✶Está tudo escuro

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Tudo foi mudado
É a mesma coisa de antes
Desde que eu soltei essa mão
Estou de pé aqui
Os ponteiros do relógio me seguram
Parece que estou sendo empurrado

Eu tento vestir roupas novas
Mas seu cheiro ainda permanece
Estou preso em um lugar diferente

No mesmo lugar eu ainda estou procurando o mesmo você

(...)

Andando no tempo
Eu estou andando no tempo novamente
Mas nada muda

Mesmo que digam que o tempo melhora as coisas
Mesmo que digam que permanecem boas lembranças

Eu gostaria que o tempo me curasse

(Walkin' in time - The Boyz)

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Seu vizinho, o Agust D, não o Smith, está ouvindo música alta.

Jimin faz uma careta, ajoelhado no chão de sua sala, sendo capaz de reconhecer a letra em inglês e a voz levemente enjoativa da cantora norte-americana.

Ele torce para que Smith esteja em casa e vá bater na porta de Agust pedindo que abaixe o som. Ele sabe que não se dará a esse trabalho, por mais incômodo que esteja sendo.

Desfaz de sua posição ajoelhada e estica as duas pernas para frente, forçando seu tronco para fazer o mesmo e encostar as mãos na ponta dos dedos dos pés.

Ao que parece ter sido em uma outra vida, Jimin costumava dançar. Havia um centro de artes em Busan no qual ele e Taehyung se inscreveram para ter aulas extras.

Ele optou por Jazz e Balé Contemporâneo, o melhor amigo conseguiu entrar nas classes de Saxofone e Artes Plásticas.

Iam juntos após a escola todos os dias, uma curta caminhada que lhes bastava para trocarem confidências e brincadeiras. E quando as aulas terminavam decidiam por estender o dia fora em alguma praça ou tomando sorvete caminhando pela orla da praia.

Não poderia reclamar da sua adolescência.

Ao menos não da maior parte dela.

Agora, se ele se esforça para levantar da cama é uma vitória, se ele se dá ao trabalho de alongar seu corpo é o maior presente que ele consegue dar a si mesmo.

Hoje, aos 24 anos, sozinho em um apartamento pequeno num país diferente e sendo obrigado a ouvir uma diva pop gritar sobre o homem não deixar que ela dirigisse o carro dele, Jimin se questiona em que momento as coisas começaram a dar errado em sua vida.

Ele não saberia responder.

Não houve exatamente um ponto de ruptura, não havia a especificação de quando tudo colapsou.

Nada que ele pudesse apontar o dedo e definir.

Mas sabia que sempre foi diferente, sua alma gêmea compreendeu e aceitou seu jeito e então ele se sentiu confortado e querido, até que perdeu isso e não sabia mais se encontrar.

A bússola que sempre lhe norteou agora estava quebrada, além do reparo, apontando aleatoriamente para qualquer direção.

Terminando de se alongar, empurrou os braços para trás, apoiando-os em cima do sofá, encarando o teto acima dele, a respiração descompassada. As cortinas da parede lateral, que era toda em vidro, estavam abertas, mostrando o cenário negro pontilhado por luzes amarelas, vermelhas, brancas e azuis da cidade ao seu redor. Não havia estrelas naquela noite nublada, mas as milhares de pessoas que ali moravam criavam sua própria constelação.

O céu, inerte, parado, sem vida e sem cores contrastava com a terra abaixo de si, iluminada, enérgica, em movimento, frenética.

Jimin estava embaixo, na superfície, fazendo parte da população de Singapura, mas não se sentia dessa forma. Todo o interior de seu apartamento estava apagado, a única iluminação vindo externamente, pela parede de vidro da sala. Naquele momento, ele era um reflexo do céu. Frio e sem estrelas. Inerte. Parado. Sem vida.

Não teve tempo de sentir-se aliviado quando a música cessou, porque logo outra deu início, da mesma cantora, agora berrando a plenos pulmões sobre alguém que foi malvado com ela por ser da cidade pequena. Revirando os olhos pela chateação, levanta do chão e vai caminhando a passos trôpegos até a porta da frente. Para com a mão sobre a fechadura e então se repreende.

O que está fazendo?

Não há porquê sair dali.

Vai bater na porta de seu vizinho inconveniente e dizer o quê?

Pedir educadamente que baixe a música por já ser tarde da noite?

E se Agust lhe convidar para entrar?

Ele certamente é esse tipo de pessoa, que aproveitaria o ensejo para puxá-lo pelo braço para dentro de seu apartamento e então fechar a porta, impedindo que Jimin saísse.

Talvez até lhe forçaria a comer algo.

Jimin não quer comer.

O macarrão instantâneo sabor carne que comeu na noite passada ainda pesava em seu corpo.

Ele não sentia fome.

Balançando a cabeça com a própria tolice, sentindo calafrios com a mera ideia das consequências ruins de sair de casa, ele se afasta da porta, em passos rápidos, sentindo seu coração retumbar no peito de medo.

Não pode sair.

Não pode.

Não precisa sair.

Não tem motivos para isso.

Vai até seu quarto e tranca a porta, apoiando-se contra ela, olhando para o teto, tentando controlar os pensamentos sórdidos que lhe passam na cabeça.

Não vai acontecer nada, Jimin.

Não se preocupe.

Mas tem dias que buscar ser racional não é o suficiente.

Ter três trancas instaladas na porta da frente e mais uma outra na porta do seu quarto não basta.

Ele corre até o banheiro e tranca-se novamente.

Está tudo escuro, o basculante que dá para fora não permitindo que entre tanta iluminação.

Melhor assim.

Sequer precisa tatear ou pisar cuidadosamente para não se bater em algo.

Não apenas por seu apartamento ser pequeno, mas por ele já conhecer muito bem cada mínimo espaço dali, sem qualquer tipo de luz.

Está acostumado.

Liga o registro do chuveiro e se joga ali embaixo, agachado no chão do box, os olhos fechados, tentando fazer com que a água fria leve embora o gosto amargo que se instalou em sua boca.

É mais uma noite em que tudo brilha lá fora e Jimin se fecha em sua falta de luz própria.

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✰ Quando as estrelas já não brilhamOnde histórias criam vida. Descubra agora