Colocando a armadura

938 85 10
                                    

Retorno para casa após um dia estressante, tentando inutilmente controlar meu mal humor tenho uma janta silenciosa, mas tranquila, com minhas filhas. Elas são as únicas que escapam do meu humor ácido, não ouso jamais descontar nelas a incompetência do mundo exterior, mas nem por isso consigo deixar de me sentir com raiva ao ponto de ter uma conversa formal - agradeço aos céus por elas, ainda tão jovens, entenderem que as vezes preciso de espaço e silêncio. Elas se retiram para seus quartos e vou ao meu escritório revisar o Livro.

Tenho consciência do quem sou e me conheço perfeitamente. Sei que certos sintomas em meu corpo são causados ​​por algo esta me incomodando, e o fato de não saber o que é exatamente que esta me causando dor de cabeça me deixa com ainda mais raiva. Vasculho minha mente em um estado frenético em busca de algo que pode ter sido ignorado e que causa tamanho desconforto, até que chego a uma lembrança que me invade por dentro como um oceano e compreendo que minha mente, para me proteger do meu próprio descontrole, reprimiu aquele sentimento causado pelos olhos de Andrea. É isso que minha mente sempre faz, reprime aquilo que sinto e não consigo controlar ou explicar. Mas a emoção do olhar de Andrea causou em mim reações fortes o suficiente para que meu corpo reagisse de forma negativa ao tentar reprimir aquilo. 

Não sei o motivo da minha atração repentina por uma mulher que nem conheço. Não sou uma mulher de me atrair somente por qualidades físicas, para mim uma pessoa deve ser mais do que um corpo bonito - deve ser inteligente, competente, esforçada, ser o melhor naquilo que faz e ter ambição. Então não faço ideia de como um simples olhar pode causar toda essa merda de pensamentos que tiram minha atenção do Livro. Será uma noite longa e não quero me deitar até ter a certeza que meu marido está em um sono profundo.

Quanto a Andrea, irei provar para mim mesma que a jovem é uma incompetente como todas as outras assistentes e logo ela também será demitida. E qualquer seja que seja esse desconforto que ela me causa irá embora com ela também.

      Uma noite mal dormida e uma dor de cabeça persistente não ajudaram a acordar com um humor dos melhores. Hoje é o primeiro dia de Andrea e ela já está atrasada, o que significa que a porcaria do meu café ainda não chegou. Pergunto dela para Emily e a ruiva empalidece ainda mais que o normal, segundos depois ouço Andrea dar desculpas para o seu atraso, e isso já me prova algo: incompetente que não assume suas próprias responsabilidades. 

A manhã passa como um borrão e estou analisando as propostas dos meus subordinados e preciso fazer algo que queria muito evitar: chamar Andrea. Ah, mas se essa morena que chega atrasada em seu primeiro dia acha que irá ter o prazer de ser chamada pelo próprio nome sendo um total desastre, ela terá uma grande decepção. Quer ser chamada pelo próprio nome, ser reconhecida? Faça por merecer, nova Emily.

-Emily.... Emily - quantas vezes terei que chamar essa garota?

Ela entra desesperada na minha sala e não sei o que é pior, seu sapato, sua saia ou esse suéter horrível. Para completar minha irá, a infeliz ainda ousa me corrigir! Ela acha mesmo que irei utilizar esse apelido ridículo "Andy" para me dirigir à ela? Dirijo a ela meu sorriso mais sarcástico e disparo minhas ordens. Tenho o prazer de chama-la novamente de Emily para que ela entenda que ela é insignificante e se coloque em seu lugar e vejo, com satisfação, que ela engole em seco... mas rapidamente meu deleite se esvai quando seus olhos refletem uma pontada de desespero. Os olhos de Andreia não a deixam esconder o que sente e saber que causei seu desconforto me incomoda. A encaro por um segundo e fixo meu olhar em seus sapatos que estão me dando nos nervos, ela entende a mensagem e após um "isso é tudo" ela se retira. Essa garota só pode estar de brincadeira. Quantas horas ela precisa para fazer uma ligação? Até que ouço a voz de Emily dizendo que Petrick já estava na linha. Nem para fazer uma ligação essa menina presta.

Mando-a fazer serviços na rua, quero ela e esses olhos gigantes fora do meu escritório. Ligo algumas vezes para ver se ela já cumpriu o que foi mandado mas a menina é uma lerda. Mas logo após o almoço tenho uma reunião e sei que ela estará lá.

Minha equipe me surpreende diariamente com a falta de criatividade e isso por si só já me irrita, mas a risada de Andrea no meio de uma situação tão séria me tira do controle. Qualquer ação dessa menina me tira do controle. Desastrada, incompetente, ineficiente e além de tudo possui algum desvio mental que a faz rir em situações sérias. Dessa vez vou delicadamente acabando com o motivo de sua risadinha, e não sinto pena ao ver todas as emoções conflitantes que refletem em seu olhar. Eu quero que ela sofra, quero que ela fica tão aterrorizada que peça demissão e não ouse mais voltar a este escritório! Eu poderia demiti-la sim, tenho argumentos o suficiente de seu total desastre como profissional, ela nem se quer se esforça, mas se eu fizer isso não será verdadeiramente por causa dela, mas sim por mim: ela me deixa desconfortável. 

Após meu massacre todos na sala olham com dó para a moça, mas espero que ela aprenda seu lugar dessa vez e após a reunião ela se retira envergonhada, tensa e até com um pouco de raiva. Sim, Andrea, eu te vejo, eu te enxergo, eu leio seus olhos e suas expressões fisicas. Você não vai durar muito tempo aqui, logo irá me odiar como tantas outras pessoas me odeiam, irá entrar em colapso pela pressão e irá se demitir. Vá com Deus.

.

.

Isso é tudo.



Os olhos da guerraOnde histórias criam vida. Descubra agora