Capítulo 7: Perguntar não ofende

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Maurício não conseguia se mover. Era como se todo o seu corpo estivesse paralisado diante daqueles olhos amarelos. O demônio abriu uma boca enorme cheia de dentes muito brancos e pontiagudos, mas uma voz muito serena e masculina o interrompeu.

— Pare. Me deixe a sós com ele. — A voz falou muito calmamente.

O vulto desapareceu como se entrasse no chão e todo o quarto ficou escuro, num breu onde só se podia ver olhos amarelos brilhantes, muito menor que os anteriores. Este olhar se aproximava do policial, que deixou algumas lágrimas caírem dos seus olhos. As forças se perderam e a tensão da aproximação da entidade sufocava. Ele não conseguia desviar o olhar, estava apavorado e com tanto medo que seu corpo decidiu se submeter.

O ser passou garras geladas no rosto do policial, que começou a tremer descontroladamente, desmaiando sobre o chão.

7 anos depois


Os jornais de todo o país entram em alerta para dar uma notícia importante. A comoção era tamanha e em todos os lares do Brasil se acompanhava a história do policial civil encontrado sete anos após seu sumiço, dentro de um porão, sujo e mal nutrido.

Foi dado como morto pelo tráfico poucos meses depois do desaparecimento, assim como seu amigo Paulo. Ele estava desacordado e deitado no barro puro, quase em hipotermia.

Uma operação no morro o encontrou, onde a polícia e o exército procuravam esconderijos de drogas e de marginais. Lá estava Maurício.

Pesando apenas sessenta e dois quilos, para um homem de um metro e oitenta e três, desidratado e com hematomas nos pulsos e joelhos.

Tanto imprensa quanto polícia queriam que ele acordasse logo, sua história era de interesse geral e todos estavam atentos para lhe ouvir falar.

Dois dias após o resgate ele acorda, faminto e perdido. As enfermeiras lhe fizeram sua barba, que estava enorme e cortaram seus cabelos que já estavam passando dos ombros.

Ele olhava para suas mãos e os curativos nos seus joelhos como se não acreditasse no que via.

Devorou a sopa que lhe foi servida como se fosse um banquete. Pediu pão e água. Bebeu muita água.

Um policial que ele conhecia apareceu no corredor.

— Maurício, quanto tempo... — Silvio estendeu a mão, mas não foi correspondido.

— O que você quer, senhor policial?

— Qual é? Fomos colegas de delegacia por anos. Vai me tratar assim? Eu vim te ver, com você está?

— Melhor agora que sai daquele inferno.

— Prendemos o Dedé quatro meses depois do seu desaparecimento. Ele garantiu que você estava morto. Aí...

— Encerraram as investigações.

Maurício soltou um riso debochado e voltou para seu leito. Sentou em posição de lótus e olhou nos olhos do seu amigo.

— Estou morrendo de fome. Uma fome que não passa de jeito nenhum. Eu quero comida, não sopa. Comida! Por favor.

Ele falava num tom calmo e Silvio analisava seus movimentos. Toda hora levava as mãos aos ouvidos e os tapava e era evidente que ainda estava traumatizado.

— Cara, nós precisamos conversar. O que aconteceu com você? Lá, naquele cativeiro. Foi sete anos, irmão. Você precisa dar um depoimento.

— Pff. Se eu contar, vão me internar num hospício e nunca mais serei um homem de novo.

— Sua namorada, Amanda, tá até hoje de luto por você. Ela nunca teve outro relacionamento. Ela quer muito te ver. Sabe aquele curso nos Estados Unidos? Ela conseguiu, tá trabalhando lá. Ela tá voltando para o Brasil por você. Largou tudo lá e tá voltando. Você quer que ela te veja nesse estado? Deixa eu te ajudar, nós queremos te ajudar. Pega meu telefone aqui, pede o que quiser no Ifood.

— Ifood? O que é isso?

Silvio mostra o celular para ele, perdido no tempo onde a tecnologia se renova a cada suspiro. Ele pediu comida e agradecendo começou a lacrimejar.

— Eu não sei o que dizer ainda, mas para você eu posso contar a verdade, não é?

— Sim, meu amigo. Confia.

Apenas mais um beco na favelaOnde histórias criam vida. Descubra agora