capítulo 25 | isso está longe de começar.

554 84 83
                                    

Observo imóvel e calada o homem idoso.
Ele me encara com seus olhos pretos. Tão pretos, como a meia-noite. Quase não se vê a parte branca.
Ele sorri. Seus dentes amarelados e pontudos.

— Parece que foi ontem que deixou sua residência. — ele diz, com um sotaque antigo.

Rholan e Asren se entreolham.
Pego na mão de meu Rholan, o impedindo de agir.
Pois tem algo a respeito desse homem, que me diz que o melhor a se fazer, é ficar longe. Muito longe.
Ele fecha os olhos e cheira o ar. Farejando.
Ao abrir os olhos, eles estão repletos de…
Fome.

— Parece que me enganei a seu respeito, princesa. Você se tornou digna afinal.

Princesa. Não rainha.
Todos notam a troca de palavras.

— E pelo visto, fez uma bela demonstração. — ele olha para trás de nós.

Ele realmente sentiu tudo isso, apenas cheirando o ar?

— Isso ainda não terminou, então. — ele diz decidido. — Além disso, pelo jeito minha vez ainda não chegou. Até lá, não irei desperdiçar nosso tempo.

Nosso tempo.
Ele e quem mais?

— Vá, criança. — ele indica o corredor adiante.

Pisco confusa.
Ele está simplesmente nos deixando ir?

— Irá retornar mais cedo do que imagina. — ele sai da nossa frente. — Afinal, — ele semicerra os olhos, ainda famintos. — numa guerra, tudo pode acontecer.

Ouso dar um passo para frente.
Ele não faz nada. Apenas sorri.
Começo a caminhar, muito lentamente, ainda encarando o homem.
Acelero o passo, a quase uma corrida. Asren e Rholan cautelosos ao meu lado.
Quando ouso desviar o olhar para frente, ouço o homem dizer muito baixinho:

— Até breve, Ellian. Seu pai e eu estaremos esperando sua próxima jogada. — sua voz grossa e rouca me causa arrepios.

Ele segue na direção oposta.
Isso foi assustador.
Ou eu que devo estar muito propensa ao medo por recém tê-lo recuperado.

— Você ficou louca? — Asren fala alto o suficiente para apenas nós ouvirmos.

— Por quê? — pergunto confusa, voltando a correr.

Asren apenas solta uma risada debochada.
Ignoro ele, e continuo correndo.
Chegamos às portas da entrada.
Saímos pelo labirinto.
As ruas estão tumultuadas. Começo a ouvir o que cada uma das vozes dizem:

Você sentiu o tremor?

Será verdade que ela retornou?

As deusas ouviram nossas preces!

Instintivamente, recuo um passo.
Porra de medo do caralho.
Mas Rholan pega na minha mão.
Sinto um tipo de energia fluir dentro de mim diante de seu toque.
E como num passe de mágica, me sinto forte, confiante… e capaz.
Capaz de finalmente enfrentar o que eu venho evitando há tanto tempo.
Meu nome.
Meu trono.
Meu reino. Meu povo.
Olho para frente.
Meu destino.
Seguro mais forte na mão de Rholan, ele devolve o aperto.
Uma a uma as pessoas me vêem e começam a ficar silenciosas. Quando associam meu cabelo, eu estar saindo do castelo, vejo o espanto em seus olhos.
Mas em silêncio.
Todos nas ruas finalmente ficam quietos, me encarando.
Nenhuma palavra é dita. Apenas um silêncio carregado de esperança e expectativa.
Tenho impressão de que eles nem mesmo estão respirando.
Respiro fundo e com uma dose extra de coragem, ouso dar um passo para frente.
Não me atrevo a erguer o queixo.
Não com meu povo.
Muito pelo contrário, permaneço com a cabeça um pouco baixa, como em um pequeno sinal de desculpas por ter esquecido deles.
Dou mais um passo para a multidão.
Sem nem hesitar, as pessoas abrem caminho, sem dizer uma palavra.
Apenas me encaram com lágrimas nos olhos e expressões chocadas.
Percebo que Asren e Rholan estão logo atrás de mim.
Porém os olhares estão apenas em mim.
Ouso dar algumas breves olhadas para os rostos sofridos que agora choram de alívio.
Cada olhada é como uma faca no meu coração.
Meu povo. Tão sofrido. Tão destruído. Tão frágil.
Quando estou rodeada de pessoas, paro de caminhar.
E olho ao redor.
As crianças esboçam um sorriso de pura felicidade. A mais genuína e verdadeira.
Limpo a garganta, nervosa.

Blindada (vol. 1) [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora