Capítulo 9: Apenas um soldado.

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Silvio tinha acabado de acordar quando o telefone tocou.

Maurício desapareceu.

Ninguém da imprensa tinha visto ele sair do hospital, então a suspeita é que ele ainda estivesse no prédio.

A polícia vasculhou o dia todo, mas não achou nada. Nisso, Silvio foi chamado para conversar com o delegado.

Após tentar ajudar o amigo, ele acabou contando tudo para seu superior.  Que levou a mão a testa e suspirou forte.
Recordou que Maurício investigava casos sobrenaturais na favela onde seu irmão desapareceu e provavelmente, estava sobre um trauma tão grande, que criou uma fantasia.

Um breve silêncio se fez e então Silvio abriu a boca.

— Se ele sumiu, ele deve ter aceitado o pacto.

— Não há pacto. Há um homem mal da cabeça. Precisamos achá-lo e tratar disso.

— Senhor, com todo o respeito. Eu acredito. Ele vai tentar voltar para o morro, temos que procurar lá.

O delegado da a ordem, mas precisava da ajuda do exército que já estava lá para executar a ação. Ainda era cedo e quanto mais tarde foi ficando, menos Silvio tinha coragem de entrar nas vielas.

Ao anoitecer, por coincidência ou não, Maurício apareceu ao lado dele, vestido com uma roupa escura e descalço. Ele levou um susto e pegou o amigo pelo pulso.

— Vamos embora daqui, cara! Você está maluco?

— Eu aceitei a missão. Nunca mais pessoas de bem vão morrer.

— Maurício, você não está bem da cabeça. Vamos embora! Por favor.

— Vá você, ou eu não poderei te defender da escuridão por muito tempo. Eles estão aqui.

A noite caiu rápido e um arrepio subiu a espinha de Silvio. Ele sabia estar sendo observado por muitos olhos, mesmo que não os visse.

— O que eu vou dizer na delegacia?

— Diga que eu estou com meu irmão agora. Faça com que arquivem o caso.

— Porra, Maurício. Caralho! — Silvio se irritou e desceu com pressa as escadas.

Maurício ficou olhando e entrou em um beco escuro. Uma das criaturas o abraçou e o levou dali.

Ele andava ao lado de corpos abertos, devorados por criaturas negras e selvagens. Eram todos homens procurados pela polícia ou mendigos. No fim do seu caminho, encontrou seu senhor, uma criatura diferente das demais. Mais magra e menor, porém muito mais avançada e inteligente.

— Não imaginei que fosse voltar. — A criatura disse num tom sereno.

— Nunca quebrei uma promessa. Sou teu servo, temos um acordo. — Maurício se prostou diante dela.

— Coexistiremos, perante suas leis. Me tire das sombras e eu lhe darei meu poder. Me alegrarei hoje! Um bom filho a casa torna!

— Que seja... Eu quase me esqueci de quem eu era... Do que tinha que fazer...

Todas as criaturas começam a entrar no corpo dele, o fazendo agonizar de dor. Então andou até uma parede rachada, de onde as criaturas tentavam quebrar.

Eles estavam em uma prisão, criada há muitos milênios, que com a ação do tempo foi se transformando em uma enorme montanha. Eles conseguiram rachar uma parede, raspando a pedra com suas unhas.

Maurício observou e vendo a fragilidade da pedra, que já havia sido muito escavada, deu um soco com muita força, quebrando sua mão e derrubando até a parede de tijolos diante dela.

Sua mão foi restaurada de forma evidente e ele saiu já na luz de um sol das dez horas da manhã.

Ele levou a mão aos olhos. A luz doía, mas uma festa dentro de si acontecia. O policial era o transporte das criaturas para qualquer lugar.

As entidades estavam livres dos becos da favela, estavam livres de uma prisão milenar e comemoravam isso.

Maurício subiu até o mais alto da montanha, chegando lá ao meio-dia. Os demônios não entendiam o propósito dele, mas tentavam se esconder o mais dentro possível do seu corpo. O sol os machucava e os matava.

Silvio apareceu logo em seguida, com um fuzil.

— Porra Maurício, você está aqui mesmo.

— Está tudo certo? Faça.

— E quem me garante que essas coisas não vão entrar em mim?

— Elas não têm poder algum sob o sol. Faça.

— Cacete. Espero que você esteja certo.

Os demônios se agitam no corpo de Maurício e tentam tomar o controle, entendendo os planos ali sendo executados, mas não deu tempo de investir contra Silvio.

 "Meu filho, traíste tua família? Nega tua natureza pela carne que um dia consumiu?"

"Não faça isso irmão! Não faça isso! Nos salve! Nos salve!"

Vozes falavam na cabeça de Maurício.

"Fiz o melhor para os humanos. Fiz o melhor para pessoas de bem. Não devemos existir mais... Nunca mais..."

Maurício foi atingido e perfurado por pelo menos oito tiros, sangrando e morrendo ali. O sol estava rachando a cabeça de Silvio, mesmo com o boné. Alguns bandidos apareceram logo atrás, já cientes de tudo. Eles seriam testemunhas.

Um deles jogou gasolina no corpo e outro colocou fogo. Era possível ouvir muitos gritos vindos dali. Alguns deles começaram a rezar, outros correram. Aquilo era a porta do inferno para eles.

Quando já não havia sons pertubadores, nem corpo a ser queimado, Silvio foi escoltado até o início da favela e advertido nunca mais voltar.

Ele andava para o seu carro pensando no pedido que o amigo havia lhe feito no hospital e nunca imaginou ter coragem de levar essa história adiante.

Entrou no carro e deu partida, entrou na avenida e foi embora. De noite dormiu como se não tivesse acontecido nada. Estava tranquilo, até demais.

No outro dia foi trabalhar. Haviam tantos relatórios para escrever. Uma colega se aproximou e o analisando perguntou.

— Tatuagem nova? Essa eu não tinha notado ainda.

Ele estranhou, riu e acenou positivamente. A colega foi embora e ele se levantou para ir ao banheiro.

Se olhou no espelho e viu uma marca negra no pescoço. Encarou a si mesmo, sem medo ou pavor.

Fechou os olhos e se afastou do espelho.

Vozes riam dentro daquele corpo.

Silvio não existia mais.

Apenas mais um beco na favelaOnde histórias criam vida. Descubra agora