Capítulo 9

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"Pois a coragem cresce com a ocasião"

Willian Shakespeare

Sentei-me na beirada da cama e observei o caderno. Capa marrom de couro, fechadura dourada, muitas páginas. Pensei se seria certo ler aquelas linhas, segredos de uma vida que não me pertencia. Mas, de certa maneira, pertencia a Miguel também, e eu precisava decifrá-lo. Deixei meu corpo cair para trás e fitei o teto. Até mesmo ali havia um "quê" de luxo, pois era decorado, tão diferente do meu antigo lar. Abraçada ao caderno, deixei minha mente divagar... Que barulho foi aquele vindo de dentro das paredes?

Alguém bateu à porta. Num movimento rápido escondi o diário debaixo dos travesseiros e me ajeitei sobre a cama.

— Entre. — o coração levemente acelerado.

— Só queria ver se está bem, menina. — falou Nan, pondo a cabeça na fresta da porta.

Sorri, e ela pareceu constrangida por não ter me dito sobre as visitas no jantar. Provavelmente queria saber se eu não estava aborrecida. No fundo eu estava arrasada, mas ela não tinha culpa dos meus sentimentos, e o mínimo que eu podia fazer era tranquilizá-la.

— Estou bem, obrigada. — tentei parecer simpática e não demonstrar agitação. Ela, por sua vez, sorriu e saiu, fechando a porta em seguida.

Levantei depressa e tranquei a porta, não queria ser surpreendida com aquele diário nas mãos. Será que alguém daria falta dele? Deitei na cama, tirei-o de debaixo dos travesseiros e o observei longamente. Pensar que, antes de mim, Juliana segurara aquele caderno nas mãos, me fez me sentir ainda mais próxima dela. Eu precisava encontrar a chave, precisava ler aquele diário, pois uma intuição me dizia que ali eu poderia descobrir algo que seria importante para a compreensão dos fatos, algo que poderia acabar com os fantasmas que assolavam aquela casa e que poderia trazer paz ao meu coração.

Não sei dizer quando adormeci, mas acordei pela manhã do mesmo jeito que havia deitado. O vestido azul, o diário entre as mãos. Não me lembro de sonho algum, a sensação que tive foi de apenas ter piscado os olhos.

Levantei-me um pouco zonza e segurei a cabeça com as mãos. A noite anterior me deixara com uma lembrança de tristeza e outra de esperança. Não queria pensar nas palavras de Miguel, mas elas insistiam em vir à minha mente como torturadoras cruéis. O que poderia doer mais do que a pessoa que você ama se desculpar por tê-la feito ter outros sentimentos diferentes de amizade? Não conseguia lembrar-me de nada mais doloroso e humilhante.

Meus olhos se embaçaram pelas lágrimas novamente, mas o caderno sobre meu colo me levou das emoções à realidade. Sentia-me numa luta contra o tempo. Eu tinha chegado ali de forma inexplicável e, dentro de mim, havia sempre a incerteza de quanto tempo mais permaneceria. O momento seguinte era sempre duvidoso, e eu não podia deixar o tempo me enganar. Mesmo que eu voltasse para 2012, para meu mundo e minha família, jamais esqueceria Miguel, e eu não me perdoaria se não pudesse ao menos compreender melhor aquele homem. Mesmo que tudo se perdesse, eu ainda queria entendê-lo; disso dependia o sossego da minha alma.

Minha cabeça doía, resultado de tantas lágrimas, e me lembrei que em minha mochila havia remédio. Abri a porta do guarda roupas e retirei-a lá de dentro. Já fazia um tempo que eu não mexia nela, e antes de qualquer coisa, fitei-a longamente enquanto recordava as vezes em que a tinha usado, os locais, as situações, a última vez que a havia arrumado. Abri o bolso menor e coloquei a mão lá dentro procurando pelo remédio. Encontrei outra coisa; era um daqueles chaveirinhos 3x4, onde costumamos carregar aquela nossa foto de cara lambida, geralmente tirada para um documento de identidade. Mas naquele chaveiro eu não carregava uma foto minha, carregava a foto dos meus pais, um de cada lado. Os olhos azuis do meu pai, ternos, tranquilos... Os castanhos de minha mãe, tão vivos e cheios de energia. O coração apertou, estava precisando lhes abraçar, lhes pedir conselhos. Daria qualquer coisa para sentir o cheiro da minha mãe e ouvir o som da voz do meu pai novamente. Quantas saudades eu sentia!

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