Costumo dormir na mesma posição todos os dias. Ereto e de barriga para cima. É algo o qual meu irmão, Yonong, costuma dizer que é fora do comum. Geralmente, quem me vê dormindo, costuma dizer que eu pareço um morto, e quem não me conhecesse, realmente se preocuparia. Por tal motivo, quando adotei Galileu e ele foi deitar em meu pescoço, a miados esganados na primeira vez em que dormiu em meu quarto, deixei toda a minha lógica de lado e acreditei que o bichano realmente estava desesperado achando que seu dono havia batido as botas. Tempos depois, a teoria foi refutada pela frequência com que isso acontecia — sendo o mais específico possível, diariamente. Eu finalmente me dei conta de que o pavor de minha morte era inexistente, e o gato amarelo na verdade só me acordava para por comida em seu prato. Aquela foi a minha primeira decepção na fase da adolescência, e lembrava dela todos os dias quando sentia a textura dos pêlos tocarem meu pescoço, avisando que Galileu tinha acordado, e eu deveria acordar também.
De todo modo, eu era grato pela existência do animal, que, assim como eu, amava rotinas e espaços organizados. Galileu acordava num horário exato, às sete e vinte e nove da manhã. Levando o tempo necessário para ele se espreguiçar e subir até minha cama para deitar em meu pescoço, eu era acordado às sete e meia, alguns segundos antes do relógio despertador em tom água-marinha apitar, num som cheio de hertz¹ que me machucava meus tímpanos, mesmo depois de anos.
Independente do barulho terrível, me senti animado ao acordar naquele dia em específico, já que o sol brilhava forte e era meu primeiro dia de férias após terminar um Ensino Médio que apenas marcou minha vida de forma ruim. Eu me sentia livre, menos pesado, e torcia para que a faculdade fosse como eu esperava: puxada demais para alguém ter tempo de machucar o outro.
Desci as escadas com a calma de sempre, desejando um bom dia e fazendo uma reverência à minha família, antes de finalmente seguir até o armário e pegar a ração de Galileu, que levantava as patas dianteiras, agitado. Na mesa, meu pai ajudava meu irmão a repassar as falas do programa de TV o qual participava, enquanto minha mãe lia as notícias.
— Seus livros chegaram hoje. — falou minha mãe, não deixando de ler o jornal. — Vi o carteiro trazer uma caixa com a logo da revista que você assinou.
— Sério?! — perguntou retoricamente, animado. — Eu vou ir pegar. — avisei, antes de me apressar a ir pegar meu pacote.
Eu morava em Ezhou, na província de Hubei, na China. Das um milhão de pessoas que viviam na minha cidade, mais de seiscentos mil se localizavam em Echeng, enquanto eu e minha família fazíamos parte da minoria. Por conta disso, era difícil achar livrarias com obras científicas internacionais por um preço em conta na minha região, então eu preferia assinar revistas científicas com o dinheiro que eu ganhava em meu trabalho de meio-período.
Contei os passos rapidamente, enquanto andava até a caixa de correspondência, sorrindo ao abrir a mesma e enfim tocar no embrulho do pacote de livros científicos. Foi quando ouvi o barulho de um carro próximo estacionando, e com isso veio também resmungos e gritaria, desordem. Não consegui evitar olhar, era como um instinto, minha mão tremia. Arregalei os olhos ao ver um homem ocidental segurando um garoto oriental aproximadamente do meu tamanho, que se debatia tentando sair dos braços do outro, gritando alguns repetidos "get away from me" ou "I know how to walk" em um inglês sem falhas. Soube, no momento, que ele era estrangeiro.
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Wang Minghao É Astronomia Reversa
Aktuelle LiteraturSol Huanlin não gostava de bagunça e desorganização, sendo assim não estava preparado para conhecer Wang Minghao. O jovem não só confundia todos os conceitos da astronomia e da física, como também confundia todos os seus sentidos e sua forma de ver...