Capítulo 3: Quem não é visto não é lembrado

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Seu Sergio veio do Pará para o Rio de janeiro em busca de uma vida melhor. Seus pais eram pessoas rígidas nos estudos. Não era porque eram pobres que deveriam ser ignorantes.

Sérgio era o melhor da turma. Inclusive foi um dos primeiros homens negros que conseguiu uma bolsa integral na universidade em seu estado. Ele era um exemplo para todos da sua pequena comunidade e para seus pais.

Aos vinte anos veio para o Rio trabalhar em uma multinacional, transferido. Os sonhos estavam se realizando. As coisas estavam acontecendo.

Aos vinte e três perdeu o pai. Sentiu um baque enorme. Quatro anos depois, a mãe.

Sozinho no mundo, acreditou que não havia mais motivos para voltar. Vendeu a casa que havia dado aos seus pais e cortou qualquer laço que tinha com seu estado natal. Namorou algumas moças, mas ainda buscava a certa para casar e formar família.

Ele cresceu tanto no trabalho que aos trinta e um anos já era gerente sênior de finanças internacionais. Seu salário era tão alto quanto o andar onde ficava seu escritório.

Passou a esbanjar. Ia em restaurantes caros, comprava carros, relógios, ternos sob medida. Um bom partido como ele passou a ser notado na elite da sociedade e logo começaram a aparecer mulheres querendo se envolver.

O ego começou a transformar o jovem humilde do interior. Ele era muito bom com números, com pessoas, com negócios. Aos trinta e cinco anos ofereceram a ele o cargo de vice presidente, logo após a aposentadoria do antigo. Ele aceitou com prontidão.

O que ninguém podia imaginar, é que o CEO iria sofrer um acidente e morrer junto a sua esposa. Então até que os irmãos dele assumissem a empresa, Sérgio teria que treiná-los.

Acontece que estes não gostavam de trabalho. Sempre foram bancados pelos pais e números não eram nada excitante. Então tramaram de vender a empresa.

Sérgio não se conformava com o fim do maior escritório imobiliário da época e propôs tomar conta de tudo para eles, mas foi rejeitado e demitido.

Com raiva, ele criou documentos públicos e com o seu poder dentro da empresa, doou setenta por cento de todo o capital disponível para diversas intuições de caridade.

Ele foi preso e poucos meses depois, os herdeiros conseguiram tudo de volta. Sérgio nunca mais conseguiu um emprego no ramo. Seu rosto estava nos jornais e na televisão.

Que vingança tosca.

Logo ele teve que aceitar empregos bem menores e se entregou ao alcoolismo. Antes dos quarenta foi despejado por falta de pagamento de aluguel e foi parar na rua.

Dormia em qualquer canto. Uma 51 e um cobertor eram as únicas coisas que ele mantinha. Estava indo para a casa de uma assistente social, que lhe prometeu dar algumas roupas novas. Quando cruzou com o beco escuro ao lado da lojinha de eletrônicos.

Uma voz o chamou. Parecia a voz da mãe dele.

Malditas alucinações!

Ele correu e ignorou.

Subiu escadas e encontrou onde a assistente morava. A mulher era boa e ele chegou na hora do jantar. Ela serviu um prato e lhe deu lugar a mesa. O marido prometeu tentar lhe arrumar um emprego e seus dois filhos questionavam e ouviam as histórias do sem teto.

Horas se passam muito rápido quando estamos distraídos. Já ia dar meia noite.

Sérgio se despediu, com uma mochila de roupas limpas, um colchonete enrolado e um vale para cortar o cabelo em um dos barbeiros que ficavam por ali.

Um tiroteio começou, ele se abaixou e tentou se esconder em algum lugar. Desceu correndo e entrou num beco escuro. Não no beco ao lado da loja de eletrônicos. Um beco três vielas acima.

O colchonete rolou para fora, até chegar ao poste de luz do outro lado da rua e ali se desenrolou.

Ele nunca apareceu para cortar o cabelo.

Na verdade, ele nunca mais apareceu.

Apenas mais um beco na favelaOnde histórias criam vida. Descubra agora