✶ Eu não sou obrigado

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Separado do mundo, o sentimento de sair de casa
Aos 19 anos, não queria consumir minhas emoções

Graças a fobia social que se desenvolveu, minhas relações humanas são zero

Sempre preparo máscaras
Escondendo meu verdadeiro ser detrás de uma imagem defensiva
Me escondo completamente como se eu fosse um criminoso

(140503  - Agust D)

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O clima em Singapura não varia muito, ele é considerado úmido e quente devido à sua proximidade com o trópico de Equador, no entanto há o que é chamado de período de monções, uma época do ano em que chove todos os dias grandes volumes de água. 

Hoje é um desses dias. 

Park Jimin, agora empregado, está sentado sobre o tapete felpudo da sala, apoiado no sofá atrás de si e usando a mesa de centro para depositar o seu notebook e um caderno com anotações. 

Seu grau em Literatura Inglesa lhe garantiu um emprego como revisor em uma editora. O salário é mediano, mas o que mais lhe interessou entre as outras duas propostas que recebeu foi a possibilidade de trabalhar em casa. A empresa custeia a internet e a manutenção dos materiais técnicos necessários (computador e impressora) enquanto poupa dinheiro com auxílios como vale refeição e transporte. 

Sua carga horária é livre, sua obrigação sendo a de participar de reuniões quinzenais (via chamada de vídeo) e editar e revisar de quatro a seis obras literárias por mês, algumas vezes tendo originais sendo repassados a ele para que verifique se é compatível com o mercado editorial ou não. 

Isso é bom.

Jimin permanece isolado em sua casa. Ganha o suficiente para pagar suas contas.

Mas a solidão que lhe cerca, tem dias, parece sufocá-lo sem pausa, fazendo-o escorregar pelo chão, ofegar em asfixia, os olhos injetados e arregalados, as mãos diminutas tentando arrancar suas roupas como numa maneira de libertação.

Alívios externos não são o suficiente para combater o mal que vive, há anos, dentro dele.

E Jimin sabe disso. 

Sentindo seu estômago roncar, anunciando estar vazio como é de costume, ele pondera se atende aos pedidos de seu corpo ou continua ignorando por mais algumas horas enquanto conclui a leitura de mais um livro. 

Está prestes a substituir um ponto e vírgula por ponto final quando o som da campainha desperta seus sentidos, os dedos estáticos sobre o teclado. 

Ele franze o cenho, a cabeça inclinando-se levemente para o lado, em confusão. Talvez alguém tenha errado de porta. Quando decide que foi isso e reinicia seu trabalho, o barulho soa outra vez. 

Suspirando e levemente incomodado pela interrupção, ele preguiçosamente levanta de onde está, mancando levemente por conta da dormência que sente em uma das pernas devido ao tempo que permaneceu na mesma posição. 

Arrasta-se sem muita vontade até a porta, conferindo no olho mágico qual o autor por trás do ato. 

— Ah… — solta involuntariamente um ofegar. 

Quer fechar os olhos e voltar calmamente ao seu lugar, fingir que não está ali. Porém é interrompido com as batidas duras contra a porta.

— Eu acabei de te ouvir. — ditou a voz baixa e grave.

Lambendo o lábio inferior de nervosismo e olhando ligeiramente para cima, numa conduta fantasiosa de súplica a uma entidade divina que sequer acredita, ele gira a chave na porta e retira a tranca de cima, abrindo-a em parte, permitindo apenas que seu rosto seja visto por ela.

— O que quer? 

Uma pessoa minimamente civilizada diria algo como “Em que posso ajudá-lo?”; “Algo lhe ocorre?”; “Boa tarde, tudo bem?”; mas Jimin, embora criado em uma família considerada dentro dos padrões de normalidade, já não pratica a cordialidade há muitos anos. 

— Molequinho mal educado do caralho. Eu preciso de ajuda e tu é meu único vizinho disponível. O Smith tá viajando.

Irônico que ele chame o outro vizinho de Smith assim como Jimin o faz.

O nome do vizinho não é Smith, mas Park não dá a mínima para descobrir qual é. Aparentemente nem ele.

Suspirando, gira a tranca de vez e abre a porta.

— Eu não sou obrigado a gastar minha educação atoa. — Jimin responde em um ato de rebeldia.

O outro apenas revira os olhos, uma pequena bolsa de pano em seus braços quando entra no apartamento alheio.

— Seguinte, acabei de chegar da rua. Tô encharcado, peguei uma chuvarada doida e a senha da minha porta deu erro. De novo. Já liguei para a assistência técnica do condomínio, deram previsão de uma hora e meia para aparecer alguém pra resolver, preciso tomar um banho e de um lugar para ficar enquanto isso.

Jimin deu uma boa olhada nele, vendo a calça jeans clara coberta de lama, os tênis fazendo barulhos irritantes enquanto pisava no chão, a camisa azul bebê colada no peito. Só a bolsa, aparentemente impermeável, parecia incólume. 

O homem, apenas um centímetro mais baixo que ele, também é sulcoreano embora sua pele leitosa não evidencie isso. O corpo é magro, a face com ar felino é emoldurada por fios negros bagunçados e brincos pendentes. Ele é lindo, e já deu em cima de Jimin nos primeiros meses após sua mudança. 

Não ia rolar. 

— Nossos apartamentos possuem a mesma planta, tu sabe como chegar ao banheiro. Tem uma toalha no armário embaixo da pia, pegarei roupa limpa pra você usar. — ele diz conformado.

Seu vizinho até franze o cenho, surpreso com a prestatividade de Jimin, ele certamente não esperava que a aceitação viesse tão rápido. 

— Hm… Ok. Peça algo para a gente comer. Tô morrendo de fome. Eu pago.

Jimin não quer comer. 

Jimin precisa focar em terminar seu trabalho. 

— Você come quando conseguir entrar na sua casa. — murmura fechando a porta e indo em direção a seu quarto, atrás de vestes para o intruso. 

— Eu quero agora. E você parece um vara pau. Tem que comer também. Aposto que está há horas sem mastigar nada.

Jimin não faz apostas. 

— Yakissoba, moleque. Duas. Mistas. Vamos, peça no Xiao Lon, coloque na conta do Agust D. — foi seu comentário final antes de se trancar no banheiro. 


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✰ Quando as estrelas já não brilhamOnde histórias criam vida. Descubra agora