Estava chovendo lá fora. Uma chuva fina, caindo de um céu cinzento e sem vida. Luther Hargreeves estava sentado sozinho na mesa da sala de jantar, debruçado sobre uma pilha espalhada de revistas, artigos de jornal e quadrinhos sobre a Sparrow Academy. Allison voltava da cozinha com um copo de água quando viu o irmão ali, concentrado sobre o material, e decidiu se juntar ao mesmo.
— Não acha que está obcecado demais com isso? – ela perguntou, puxando a cadeira ao lado dele para sentar-se.
Luther ergueu a cabeça, encarando a Número Três por um par de segundos. No dia que se passou, após a revelação de Cinco, Allison passou o dia evitando os irmãos, agora parecia estar melhor.
— Como você está? – ele perguntou, preocupado.
— Exausta... – ela respondeu sem muito entusiasmo, bebendo um pouco de água logo em seguida. – E você? Vai ficar lendo essas revistinhas para sempre?
— Estou esperando os documentos falsos para procurar algum emprego ou algo assim. Se vamos ficar aqui, talvez seja...
Allison apanhou uma revista em quadrinhos que trazia a Número Três dos Sparrow na capa e tinha o seguinte título "SPARROW ACADEMY: A Redenção da Feiticeira".
— Esses materiais são confusos, os superpoderes de cada um aparecem de forma diferente de uma linha para outra, me pergunto se o que sei deles através dessa pesquisa tem alguma serventia – Luther explicou, com os olhos focados na revista que Allison segurava.
— Eu costumava amar esses quadrinhos, lembra? Deus, cada semana eu tinha uma sessão de fotos diferente, isso quando o pai permitia.
As lembranças do passado fizeram Luther sorrir.
— Lembra quando te chamaram para ser estrela daquele programa infantil? Nosso pai não permitiu, você ficou furiosa.
— Você tentando apaziguar, o Diego me incentivando, o Ben chorando achando que eu odiava o papai e que iria embora. E naquele instante eu o odiei mesmo, juro que pensei em usar o rumor, mas todos vocês estavam ali, me olhando. Só me restou abandonar o café da manhã e subir pro meu quarto xingando Deus e o mundo – Allison falou, rindo. – Fiquei dois dias sem comer e sem falar com ninguém. Até pensei em fugir de casa, mas aí tinha... – ela ia falar algo, mas parou. Então viu uma revista em que a capa era o irmão Ben, largou a que estava segurando para pegar essa nova.
— A parte que mais me dói em toda essa história é saber que essa equipe conseguiu manter o Ben vivo e eu não – Luther confessou.
Allison terminou de beber sua água e abandonou o copo sobre a mesa.
— Nós não conseguimos, você quer dizer? Eu sei que o pai e os outros te culparam pelo que aconteceu, e conhecendo você, sei que tem se culpado por todos esses anos, mas a culpa não foi sua, Luther. Não havia nada que a gente pudesse ter feito, a coisa... simplesmente saiu do controle. E o Ben... Deus, ele te idolatrava, era como um caçula seguindo o irmão mais velho.
Luther se sentia grato... Estar ali com Allison, falando sobre um assunto tão doloroso e sendo tão honestos um com o outro lembrava a ele dos velhos tempos, de quando eles eram apenas crianças que se sentavam juntos e partilhavam todos os segredos. Apesar disso, as palavras de consolo da Número Três não afastaram o remorso de seu coração.
— Eu o forçava, você sabe... Ben odiava a coisa do Horror, era doloroso, não dava para ter pleno controle. Eu sabia disso, mas achava que quanto mais ele usasse, mais aprenderia a forma certa de usar. Era nosso objetivo, éramos diferentes das outras crianças por uma razão, tínhamos que salvar o mundo...
— Luther, todos nós acreditávamos nisso naquela época, era o que o pai nos ensinava... – Allison o interrompeu.
— Ainda assim... – lamentou o grandalhão, com um olhar melancólico – Talvez seja a oportunidade de corrigir as coisas, eu só preciso resgatá-lo agora, trazê-lo para o nosso lado.
Allison franziu o cenho e balançou a cabeça em negação.
— Nosso lado? O Ben que a gente amava está morto, Luther. Não há nada que você faça que irá mudar isso. Esse aqui – ela apontou para a capa da revista que estava segurando – é apenas o Número Seis da nova equipe do senhor Reginald. Um mero desconhecido, nada mais que isso.
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No centro da cidade, um banco estava sendo assaltado. A Sparrow Academy já estava no local. Vilões tinham se espalhado por vários dos andares do edifício, a imprensa cercava o lugar de lado de fora, tal como a polícia, que aceitara entregar a missão nas mãos de Sir Reginald e estava se limitando a manter os curiosos afastados.
No terceiro andar, os tentáculos que se projetavam do torso do Número Seis agarraram pessoas para cima e para baixo, desmembrando-as em muitos pedaços. O sangue se espalhava pelo lugar, misturando-se com vísceras, miolos, folhas e dinheiro. O rosto de Ben e seu uniforme estavam manchados de carmesim quando o mesmo recolheu seus monstros. Ao lado dele, uma mulher de óculos gritava, em choque, trêmula. Era a única alma viva no mesmo ambiente do super-herói.
O Horror estava quieto, com um semblante sombrio. Ele tentou pedir para que a mulher parasse, mas ela estava apavorada, e parada, não conseguia se mover, tinha medo dele. Seria uma das vilãs?
Nesse instante o Número Um se juntou ao Número Seis.
— Está tudo bem? – perguntou, tocando no rosto do irmão.
Michael Hargreeves olhou ao redor, analisando o estrago que tinha acontecido, então seus olhos se fixaram na mulher histérica próxima a eles. Naquele instante, Número Um entendeu perfeitamente o que tinha acontecido, não era a primeira vez, não seria a última.
— Eu tive que... mas saiu do controle – Ben murmurou, um pouco nervoso.
Spaceboy esboçou um sorriso no rosto e aproximou-se cuidadosamente da mulher estranha.
— Calma, senhora. A Sparrow Academy chegou para salvá-la – ele prometeu, oferecendo os braços para abraçá-la.
Aos soluços, a desconhecida aceitou o abraço. Spaceboy era o herói daquela cidade, ele a tiraria dali, ele a afastaria daquele monstro.
— Shh! Shh! Vai ficar tudo bem agora – ele disse baixinho, acariciando os cabelos da mesma enquanto acolhia a cabeça dela contra seu peito.
E então se ouviu um "crack". O choro da mulher tinha finalmente cessado. Quando Ben olhou para o irmão, viu apenas o corpo da mesma despencando sem vida no chão.