13 - Ninguém Disse Que Seria Fácil

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"Ninguém disse que seria fácil

É uma pena nos separarmos

Ninguém disse que seria fácil

Mas também não disseram que seria tão difícil

Oh, me leve de volta ao começo"

—Coldplay, "The Scientist".


Aos 12 anos meu pai me esfaqueou por acidente.

Mas antes disso eu já tinha medo dele, já o achava um monstro. A gritaria que ele fazia por coisas fúteis, o jeito como ficava vermelho com os olhos quase saltando da face e as veias ganhando destaque. — Ele se transformava em algo que assombrava meus sonhos.

Não faça isso, sua criança malcriada!

Garota buliçosa e irritante! Pare de mexer na porra das minhas coisas!

Existiam duas versões do meu pai: A que gritava, a que arranjava brigas físicas com minha mãe e me chamava de burra e malcriada. A versão pálida que só ficava de frente para a TV, sem falar com ninguém, sem gritar. Eu tinha medo de ambas.

Mas não conheço essa versão que está parada bem na minha frente, de ombros encolhidos e com um sorriso tímido no rosto. O rosto começando a enrubescer a medida em que fico só encarando.

— Eve?

Adrian quem me chama. Não olho para ele. Olho para meu pai.

— Oi, Everett.

A voz dele não é a voz dele.

Esse não é o meu pai. É o irmão gêmeo dele, meu tio que minha mãe odeia pelo simples fato de ser idêntico ao meu pai.

Meu pai está morto. É só o meu tio.

— Oi?

Minha voz estava fraca, acho que sussurrei assim como parece que fiz uma pergunta.

O sentimento de querer correr e não conseguir é terrível. Também quero me agarrar a Adrian, mas ele parece não está entendendo o que está acontecendo, está analisando meu tio Fábio esperando que algo aconteça. Ele estaria preparado caso algo acontecesse.

— Como vão sua mãe e você?

— Bem.

— Você casou?

— Não. — Isso pareceu chocá-lo. Talvez minha mãe nem mesmo tenha permitido que meu convite de casamento chegasse até ele.

— Você parece bem.

— É. —Respondo. O que queria dizer era que, isso era uma mentira deslavada. — E... Você?

Um sorriso surgiu em seus lábios. Eu não vejo meu tio desde os meus 19 ou 20 anos, por mais que eu soubesse que ele era a cara do meu pai eu já estava começando a esquecer a cara dos dois!

Ele parece está confortável em responder como está, mas eu não.

Adrian ficou ao meu lado.

Por cima do ombro dele pude ver a confusão no rosto do meu tio, Adrian se apresentou primeiro e meu tio logo depois.

Os dois ficaram se encarando por um momento. Interrompi o momento quando peguei na mão de Adrian.

Meu tio não deixou de notar.

— Temos que ir.

— Ah! — Tio Fábio afasta-se um passo. — É claro.

Posso ter pegado na mão de Adrian mas foi ele quem puxou do lugar, quem me fez andar para longe de Fábio que, eu sabia —e sentia —estava nos observando andar até a caminhonete e depois, para longe.

Tínhamos chegado à estrada de terra. Alexandria é uma cidade grande e populosa, mas que parecia ainda viver à moda antiga, mesclando-a com a modernidade. Haviam mais pousadas feitas de madeiras do que hotéis. — Pude contar nos dedos quantos vi. Três.

Haviam casas com alpendres e redes velhas penduradas. A maioria das casas tinha uma pintura velha e descascada. Um pouco distante das casas ficavam às lojas de automóveis, uma creche, um salão.

Sei que só estou prestando atenção a cidade porque quero ocupar minha cabeça com qualquer coisa fútil, seja com o modo preocupado que as pessoas andam pelas ruas, seja pela gritaria de uma feira em outra rua. Agora, parando o carro à sombra de uma árvore posso assimilar tudo o que acabou de acontecer.

Saio do carro. Adrian continua lá.

O sol fazia meus olhos arderem, ou era isso, ou são as lágrimas idiotas. Porque meu pai tinha que ter um irmão gêmeo e, porque eu sou filha do "gêmeo mau"?

Respire, respire, respire...

Pisando forte vou até a janela do lado de Adrian.

— Vamos trocar.

Ele assente e vai ao banco do motorista. Sento-me e observo-o limpar as mãos na calça jeans.

Limpo a garganta para tentar me controlar. Pergunto se ele se lembra de algo que aprendeu, então ele cora e sei que não lembra de nada. Iria ser uma longa manhã.

— Não vai entrar? — Pergunto.

Adrian está parado à porta do quarto da pousada. O quarto estava com cheiro quase insuportável de naftalina e também fazia calor. Um quarto de casal simples.

— Acho melhor não.

— Mas...

— Você tem que se acalmar.

O quarto ficou em silêncio, ficou mais quente. O quarto simplesmente parecia encolher, eu me sentia furiosa e sufocada, e ele parado me dizendo para me acalmar era tudo o que eu não precisava. Engulo em seco e isso dói, faço mais uma vez.

— Eu estou calma — sibilo — só estou confusa.

— Mesmo assim não acho que seja uma boa ideia.

— Nunca tivemos boas ideias, Adrian! — Minha voz aumentou um quinto — Transamos antes de termos um encontro, de nos conhecermos formalmente. Eu te contei coisas pessoais e vergonhosas e agora você vem com "Não é uma boa ideia"?

Ele ficou calado, mas não de um jeito que me deixava confortável, parecia que estava tentando resolver um problema sério, um problema que podia machuca-lo se não fosse pensado com cuidado.

— Se acalme — sua foz é fria e me deixa arrepiada. Ele se vira para que eu escute só sua voz e não veja seu rosto — Está agindo como uma babaca.

Ele fecha a porta ao sair.

Me tranco no banheiro. Joguei a roupa limpa na cama e liguei o chuveiro, a água com cheiro de ferro começou a cair na minha pele, mal pude contar quantos segundos se passaram desde que a água caiu e minhas lágrimas começaram. Eu soluçava. Eu sentia minha cabeça latejar.

Engraçado como uma simples frase pode mudar meu dia.

Sete VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora