Sábado, 15 de julho de 1989
Wolverhampton e Roma
Ciao, Bello!
Como estão as coisas? E como está Roma? A Cidade Eterna vai muito bem, mas estou aqui em Wolverhampton há dois dias e isso parece uma eternidade (embora eu deva admitir que o Pizza Hut daqui é maravilhoso, muito bom mesmo).
Desde a última vez que nos vimos, resolvi aceitar aquele trabalho na Cooperativa de Teatro Fine Line que mencionei, e nos últimos 4 meses estive planejando, ensaiando e fazendo turnês com "Carga Cruel", espetáculo patrocinado pelo Conselho das Artes e que fala sobre o mercado de escravos através de histórias, canções folclóricas e algumas mímicas bem chocantes. Estou anexando uma cópia bem malfeita de um folheto para você ver como se trata MESMO de coisa fina.
Faço o papel de Lydia e... bom... okay, na verdade é o PAPEL PRINCIPAL, a filha mimada e vaidosa do malvado Sr. Oliver Blunt, e no momento mais intenso do espetáculo eu de repente percebo que todas as minhas lindas coisas, foram comprados com o sangue de outros seres humanos como eu (pausa dramática) e me sinto... suja? (olho para minhas mãos como se visse sangue), suja até a ALMA. É uma cena bem forte, embora ontem à noite tenha sido arruinada por alguns garotos atirando bolinhas de papel em minha cabeça (que eu percebi depois que eram os malditos folhetos).
Falando sério, na verdade nem é tãaao ruim assim, não no contexto. E não sei por quê estou sendo tão sarcástica, provavelmente é algum mecanismo de defesa. Na verdade, a resposta dos garotos que assistem, os que não jogam nada na gente, é muito boa, e nós fazemos umas oficinas bem animadas em escolas. Gostei de escrever a peça também, me deu um monte de ideias para outros espetáculos e coisas do gênero. Então, vale a pena, mesmo que você considere que estou perdendo o meu tempo. Eu continuo achando que podemos mudar as coisas, Derek, de verdade. Nós vamos acabar com o preconceito racial em Wolverhampton, nem que tenhamos que fazer isso com uma criança de cada vez...
Meredith Grey virou a folha de papel para baixo quando um dos atores, Anthony Ross, entrou no camarim. O camarim unissex não era um camarim de jeito nenhum; era apenas um vestiário feminino de uma escola no centro, que mesmo nos fins de semana conservava aquele cheiro de escola de que ele se lembrava: hormônios, sabonete líquido cor de rosa e toalhas emboloradas.
Na porta, Anthony pigarreou.
- Belo público esta noite, gente! Quase a metade da lotação, o que não é ruim, se pensarmos um pouco. Lembrem-se, mantenham o frescor da novidade, fiquem ligados e espertos, digam as falas como se fosse a primeira vez e, o mais importante, não deixem a plateia intimidar ou conduzir vocês de jeito nenhum. Interação é ótimo. Retaliação não. Não se deixem irritar. Não deem esse prazer a eles. Quinze minutos, por favor! — e com isso fechou a porta do camarim, deixando todos lá dentro, como se fosse um carcereiro.
O último ano havia sido marcado por uma série de caminhos errados, más escolhas e projetos abandonados. Houve o clube noturno alternativo ao qual ninguém foi, o primeiro romance abandonado, o segundo romance abandonado, vários empregos infelizes e temporários vendendo caxemira e lã xadrez para turistas. Na fase mais baixa da maré, Meredith tentou fazer um curso de culinária, mas percebeu que não tinha nenhum talento para aquilo. Fritar ovos não era a solução.
Até mesmo sua amada Edimburgo começava a deixá-la entediada e deprimida. Morar na cidade universitária era o mesmo que continuar numa festa da qual todo mundo tinha ido embora, e por isso em outubro ela desistiu do apartamento e voltou para a casa dos pais por um longo e úmido inverno, cheio de recriminações, portas batendo com violência e televisão durante as tardes numa casa que agora parecia inacreditavelmente pequena. "Mas você tem um diploma com primeiro lugar em duas matérias! O que aconteceu com ele?", a mãe perguntava todos os dias, como se o diploma de Meredith fosse um superpoder que ele se recusasse a usar.
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One Day
FanfictionPara que servem os dias? Dias são onde vivemos. Eles vêm, nos acordam Um depois do outro. Servem para a gente ser feliz: Onde podemos viver senão neles? Ah, resolver essa questão Faz o padre e o médico Em seus longos paletós Perderem seu trabalho. (...