Amai Haru

Sempre foi você

Dizem que é preciso chegar ao fundo do poço para ter impulso para subir. E ele já esteve lá, tantas, tantas vezes, que acreditava impossível um ser humano ter estado na miséria mais vezes do que seria suportável. Ele já não tinha forças para lutar, não sabendo que não tinha a menor chance de ganhar. Ele, um homem fisicamente incompleto e mentalmente quebrado, jamais seria capaz de fazer Haruno Sakura feliz, como Tatsu estava fazendo. Nunca, jamais, pensou que doeria tanto perde-la. A sensação de ter o coração dilacerado, exposto e sangrando era tão vivida que lhe causava calafrios. A imagem refletida pelas sombras entrelaçadas se repetia em sua mente uma e outra vez, e sua imaginação fértil lhe pregava peças onde aquela não havia sido a primeira nem a última, que a iryo-nin estaria nos braços daquele homem, que seria tocada por ele... beijada por ele.

Nunca havia sido alguém de pensamentos sujos. Primeiro, porque a única mulher na qual pensava era Haruno Sakura e segundo, porque a respeitava tanto que despi-la com a mente lhe parecia algo completamente errado. Mas, naquele momento, ele apenas conseguia pensar em como seria se fosse sua mão a tocar a pele dela, se fosse sua boca a percorrer o corpo dela, qual seria a sensação de ter seu nome sendo sussurrado tão carinhosamente, se ela coraria com seu olhar ou se tomaria as rédeas da situação. Entretanto, não era ele ali. Nunca seria.

Olhou em volta, atendendo-se a cada parte do apartamento. As flores murchas talvez tivessem sido um sinal de que o amor que algum dia Haruno Sakura nutriu por ele, também havia murchado. A sala se encontrava em um silencio torturante e tão profundo breu, que seus pensamentos pareciam ganhar vida.

Ela estava em cada canto, como um fantasma. Via perfeitamente a rotina dela naquele lugar, provavelmente ela saía tarde da noite do hospital, entrava cansada jogando o jaleco em qualquer lugar e amarrava os curtos fios rosados, então ela abria todas as cortinas e janelas para deixar o ar fresco noturno entrar. Depois ela começava a limpar, cantarolando alguma que outra música, provavelmente Ino a ajudava algumas vezes e ambas conversavam sobre amenidades, bebiam saquê rindo das provocações uma da outra. Ele conseguia escutar os risos ecoando pela casa. Mas, imaginava-a na maioria das vezes sozinha, assim como ele estava no momento, pensando se ele algum dia iria voltar. A imaginou sentada na sacada, olhando para a mesma lua que ele olhava quando sentia falta dela, e também, a imaginou chorando como ele estava agora. E foi nesse momento, onde Tatsu apareceu, enchendo-a de cortejos e gracejos, convidando-a para ir a encontros e lentamente o apartamento foi ficando cada vez mais abandonado, até que ela nunca mais foi até lá. Deixando as flores para morrer, como os próprios sentimentos.

Saber que ele um dia foi o agraciado por ter o amor dela, mas que havia perdido tudo por não conseguir lidar com os próprios demônios, aquilo estava sendo uma tortura. Talvez uma viagem de redenção não fosse o suficiente para expiar seus pecados, e se existisse um deus, o estava castigando lhe arrancando sua única oportunidade voltar a ser feliz.

Foi até seu quarto limpando o rosto no processo, e lá, teve uma surpresa.

Sentada na cama, com o pano vermelho de bordados tortos na mão, estava Haruno Sakura.

ㅡEu... entrei pela janela. ㅡa voz baixa poderia ser facilmente opacada pela ventania do lado de fora. ㅡ Você deixou isso cair.

Os olhos verdes desviaram do tecido e foram diretamente para ele, curiosos e ansiosos, ela sempre o mirava assim, como se quisesse ver além do que ele realmente demostrava. Ele poderia sustentar uma batalha por horas, dias se fosse necessário, mas lhe era impossível sustentar o olhar indagador dela no momento.

ㅡEu apenas fui devolver... mas você estava ocupada. ㅡ respondeu ainda parado no batente da porta, como se ficar perto dela e respirar o mesmo ar pudesse machuca-lo ainda mais.