Margarete vinha do seu longo turno de dez horas dentro de um supermercado lotado em dia de promoção. Seus pés doíam mais do que qualquer outra parte do corpo, mas nada lhe tirava o sorriso do rosto.
Finalmente Edivaldo teve coragem e se declarou para ela naquele dia. O açougueiro se apaixonou de cara pela cinquentona enxuta que era a gerente transferida de outro bairro.
Desde que ficou sozinha, ela nunca imaginava se apaixonar novamente. Ainda mais na sua idade. O fato dela ser sozinha e não poder ter filhos também pesava em seu coração.
Aquele beijo no ponto do ônibus faziam seu corpo vibrar. Ela olhava para a cidade com um sorriso que não conseguia desfazer.
Felicidade. Que palavra bonita. Carregada de esperança e outros bons sentimentos. Tinha medo de estar enferrujada para um novo amor.
Ora, desde o dia que o seu ex marido saiu de casa para comprar pão e nunca mais voltou, ela havia perdido a fé em homens.
Aquilo nunca foi sua culpa. O homem que parecia lhe amar tanto simplesmente sumiu. Podemos prever ou ler mentes?
O ônibus se aproximava da favela. Hora de descer. Ainda era cedo da noite. Ela decidiu passar na lojinha da amiga Cleide, ver se tinha um vestido bonito para um possível encontro final de semana.
Acontece que as duas fofocaram por horas, até o real cansaço bater no corpo e Margarete não ter escolha a não ser ir para casa.
Começou a subir as escadas, entrava em becos. Em um deles parou e comprou dois churrasquinhos. O arroz estava pronto e ainda tinha purê. Tudo requentado dois míseros minutos no microondas e o jantar estaria pronto.
Subiu mais. Seus pés doiam mais que o normal. Nunca antes sentiu tanta raiva dos seus dez quilos a mais.
Ela bocejava e subia, cansada e arrastada. Seu telefone tocou dentro da bolsa.
Ela parou para mexer no celular. De frente ao beco mais escuro de todo lugar. O breu impossibitava ela de perceber dois olhos amarelos lhe olhando de cima, acompanhando a mensagem de texto de Edivaldo, que elogiava as trocas de carícias mais cedo.
Aqueles olhos eram enormes, junto ao breu, no canto superior de onde quase era iluminado por uma plaquinha comercial.
A criatura ali acompanhou os suspiros apaixonado da trabalhadora. Ela puxou a bolsa para guardar o celular, mas ouviu um som dentro do breu.
Um gato miava? Um filhotinho chorava? Não dava pra identificar.
Sua pele marrom foi iluminada pela luz da lanterna do celular e seus olhos castanhos claros ficaram ainda mais claros com o feixe de luz que procurava pelo dono do barulho.
Já estava completamente dentro do beco. Revirando papelão atrás de um filhote. A bateria do seu celular morreu ainda mostrando quarenta porcento.
Ela xingou. Tentou religar o celular, mas dois faróis amarelos brilharam bem na sua frente a fazendo dar um salto para trás.
Margarete não conseguiu gritar.
Não conseguiu sair dali.
No outro dia, junto a uma poça enorme de sangue, sem um corpo presente. Os moradores locais acharam sua bolsa. O celular foi roubado, os cães encontraram o churrasquinho primeiro.
Faz dez anos desde aquele dia e a conclusão da polícia foi: Ela devia para o tráfico.
Ela fazia turno dobrado, pagou sua casa com juros e vivia muito bem. Era muito conhecida pelos vizinhos e sempre fazia caridade na igreja que frequentava.
Dizer que ela devia ao tráfico, por isso foi executada não caiu bem para quem a conhecia. Mas argumentos vindo sei lá da onde fizeram todos acreditar que isso fosse verdade.
Eu sei que Margarete era inocente, mas agora ela é só mais uma alma perdida dentro dos becos da favela.
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Apenas mais um beco na favela
HorrorTerror +16: Entidades Tráfico, milícia, polícia? Tantos assassinatos dentro da favela. Pessoas pobres costumam morrer sem serem notadas. A favela era só um grande campo cheio de gado para demônios escondidos entre as vielas. Será que alguém um dia...