✶ Estrangeiro

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"No meio do vasto oceano
Uma baleia fala sozinha e suavemente
O fato de que, não importa o quanto gritem, não irão os alcançar
Torna-os tão gravemente solitários que eles, silenciosamente, fecham suas bocas

Agora, bem, eu não me importo
Quando a solidão foi a única coisa que permaneceu do meu lado
Eu me tornei completamente sozinho."

(Whalien 52 - BTS)


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Faz cinco anos que Park Jimin deixou a Coréia do Sul para viver em Singapura.

A mudança de ares foi uma tentativa torpe e ineficaz de buscar melhorar. Em uma época que o jovem acreditava que conseguiria se livrar de sentimentos ruins que lhe assolavam se apenas saísse de onde estava e fosse viver algo novo e também com a promessa de que Kim Taehyung, seu melhor amigo, estaria lá para viver consigo dentro de alguns anos.

A distância imposta entre os dois por parte de Jimin acarretou bem mais coisa do que o iludido garoto acreditaria causar.


O coração de seu coração.

A outra metade de sua alma.

Seu alien, seu maior mistério, seu amigo e inimigo em igual medida.

Aquilo permanece até os dias atuais.

Embora não da maneira idealizada no passado.


A distância física, com o passar dos anos, se tornou emocional.

E agora Jimin, afogado e sufocado em suas próprias vontades, não os reconhece mais como nada além de camaradas.

É responsabilidade dele de ter partido em primeiro lugar e com isso quebrado tanto o coração dele quanto o de Taehyung.

É necessário agora aceitar as consequências.

Jimin vive em Singapura, está prestes a se formar em Literatura Inglesa, e está no aguardo das respostas de algum dos lugares que se aplicou para trabalhar.

O apartamento alugado em que vive, um achado em meio a Área Central de Singapura, é pequeno da maneira certa para que Jimin possa apreciar a sua solidão sem se sentir solto e disperso em um grande nada. O lugar já veio mobiliado, ao Park restando apenas preencher os espaços vazios com seus inseparáveis livros e as peças de vestimenta, além dos itens básicos de sobrevivência.


Este país que escolheu como lar é na verdade uma cidade-estado em constante crescimento, composta por cerca de 60 ilhas e contendo pouco mais de 700km² de extensão, essa ex-colônia britânica é considerada a Nova Iorque do oriente.

Há uma enorme miscigenação de povos, oriundos dos dois extremos asiáticos, e embora a língua oficial falada seja o inglês, os diferentes sotaques se unem para dar uma variedade exótica aos métodos de pronunciação dos habitantes de lá.

Há algumas famílias tradicionais chinesas e malaias que moram ali, mas possuem pouca expressividade em relação ao resto da população.

É como se o lugar fosse um antro de desgarrados, o paraíso dos perdidos, das ovelhas negras. Um instrumento geográfico para que os solitários não se sintam tão sós em sua solidão, compartilhando ela com os outros milhares de seres humanos socialmente isolados, introvertidos.

Jimin é um estrangeiro naquela nação formada por estrangeiros.

É um desconhecido em meio a uma multidão de outros desconhecidos entre si.

Mais ainda, Jimin se sente um estrangeiro dentro de si, constantemente não se reconhecendo; tendo dias em que evita se olhar no espelho; tendo dias em que se abstém de falar qualquer coisa em voz alta apenas para não ter que se ouvir; tendo dias em que, ao acordar, toma dois comprimidos de calmante e volta a dormir.


Aquele dia não é um desses tão ruins.

Ele acorda, faz o esforço para se levantar, abre as cortinas que cobrem a janela do quarto, na verdade uma parede inteira feita de vidro, para que a luz natural possa preencher o ambiente e dar uma sensação de calor.

Ele escolheu aquele lugar por causa do excesso de janelas, acreditando que a luz do sol lhe impediria de decair para espaços escuros que possui dentro de si.

Foi num momento de esperança.

Foi um momento fugaz.

Como uma típica criatura noturna, a ideia de ter claridade lhe dói os olhos, a cabeça, incomoda a criatura fria e mesquinha que habita seu interior.

O ato de levantar, quando está nos seus dias bons, e abrir a cortina para permitir a entrada de cor ao seu estéril ambiente, é mais uma tentativa de se machucar, de fazer doer em algum canto do seu âmago.

É uma tortura auto imposta.

Jimin não se considera um masoquista.

A ironia da humanidade é que não é necessário se considerar algo para o sê-lo. 


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✰ Quando as estrelas já não brilhamOnde histórias criam vida. Descubra agora