quatro

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Atravessamos as nuvens pesadas da tempestade que quebravam ao nosso redor. Não pude evitar de me apertar contra ele, que continuava em silêncio olhando pra frente.

- obrigada.

Ele não respondeu e seus sifões brilharam. Depois de alguns minutos pousamos na entrada de uma caverna. A chuva já estava bem mais fina, o que supus que já estava bem longe de casa.

- consegue andar? Temos alguns metros ainda até chegar na vila.

Neguei.

- por que você não nos leva voando até lá?

- minhas asas cansam. Temos uma longa viagem até a corte noturna e preciso poupar elas se quisermos chegar logo.

- o que? - me assustei me apoiando na parede de pedra - não vou pra corte noturna.

- então por que você tava fugindo? Acredito que voltar pra casa está fora de questão.

Engoli seco e suspirei, sentindo uma dor de cabeça começar.

- olha... - comecei - acho que começamos mal. E toda essa coisa de parceria só deixou tudo ainda mais confuso...

Ele me olhava em silêncio.

- eu só queria entender tudo isso. Por isso que vim atrás de você. Podemos chegar num consenso e depois seguir nossas vidas separados.

- qual o seu nome?

- Allysah.

Ele assentiu olhou pro meu braço machucado e pro meu pé.

- acho melhor pararmos aqui.

Concordei e entramos na caverna. A única luz que entrava ali era a da lua e uma fazer uma fogueira quando a lenha está molhada não ia dar tão certo.

Me sentei e apoiei minhas costas na pedra, suspirando pesadamente. Ele sentou no outro lado, mantendo uma distância respeitável de mim.

- sabe que se voltar vai ficar presa pra sempre naquela cela.

- é, eu sei - revirei os olhos.

- posso te levar pra corte noturna e depois tentamos conversar com Tamlin.

Olhei pra ele, tentando decifrar o enigma que era aquele illyriano. Nunca achei que veria um de perto, mas cá estou.

- é sua corte? - perguntei.

Ele concordou e voltamos a ficar em silêncio, ouvindo a chuva engrossar de repente.

- você é sempre calado?

Azriel permaneceu olhando pra entrada da caverna, como se eu estivesse falando demais. Resolvi ficar na minha e cuidar dos meus machucados.

Tirei a capa e rasguei a barra pra fazer um curativo em torno do meu braço e meu pé.

Azriel encostou na parede e afastou os cabelos negros da face.

- quantos dias leva pra chegarmos lá?

- normalmente uns três. Mas com esse seu pé e só com um par de asas, devemos demorar mais.

Bufei e desviei o olhar. Me acomodei da melhor forma que pude e sem dizer mais nada, dormi ali mesmo.

***
- espera aqui.

- não, vou junto.

- não vai querer correr com isso aí - ele apontou pro meu pé.

Xinguei baixo e me sentei no banco da praça. A vila era simples e muitas pessoas olhavam estranho pra nós dois.

Azriel tinha sumido e depois de um tempo, uma certa confusão começou numa feira de rua.

Mas antes que eu pudesse ir até lá, o illyriano surgiu do meu lado com alguns pães na mão e me entregou um.

- você roubou?

- não temos tempo pro café da manhã. Vem.

Ele passou seu braço por mim e nos lançou pro céu.

Quando já tínhamos saído da vila, o olhei de relance notando algumas cicatrizes que enfeitavam seu pescoço e rosto.

Ele me pegou o olhando e tive que desviar o olhar rapidamente, focando em comer meu pão.

- tá duro - reclamei.

Azriel ergueu uma sombrancelha e sorriu fraco.

- não sei como tem coragem de reclamar.

Voltei a olhar pra ele.

- então sabe sorrir... - provoquei.

Ele revirou os olhos e voltou ao semblante de sempre.

Voamos por horas até pousarmos em outra floresta, dessa vez menos sombria do que a fronteira.

Azriel reclamou quando pisou no chão, erguendo as asas já pesadas pro ar.

- amanhã continuamos - ele disse.

Confirmei. Ele quebrou um galho de um a árvore e me entregou.

- pode te ajudar a andar.

- não preciso de uma bengala. Consigo me virar daqui.

Ele desviou o olhar e jogou o galho longe.

- mas obrigada - completei pra não parecer tão grossa.

Seguimos até um pequeno lago e comecei a juntar lenha pra uma fogueira. Azriel tinha entrado na água pra cuidar de suas asas, que mereciam um descanso.

Ele lavava o rosto e molhava o cabelo, revelando as formas angelicais de sua face que antes não tinha reparado. Tirei meus olhos dele pra dar mais privacidade e foquei na fogueira, tentando fazer uma fagulha de fogo.

Assim que consegui fui mexendo até que formasse uma fogueira de verdade. Sorri comigo mesma e me aproximei do calor, notando que a noite já caía.

Azriel tinha terminado e estava sentado mais afastado, como sempre.

- não mordo - falei olhando pra ele.

Mas ele dispensou e permaneceu distante. Era insuportável o silêncio que sempre se formava quando um de nós tentávamos esquecer o outro.

Ficamos assim durante horas, até que ele começasse a olhar pra mim.

Deixei a fogueira e fui mancando até seu lado. Ele parecia solitário demais. Como se tivesse um peso dentro de si mesmo que não queria sair. Azriel desviou o olhar e engoliu seco, encolhendo as asas pra trás.

Nós dois ficamos olhando pra fogueira estralando, talvez pensando nos últimos dias e nessa confusão toda.

De repente, senti as mesmas sombras daquele dia se enroscarem no meu pé, mas dessa vez não reclamei. Dei um pequeno sorriso e passei os dedos por elas, sentindo nada além de um vento frio.

- como você faz isso? - perguntei.

Azriel se endireitou.

- sou encantador de sombras. Desde sempre consegui fazer isso.

Assenti.

- você é tipo um guerreiro ou...

- espião. Trabalho pra corte noturna.

- e você gosta?

Ele confirmou quieto.

- são minha família - disse num sussurro.

A partir dali, resolvi não incomodar mais.













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