20 - Agora Você Sabe

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"Eu sou um péssimo mentiroso

Péssimo mentiroso

Agora você sabe

Agora você sabe

Eu sou um péssimo mentiroso

Péssimo mentiroso

Agora que você sabe

Você está livre para ir

Por favor, acredite em mim

Por favor, acredite em mim"

— Imagine Dragons, "Bad Liar".



Tinha me trancado no quarto há três dias.

Rejeitei ver minhas amigas que vieram aqui ontem, bateram durante duas horas na porta do meu quarto. Don também estava com elas, ele pediu que eu abrisse porque queria me abraçar como eu o tinha abraçado quando nos vimos. Tentei ceder a esse pedido. Então me lembrei que Adrian estava naquele dia e em todos os anteriores. Continuei na cama com um peso nas costas apesar de o peso do meu peito ter diminuído a quase nada. Minhas emoções eram assim, 8 ou 80, vinha em pequenas doses me fazendo querer dormir pelo resto do dia, sem a menor vontade de saber se as aves voavam ou se as pessoas saiam para trabalhar, se alguém iria me ligar. Vinha em grandes doses, me fazendo chorar. Me fazia querer sumir entre o mar de lençóis da minha cama, ouvindo as batidas do meu coração e perguntas estranhas me vinha à mente: Será que meu coração está batendo muito rápido? Estou respirando rápido demais? Eu consigo chorar mais do que ontem, impossível?

Minhas idas para fora do quarto eram raras, quando tinha que ir à cozinha fazia isso e pegava tudo para não ter que voltar: garrafas de água, maçãs, bolachas de sal, guardanapos, um resto de vinho que Paula deixou.

Eu me concentrava mais no passar do tempo do sol: de manhã com a brisa fresca entrando pela janela, a luz quente que iluminava o quarto todo e eu tinha que ir até à janela e fechá-la, puxar as cortinas pesadas e deixar tudo no breu até às quatro da tarde quando a luz começava a ficar alaranjada e bonita e depois, no fim às cinco da tarde onde eu me esticava na cama e pensava: Pronto, agora é só esperar que tudo isso aconteça de novo e de novo.

Fiquei desse jeito por mais três dias.

É quinta-feira e está chovendo.

Chovendo pesadamente, chovendo como se o céu fosse desabar logo, logo. Fechei a janela assim que as gotas de água pegaram na minha cama e no chão, tranquei-a e tive a ideia.

Sai do quarto e ver minha sala de novo foi tão esquisito que me senti em outra casa, mas eu tinha lembranças impossíveis de esquecer aqui. Queria pensar em levar a sério a dica da minha mãe, sobre os cômodos, mas nem conseguia pensar nela sem me sentir enganada e furiosa, uma completa palhaça digna de um prêmio. Não faço ideia no que minha mãe estava pensando quando decidiu fazer o que fez, na minha felicidade ela disse no e-mail.

Meus passos eram leves, quase como se eu não quisesse tocar no chão. Fui até a cozinha, deixei meu celular na cama, a bateria estando em menos de quinze por cento mas eu já tinha feito o que pretendia com ele. Mandei mensagem para as duas em menos de três minutos, algo realmente curto que eu não tinha aprovado, achei desajeitado, mas idaí? Eu era uma completa desajeitada, não podiam esperar muito de mim.

Pensei em ligar para meu tio. Mas não é uma boa ideia. Não preciso dele aqui, nem agora assim como não preciso atender a porta.

Batidas incansáveis chegam até mim e me fazem tremer.

Eram batidas sem sincronia, forte, quando pensei que já haviam acabado uma nova remeça chegava ainda mais forte, ainda mais apressada. Olhei para o frasco, a minha frente, minhas mãos estavam prestes a tocá-lo e eu iria para o sofá, mas a voz dele me fez repensar quando surgiu tão apressada quanto às batidas.

— Everett! Everett, por favor, abra a porta. Abra.

Caminhei até a porta sem saber o que faria.

Acho que já chorei tanto que o sentimento não faz mais sentido para mim apesar da raiva.

Não abro a porta.

Encosto minha testa na madeira fria e tento falar alguma coisa, mas não consigo. Só a voz dele, é só a voz dele que escuto. O processo de falar quando sua garganta está trancada é difícil, o processo de pensar quando sua cabeça só quer ficar congelada no momento é terrível.

— Everett! — Quando ele bate na porta eu sinto a dor, ele está batendo bem onde minha cabeça está na porta. — Abra. Por favor!

Minha voz finalmente achou caminho para fora de mim.

— Não quero ver você.

— Então fale comigo, apenas... apenas fale, não precisa me ver.

Assenti sozinha, em silêncio.

— Eu sinto muito. Me desculpe. Me desculpe.

— Você já sabia meu nome quando me conheceu.

— Sim.

Não foi uma pergunta. Foi uma afirmação dolorosa. Mas eu podia entrar na conversa dele.

— Tudo que te contei, você já sabia?

— Não tudo.

— Responda apenas com sim e não.

Após um minuto de hesitação, ele disse um audível e doloroso "sim", quase me permiti imaginar sua expressão. Não queria que suas falas passassem disso, ele começaria a argumentar se eu não o cortasse imediatamente.

Engulo o tecido áspero que está na minha garganta.

— Já sabia sobre o meu pai?

— Sim.

— Já sabia sobre... Meus acidentes, todos?

— Sim. Cada um.

Solto algo que se parece com um rugido, mas não de raiva, parece-se mais com um animal doente.

— Tem algo, mísero que seja, que eu te contei e você não sabia?

— Sim.

Espero alguns segundos. Minha mão tinha rastejado para a chave na porta e a girado, quando os segundos se formaram em minutos eu não pude aguentar aquilo que estava no meu peito, apenas abri a porta porque queria vê-lo, eu precisava vê-lo. Ele se tornou essencial mesmo me machucando.

Seus olhos estavam inchados pela falta de sono, pelo choro também. Não tão diferente de mim. Está com uma barba irregular e alguns cortes na bochecha, a camisa apesar de estar coberta por um casaco, está ao avesso. Ele está com o violão nas costas.

— Me responda.

— Eu não sabia que você... Não. Antes de eu responder quero dizer o que eu não sabia. Eu não sabia, Eve, o quanto eu não sabia. Fui tão idiota, passei por cima da razão pelo dinheiro. Aquela casa não é nossa, é alugada. Mas eu morava em um lugar terrível antes porque não conseguia emprego, cheguei a andar quase a metade do caminho que andamos nessas últimas semanas atrás de emprego. Jorge nos mantinha dois apenas com o que ganhava nos shows. Sua mãe viu. Me escolheu e disse tudo aquilo. Eu não sabia o que estava prestes a acontecer quando aceitei. Eu não sabia o que sentiria por você seria tão forte, que seria crucial para que eu tomasse decisões na minha vida, para que reagisse a todo o nevoeiro que me cercava, eu estava passando meus dias em branco até você aparecer, até começarmos a nadar, a rir, a nos beijar. A confiar um no outro.

Sete VidasOnde histórias criam vida. Descubra agora