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Anos se passaram, mas o rancor que Tamlin guardava ainda era enorme. Ele tinha cortado relações com as demais cortes e focava apenas no próprio umbigo. Dentre as inúmeras regras que ele estabeleceu em sua corte, a mais importante era o isolamento total de seus habitantes com os outros povos de Prythian, já que ele mesmo não confiava em mais ninguém.

Mesmo com as tentativas de diálogo entre os outros Grãos senhores, Tamlin não deu ouvidos e achou melhor assim. Mas o que ele não percebia, era que ao proibir o contato com outros féericos, vários problemas surgiriam.

***
- Allysah! - minha avó gritou assim que me viu na fronteira da corte primaveril - ficou doida? Sabe que não podemos sair.

- eu podia jurar que vi alguma coisa...

Nós duas morávamos bem nos limites da corte primaveril, o que só servia de combustível pra minha enorme curiosidade de conhecer o mundo além daquela barreira de floresta. Mesmo tendo Tamlin como meu grão senhor, nunca dei a mínima pra qualquer palavra dele. Definitivamente era a pessoa mais burra que já tinha ouvido falar.

- deixa disso e volta pra cá antes que alguém de veja ai.

Bufei contrariada e dei mais uma olhada antes de me afastar.

- eu vi alguma coisa. Tenho certeza.

- isso é seu espírito teimoso demais. Nunca me perdoaria se te levassem presa por tentar ultrapassar a fronteira. Sua mãe iria ficar...

- ela não está mais aqui.

Minha avó me olhou com um semblante pesado e só vez um sinal pra eu me entrasse logo.

Jantamos em silêncio até se tornar insuportável o som dos garfos desgastados batendo contra o prato.

- olha, eu sei que seu aniversário tá chegando mas...

- não quero festa, tá tudo bem - interrompi antes que ela continuasse - podemos passar o dia juntas como sempre fizemos.

- ally...

Dispensei com o olhar e voltamos a comer. Ajudei a tirar a mesa e fui pro meu quarto, que mais parecia um sótão apertado e sujo do que um lugar aconchegante.

Mas pude jurar que durante aquela noite, tinha escutado os passos misteriosos mais uma vez.

***
Acordei mais cedo e encontrei um bilhete da minha avó sobre a mesa de feliz aniversário avisando que iria voltar somente a noite. Depois de quase dois parágrafos de desculpas, a carta se finalizou com um aviso de "se cuide".

Como chefe dos artesãos, ela tinha uma rotina cheia. Mesmo sendo feérica, ela ajudava os humanos que tentavam sobreviver por aqui. Até isso Tamlin não tolerava.

Afastei esses pensamentos e fui aproveitar meu aniversário na minha própria companhia.

Acabei tendo uma ideia e corri atrás de uma faca. Ajeitei os cabelos, já compridos demais e ressecados, e comecei a corta-los na altura do ombro.

Assim que terminei limpei tudo e fui até um pequeno rio que tinha ali pra me olhar no reflexo da água. Sorri pra mim mesma gostando do novo visual.

Voltei pra casa e passei o resto do dia num tédio imenso. Quando a noite já dominava tudo, fiquei do lado de fora sentada na grama enquanto esperava minha avó.

Alguns estralos de folhas sendo amassadas ecoaram e ergui meu rosto pra estradinha, não enxergando nada além de terra e escuridão.

Mais uma vez os barulhos ecoaram. Me levantei e apertei bem os braços do lado corpo, olhando atenta pra todos os lados.

- vovó?

Nada.

Entrei e peguei a mesma faca que havia usado mais cedo e me aproximei da fronteira, torcendo pra que nenhum dos brutamontes de Tamlin surgisse.

Mas dessa vez, os barulhos pararam. Mesmo assim sabia que tinha alguém ali, escondido no meio do mato.

Ergui a faca e dei um passo a frente da fronteira. Imediatamente senti um frio percorrer minha espinha. Não sabia se era medo ou adrenalina por estar me arriscando daquele jeito, mas me senti estranha. Como se a penumbra da noite me engolisse.

- sei que está ai...

Achei que estivesse sonhando quando notei que sombras se enrolavam nos meus tornozelos e subiam por minhas pernas. Dei um grito de horror e corri pra dentro da casa, batendo a porta com força.

Fiquei olhando pra frente tentando entender o que tinha acabado de acontecer. Eu só podia estar delirando.

Não demorou muito pra que minha avó chegasse. Comemoramos o resto da noite mas algo naquela floresta me chamava atenção, me deixando acordada durante a madrugada e refletindo sobre aquela sombra.



fanfic acotar//azriel🏹Onde histórias criam vida. Descubra agora