meu pai não foi rápido o suficiente para evitar que eu batesse o joelho contra a madeira escura.

   - Me deixe sozinha – digo entre lagrimas – quero ficar sozinha.

   Meu pai assente e sai do quarto sem protestar, uma sombra de preocupação atravessa o seu rosto quando ele olha uma última vez para mim e deixa a porta aberta.

   Tento assimilar o que aconteceu, levo as mãos até o pescoço e o a arranho tentando arrancar aquela sensação de sufocamento. Parecia tão real.

   E Eu não pude fazer nada para ajudar.

   Meus pesadelos eram sempre muito realistas, como se tudo tivesse acontecido de verdade. Eles também eram sempre sobre sofrimento e morte. Eu já deveria estar acostumada, pela frequência que eles ocorrem. Mas cada um que eu tenho é um soco diferente no estomago. O de hoje foi uma facada.

   Era a primeira vez que eu sonhava com um suicídio, geralmente, eu era torturada com acidentes e assassinatos. Sacudi a cabeça na tentativa de enterrar bem lá no fundo aquele pesadelo e esquecer completamente, mas fazer isso só me me deu mais dor de cabeça.

   Mesmo que eu ainda tremia e suava frio tentei me levantar, meus joelhos fraquejaram no primeiro momento, mas me obriguei a ficar de pé, meu corpo todo rangeu de dor, aqueles sonhos demandavam muito de mim.

   Arrastei o pé até o banheiro e entrei na água gelada, não me dei o trabalho de me despir, apenas sentei no azulejo frio e deixei que a água escorresse pelo meu corpo, levando consigo todos os meus pensamentos inquietantes.

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