One Shot n°3

15 1 0
                                    

Eu me encontrava forçada a ajudar na resolução de um crime. Fui testemunha direta de uma matança ocorrida numa delegacia e consegui escapar quando um dos policiais, atingido entre os olhos, tombou sobre meu corpo, criando uma barreira visual entre mim e o assassino.

À medida que ele matava mais pessoas que se metiam em seu caminho, o caos se espalhava pela cidade. Nunca antes a população se sentira tão desprotegida. Se esse homem podia fazer uma aparição na delegacia, matar todos os policiais presentes e sair ileso, nada o impediria de matar uma mulher sozinha na rua, um executivo em seu escritório.

A apresentação do meu testemunho foi feita publicamente. Contei em várias entrevistas os horrores que eu havia presenciado e, numa voz calma e controlada expliquei que não se tratava de trauma algum para mim. Meu tio, um policial que havia saído numa ocorrência, e o motivo de eu estar na delegacia, estava bem. E, por mais que eu conhecesse os outros, nenhum deles era família. Essa distância emocional proporcionou-me uma visão quase impassível da cena do crime. E as imagens do homem quase careca atirando da escada de incêndio foram mantidas vivas em minha memória, mas em momento algum vieram perturbar meu sono.

Fiquei cega com a fama temporária e não percebi o propósito das autoridades ao apresentar-me como heroína em rede nacional. Eu era a isca. Uma vítima em potencial, jovem, tagarela e provavelmente, o motivo daquele monstro não dormir à noite. Eu era um erro, a primeira falha depois de uma série de matanças perfeitas. E como erro, eu precisava ser corrigida. Foi isso que me disse a investigadora particular que havia criado interesse no caso.

Sentada com ela em seu escritório, recebi detalhes da matança que, sozinha, nunca teria descoberto. O homem trabalhava sozinho com sua arma. Aparecia, atirava, sumia sem deixar rastros. Um profissional. Nunca havia deixado testemunhas. Eu era a primeira.

Endireitei-me na cadeira enquanto a mulher explicava que, do ponto de vista psicológico, o matador era um sujeito reprimido. Indo pelas linhas da psicanálise, entendi sua afirmação, mas questionei o motivo dela pensar assim. A investigadora discorreu sobre como seu comportamento em outros assassinatos mostrava um descontrole emocional, por ser conhecido por matar pessoas que esbarrava na rua, mas uma habilidade técnica perfeita. Atingia todas as suas vítimas entre os olhos e dificilmente errava a mira. Além disso, nas cenas do crime eram sempre encontradas unhas roídas e cabelos arrancados, indicando estresse, mas ainda não se sabia se era devido a um problema recorrente ou era fruto da antecipação de um ataque.

Nesse momento, um tiro rompeu o ar e perfurou o crânio da mulher. Nem olhei para trás, sabendo o que me esperava. Com adrenalina pulsando em meu corpo, disparei em ziguezague em direção à saída do escritório assim como meu tio já havia me ensinado e tentei não pensar nos tiros de raspão que me acertavam. Eles vinham de cima, o assassino estava em cima de um dos pequenos prédios que circundava o escritório. Minha casa ficava na esquina, então corri sem pensar até destrancar a porta e entrar. Pensei em ligar para a polícia, mas imaginei que a distração da chamada poderia ser mortal. Avancei desesperadamente para dentro de casa, avistando meu irmão mais novo no chão, brincando com um gato e um cachorro que provavelmente se esgueiraram pelo portão de trás, assim como meu assassino podia fazer. Balancei a cabeça e deixei o garotinho com os dois animais aparentemente inofensivos, correndo para fechar a traiçoeira porta dos fundos com chave. E corri para o quarto dos meus pais, onde os encontrei vestidos com camisas de algum clube de futebol.

Meu pai foi o primeiro a perceber que algo estava errado. Eu podia sentir as batidas desesperadas do meu coração, lutando para proporcionar movimento a todo o sangue que achei que ia perder. Balancei a cabeça e só disse "Delegacia, agora".

Eles me deixaram e seguiram com meu irmãozinho para o jogo. Eu havia insistido que eles fossem. Consegui que concordassem em me "abandonar", como disse minha mãe, contando uma versão extremamente aliviada da real.

"Acho que vi o assassino"

Saber que eu estava entrando na cena de um crime enquanto meus pais iam com meu irmão para um lugar público e cheio de testemunhas me proporcionava um alívio. Minha família estava segura.

Entrei na delegacia e fui recebida por dezenas de câmeras que não estavam lá até semana passada. "Segurança" diz o homem estacionado ao lado da cafeteira.

Minha morte será assistida. Uma expressão de agonia tomou conta do meu rosto enquanto eu imaginei desconhecidos estudando meu assassinato. O botão de replay ligado, exibindo várias e várias vezes a bala perfurando minha cabeça para expectadores impassíveis que presenciavam mortes com a mesma frequência com a qual eu via meu irmão chorar.

Tentei explicar em poucas palavras o ocorrido para o oficial, que assumiu uma expressão séria e começou a fazer perguntas sobre o lugar e se havia testemunhas. Depois de ouvir minha resposta, ele falou que o "sujeito" era muito controlador, e o fato de eu ter escapado dele duas vezes seguidas o estava deixando irado. E ira é um sentimento perigoso, prejudica o calculismo perfeito com o qual ele desenvolve seus crimes. Se ele fosse me matar hoje, não romaria cuidado, ele entraria nessa delegacia e atiraria até ver meu corpo no chão.

Minha preocupação foi substituída por terror quando o plantão de notícias foi ao ar na pequena televisão no canto da sala e mostrou cenas do estádio. Mais especificamente da minha família.

Comecei a suar frio e senti meus ombros ficarem tensos quando um homem de boné se levantou e atirou no meu pai. Minha mãe não perdeu tempo e voou para cima do homem, acertando um chute no seu estômago. Na cadeirinha de criança, meu irmão chorava. Com o som do tiro, ele havia se sobressaltado, caindo junto com sua cadeirinha de cabeça no chão sujo do estádio. Sua roupinha infantil estava agora coberta de sangue que não parecia parar de escorrer. Minha mãe aproveitou o momento de fraqueza do assassino e tomou a arma da sua mão, acertando um tiro entre seus olhos, assim como ele costumava marcar suas vítimas. Quando o corpo dele finalmente tombou, ela se agarrou ao corpo do meu pai e chorou junto com meu irmão.

O assassino está morto. Assim como meu pai.

Poemas quase bonsOnde histórias criam vida. Descubra agora