"Havemos de amanhecer!"
-Carlos Drummond
Os dois dias que seguiram foram de sofrimento antecipado. Embora eu me negasse a chorar a morte de Nessie enquanto ela respirasse, me pegava imaginando se Bella faria uma cena se pedisse dinheiro suficiente para uma passagem à Itália, mas talvez fosse melhor simplesmente pegar, Bella não estaria em condições para nada; a pontada que a ideia me causou fez minha voz tremer na leitura que fazia. Tomei fôlego por um segundo e continuei, sem prestar atenção nas palavras.
Sabia que havia aos montes em gavetas, eu mesmo já havia aberto algumas gavetas na cozinha e dado de cara com alguns montantes, devia haver mesmo com a casa estando tecnicamente desativada.
Dificilmente era roubo se Edward podia me ouvir planejando isso.
Sem me dar conta, havia parado de ler novamente. Sequei os olhos e olhei para a vidraça tentando situar o horário, talvez fosse quase hora do almoço, deduzi pelas sombras. Olhei para a capa do livro de poesias de Renesmee, Bella havia trazido alguns do chalé, tinha o cheiro dela, o cheiro de antes. Soltando o livro no colo, me inclinei e ajeitei o cobertor em volta dela, que estava deitada de lado. Rosalie e Bella estavam sempre tomando o cuidado de movê-la, para evitar lesões pela pressão do corpo na mesma posição por muito tempo.
Com cuidado para não tocar nenhum tubo, apoiei um braço na borda da cama e deitei a cabeça de frente para seu rosto, olhando e esperando não o esquecer nem na inconsciência. Coloquei uma mão sobre a sua, concentrando-me na fraca vibração de seu coração e evocando sua vida em minha memória, tantos momentos felizes e perfeitos. A risada infantil da criança que eu amei e cuidei e que já não existia para nenhum de nós dois. Corridas, conversas, jogos, silêncios confortáveis, coisas que não se extinguiriam para sempre num futuro, dois dias a menos agora, segundo Alice.
A casa estava estranhamente silenciosa, como se não houvesse ninguém mais lá, apenas nós dois. E apesar de ter minhas horas contadas, a partir do momento em que seu coração parasse definitivamente, uma parte de mim ainda procurava formas de fazê-la abrir os olhos, como alguém tentando enxergar no escuro, talvez essa parte fosse minha essência de lobo, a parte que pertencia a ela apenas, e essa parte não entregaria os pontos e não pararia de procurar uma maneira, mesmo que isso me fizesse sangrar... Enxuguei o rosto com o punho, surpreso que ainda houvesse lágrimas para chorar.
Daria minha vida, faria qualquer coisa e não seria um sacrifício, para que ela tivesse sua vida de volta. Imaginei seu riso e sua música enchendo a casa de vivacidade de novo e quase sorri fitando os cílios marrons escuros, parecendo quase negros em contraste com a pele pálida.
Minha vida seguiria nela, suspirei sonhadoramente, resignado e ainda desesperado por nosso futuro finito. Uma parte de mim se perguntava se não seria melhor sair e dar fim a isso antes de ter que vê-la partir, mas a maior parte não suportava a ideia de ficar longe, ainda que eu soubesse que seria muito pior depois.
Um carro saiu da rodovia e entrou na estrada em direção a casa, o silêncio o fez soar muito alto. Imaginei que fosse Charlie, apesar do horário, mas então uma mudança no motor durante e passagem de marcha me fez perceber que era o carro de Billy.
Bella entrou no quarto, trazendo a habitual bacia de água morna e toalhas, a chama de dor ardendo no negror dos olhos. Alice a acompanhava.
—Jacob—a voz urgente de Edward fez com que nós três nos entreolhássemos, antes que eu me obrigasse a levantar.
—Aconteceu alguma coisa? — observei como ele estava sério, meu coração acelerando ao perceber a energia violenta em seus olhos.
Céus, o que poderia ser agora?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Reveille
FanfictionUma pequena cidade chuvosa e acolhedora na Península Olympic- Washington, família, amigos, o conforto que o dinheiro pode comprar, beleza, a promessa subentendida de um amor a ser descoberto e vida eterna. O que mais alguém poderia desejar? Para Ren...