Sons de cachorros latindo me acordam. Estiquei meu braço até a cômoda e peguei o relógio para ver que horas eram – 13horas – me espreguicei antes de sentar, fiquei dez minutos sentada na mesma posição tentando absorver tudo o que aconteceu na noite anterior.
Depois do banho que tinha tomado ontem, fui até a gaveta e tomei três comprimidos do frasco que a doutora me deu, ainda assim fiquei com receio de ir dormir e sonhar novamente, não aguentaria outro. Mas quando o cansaço venceu e meus olhos se fecharam nenhum pesadelo invadiu a minha mente.
Eu nunca tinha sonhos bons, ou normais. Quando não estava tendo pesadelos a escuridão era a única coisa que pairava diante de meus olhos fechados.
- Bom dia- anunciei a ninguém especial assim que adentrei na sala.
- Boa tarde, moranguinho – minha mãe veio até mim e me deu um beijo na testa.
Meu pai afastou o rosto da televisão para olhar para mim e deu uma piscadinha com olho.
- O que está assistindo? – pergunto indicando com a cabeça a televisão, vou até a mesa e pego uma maçã da fruteira.
- O Jornal começou a pouco tempo. - Minha mãe responde por ele. Ela pega a maçã da minha mão e põe de volta no lugar. – O almoço já está quase pronto.
O cheiro de peixe frito tomava conta de toda casa, minha mãe ia e vinha segurando pratos e vasilhas com a comida. Ela passou por mim mais uma vez e acariciou com o dorso da mão a minha bochecha.
- Ajuda a colocar a mesa? – assenti e segui ela até a cozinha. Ela colocou um pote de vidro preenchido com salada na minha mão – ponha ao lado das batatas.
Assim que voltei para sala novamente a repórter na televisão anunciava uma notícia
- Aline Bastos de 16 anos, se jogou da cobertura do prédio de onde morava localizado na zona oeste do Rio de Janeiro na noite de ontem. – Meu corpo inteiro travou, me virei devagar na direção da televisão, o sonho de ontem pairou na minha visão como fantasma o medo daquilo realmente ter acontecido tomou conta de mim. – A menina chegou a ser socorrida pelos paramédicos, mas morreu a caminho do hospital. Os pais da criança afirmaram que a menina tinha um caso severo de depressão e que estava em processo de tratamento. O sepultamento do corpo ocorrerá na sexta feira para amigos e familiares.
Eu me aproximei mais da televisão para ver a foto da menina que mostravam. Uma garota sorridente aparecia na tela, seus longos cabelos dourados puxado para trás num apertado rabo de cavalo. Aqueles olhos âmbar são inconfundíveis.
A vasilha de salada de estilhaçou aos meus pés quando minhas mãos fraquejaram. As coisas ao meu redor pareciam estar em câmera lenta. Aqueles não eram sonhos. Eram visões.
Não me movi, não consegui, nem mesmo quando minha mãe veio gritando para saber o que tinha acontecido, ou quando meu pai estava ajoelhado diante de mim afastando os cacos de vidro do pé ensanguentado. Eu estava em transe.
Eu me sobrecarrego muito facilmente, minha ansiedade e os calafrios dentro de mim fazem com que seja difícil respirar. Palavras tomam conta de mim, mas não consigo dizê-las, parece que eu sou outra pessoa.
A última coisa que me lembro é a da minha visão escurecendo e a sensação de cair em um abismo. Então acordar no hospital com o pé enfaixado e soro no braço.
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As duas semanas seguintes passaram arrastadas. A parte boa que durante esse tempo não fui agraciada com nenhuma premonição, ainda que sentisse o constante e fraco pulsar da energia das pessoas ao meu redor. Pude aproveitar um pouco da vida normal que tenho.
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Arcanjo
FantasiRebeca está em um conflito interno depois que um acidente levou sua irmã. Além de passar pela dor interminável do luto a jovem precisa lidar com a maldição na qual acredita que carrega, mas está disposta a mudar de opinião quando conhece um garoto...