Capítulo 4

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Emma

6 anos atrás

Eu ouvia a música do meu último recital de ballet com os olhos fechados, lembro-me do nervosismo um pouco antes de entrar no palco e como tudo pareceu besteira quando eu comecei a dançar, naquele dia eu me senti verdadeiramente em casa. Era fácil me transportar para a época em que minha única preocupação era se a minha roupa iria estar tão bonita quanto a das outras garotas, ou se as minhas sapatilhas novas chegariam a tempo... Eram bons tempos. Deixei que os sons do piano e do violoncelo me levassem para outro lugar, um lugar sem um pai doente, uma mãe constantemente nervosa e um irmão que me olhasse com tanta culpa.

Mal percebi quando meus braços começaram a se mover. Eu sempre dançava, horas e horas seguidas, era como se eu momentaneamente saísse do meu corpo e eu deixasse o meu espírito no comando. Aquilo era a verdadeira felicidade. Pura e simples. Eu não precisava de mais nada. Poderia ficar assim o dia todo, até estar pingando de suor, até que as minhas pernas estivessem doendo, até ficar tão cansada que não conseguisse mexer um músculo, mesmo se eu quisesse. Estava tão envolvida nessas lembranças, e na música que preenchia todo o espaço, que não me dei conta de que levantava da cadeira. 

Só dessa vez, apenas dessa vez. Não é pedir muito, é? Eu só quero dançar mais uma vez. 

Dei o primeiro passo, trêmulo, ainda tão trêmulo.

Vamos lá, eu vou conseguir. Eu irei dançar outra vez. Eu ainda voltarei a ser a mesma Emma de antes. Por favor. Mesmo que seja só dessa vez.

Dei o segundo passo, muito mais instável que o anterior, mas eu repetia para mim mesma que era só coisa da minha cabeça. Eu estava forte, eu havia melhorado muito nos últimos meses, eu iria voltar a dançar.

Por favor. Por favor...

Eu girei, como tinha feito tantas vezes no passado. Minhas pernas, no entanto, não eram as mesmas. Eram fracas, não me obedecem como antigamente. Eu senti o chão sob mim e mesmo assim não ousei abrir os olhos. Eu só queria que aquele pesadelo acabasse, se abrisse os olhos, eu veria quem eu sou agora, seria a confirmação de que tudo aquilo é real. 

Eu não queria que fosse real, eu só queria minha vida de volta.

Era como se eu estivesse afundando, aqueles últimos meses foram tão sufocantes. Por que eu? Por que eu estava naquele carro? O que eu fiz para merecer esse destino? Como seria minha vida de agora em diante? Senti meu rosto molhado e um choro tão doloroso saindo da minha garganta. Mas eu não sentia nada. Não conseguia sentir nada. Apenas um vazio, um que eu já estava me acostumando desde o acidente. Como eu fui de me preocupar com balé e dança e música para essa tristeza que não tinha fim?

Será que seria assim para sempre?  Eu chorava ainda mais alto, acho que a casa toda podia me ouvir, mas eu não me importava. Não quando meu peito doía tanto que eu mal conseguia respirar. Essa era a vida que eu levaria daqui para frente? Por que eu? Por que eu?

— Emma...— Braços fortes me suspenderam do chão e eu escondi meu rosto na curva do pescoço do meu irmão. Danilo parecia ser o único que tinha coragem de lidar comigo quando eu ficava assim. Minha mãe, apesar de ser doce e gentil, não suportava me ver assim. Eu não poderia culpá-la.— Vai ficar tudo bem,— Sua voz era tão suave, parecia ter medo de que eu fosse piorar de alguma forma. Eu já havia desmoronado, eu já não era mais a mesma, será que ninguém via isso? Que eu não tinha mais salvação?— Eu prometo.

Ele continuou sentado na minha cama, me embalando em seus braços, falando palavras de conforto. Danilo era um bom irmão, eu me perguntava quando ele se cansaria de mim. Todos fariam isso, certo? As crianças não iriam querer brincar comigo, desdenhariam de mim, achariam que eu sou um monstro. Eu poderia até ser de uma família rica, mas todos continuariam olhando torto para mim, assim como as pessoas fazem nas poucas vezes que eu saí na rua.

Nothing Without You • Emma & SamuelOnde histórias criam vida. Descubra agora