LÁGRIMAS NEGRAS

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Leona Bonemer

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Leona Bonemer.
1990.

  QUANDO CONTEI PARA MEUS PAIS O QUE pretendia fazer da vida ao retornar para o Brasil, eles riram. Ser jornalista era minimamente tolerável por termos William na família, ele era editor-chefe e apresentador de um jornal em horário nobre da Globo. Agora, jornalista esportiva? E pior, com a Fórmula 1? Só poderia ser piada, certo?

Na cabeça dos homens, mulheres são incapazes de dominar "assuntos de homem" como futebol e, no meu caso, Fórmula 1. Na época, a única maneira que as mulheres pisavam em paddocks era sendo Grid Girls, exibidas como troféus por pilotos enquanto vestiam biquínis minúsculos e salto alto. Era nojento. Como fã do esporte, queria muito mais do que aquele tipo de representatividade. Eu só não imaginava que anos depois tudo começaria por mim.

Meu primeiro emprego foi no Jornal do Brasil – um dos maiores no principal meio de informações que tínhamos. A sede da Coluna era um ambiente tóxico, dominado por homens que fediam a cigarro e suor. Eles tentaram me usar para servir cafézinho e buscar o almoço porém bati o pé. Meu trabalho não era aquele. José Meirelles, o presidente do Jornal, foi um dos muitos homens que havia feito negócios com Leon Bonemer em algum momento da carreira e não gostaria de arrumar problema com a filha do presidente do Banco do Brasil. Eu odiava, mas o que poderia fazer? A verdade é que nada disso teria começado se não houvesse os privilégios da influência dos Kurtz-Bonemer.

A minha sala era pequena, suja e desarrumada. Precisei de muito tempo até arrumar tudo e deixar do meu jeito. Diariamente, eles vinham com piadinhas imbecis a todo momento; me diziam que se eu era tão boa mesmo deveria saber o nome de quem fez o gol da vitória na Copa do Mundo de 1958, quais foram as primeiras palavras do Pelé e Mané Garrincha quando ainda eram bebês e recitar todos os regulamentos da Fórmula 1.

Eu não respondia as afrontas, caso contrário sabia que seria chamada de histérica e só receberia mais provocações ainda. Me concentrava somente em escrever o que tinha que escrever, revisava e aperfeiçoava o texto diversas vezes até estar impecável. Entregava o meu melhor, assim ninguém jamais poderia questionar minha capacidade.

Humildemente, posso dizer que eu era a melhor jornalista do departamento esportivo do Jornal do Brasil. Apesar de ser um fato inegável, é claro que os machos alfas desacreditavam de mim e meu nome no fim das matérias era minúsculo. Afinal, como uma mulher poderia saber tanto sobre Futebol e Fórmula 1? Eu acabava com o ego daqueles homens de diversas formas. O único elogio que recebi pelo ótimo trabalho foi ter meu nome aumentado pra três centímetros no fim das matérias que escrevia. E acredite, aquilo era muito.

Todos os dias na Coluna era um inferno particular, porém o pior episódio que aconteceu não foi nada diretamente relacionado à mim.

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