Colunista

1.1K 109 67
                                    

Andrea

Abri os olhos devagar com a claridade e Miranda não estava. Em cima de seu travesseiro se encontrava um envelope em meu nome. Com receio do que seria, apreensiva já que Miranda não costuma escrever nada para ninguém, ainda mais para uma funcionária. Abri o envelope devagar, seus traços eram finos e a letra era bonita. A carta tinha seu perfume. Aspirei antes de ler e memórias da noite anterior me vieram a cabeça. Ela me inebriava.

Desci meu olhos pela carta e comecei a ler.

¨Minha querida Andrea,

Assim que entrou em minha sala eu soube de sua competência e que a Runway lucraria muito com sua contratação. Ao longo do tempo fui notando sua melhora significativa, o aprendizado fazendo a diferença em como se portava e em como se vestia. A primeira vez que lhe vi trajando botas Chanel eu vi ali mais que a profissional, vi ali a mulher linda e sexy que você é. Eu não esperava o rumo que a sua admissão na revista teria. Ao passar dos dias eu a notava cada vez mais e me peguei pensando mais do que deveria em você. No silencio de minha alma eu te admirava. Contanto, a vida nos trouxe até aqui, as paralelas se juntaram em uma noite significativa e neste ponto preciso definir os caminhos que trilharei. Hoje houve um ponto de coesão, entre o que eu queria e o que realmente será, e que de uma forma diferente foi escrito pelos objetivos e desejos, ou destino.

A segunda carta é uma recomendação para que você entregue em qualquer lugar que deseje, quem te contratar saberá a excelente profissional que você se tornou, pois alguém que conquista a admiração de Miranda Priestly tem total aceitação no mercado de trabalho mundial.

Minha querida, prevejo que seu futuro será muito promissor e é o desejo de meu coração que alcance todos os patamares do sucesso. Mas para isso deverá escolher entre o galgar facilmente os degraus, se aproveitando dessa oportunidade ou lutar bravamente ao meu lado para isso. Terá seu tempo para decisão e espero sua resposta dentro do prazo de sete dias.

Poderá retornar hoje e imediatamente a NY, para entregar os papéis a advogada, já que o rio se encontra em seu nível normal e não terá problemas em sua volta.

Isto é tudo.

Miranda Priestly¨

Eu fiquei possessa e no auge da minha frustração enquanto lia a carta deixada por ela.

As lágrimas correram soltas pelo meu rosto, deixando marcas doídas em meu coração. As mãos tremiam de nervoso, o coração estava acelerado pelos sentimentos que se misturavam e borbulhavam dentro de mim. Uma mistura de frustração, amor, perda, carinho, dor, vontade de cuidar e vontade de sumir.

Eu não era uma pessoa de desistir fácil do que eu queria, sempre lutei muito, lutei pra conseguir entrar em uma boa faculdade, lutei para permanecer nela, lutei pra chegar a NY, lutei pra me manter e lutava todos os dias pra não ser demitida por Miranda. Mas eu lutava com honra, agora isso o que ela me propôs era muito desonroso.

Ou, eu ficava na barra da saia dela pra sempre ou iria embora, essa era o que ela queria que eu fizesse. Nunca dependi de ninguém além dos meus pais e não seria agora que eu faria isso.

Miranda estava muito enganada esperando que eu ficasse a vida toda dependente dela. Nem meu ex, Nathaniel, conseguiu me prender dessa forma e olha que namoramos por muitos anos. Eu amo essa mulher com todas as minhas forças, mas ela terá que aprender que eu não sou submissa pra me tratar assim.

Peguei minhas roupas que foram deixadas em uma cadeira próxima, nem sei como foram parar ali, mas não me importava neste momento. Depois de me vestir, cheguei ao banheiro e me olhei no espelho. Os olhos vermelhos, a boca inchada pelo choro e ainda sim eu estava bonita. Levei minhas mãos até a torneira e apanhei água para lavar os resquícios de lágrimas e dor.

Com passos apressados e decididos, sai do quarto e percorri a casa até atravessar a soleira da porta da frente. Não olhei para trás, mas eu sabia que ela me observava, sempre tive esse dom de saber quando Miranda estava prestando atenção ao que eu fazia.

Entrei no carro que estava estacionado voltado para a entrada, também não soube precisar quando ele foi parar ali. Liguei e acelerei saindo de sua vista e sem olhar para trás.

Chegando a NY fui direto para casa trocar de roupa e depois levar os papeis para a advogada. Eu ainda tinha sete dias para responder a Miranda e ela teria sua resposta de uma forma inusitada.

Naquele mesmo dia mandei meu currículo e a carta de recomendação de Miranda para todos os jornais da cidade. Agora só aguardar ser chamada para as entrevistas. E no fim da tarde já tinha duas entrevistas agendadas para o dia seguinte.

Logo cedo, depois de ser imediatamente contratada pelo The Mirror, passei no RH da Runway e entreguei minha carta de demissão. Pedi sigilo pelos próximos dois dias, o que me atenderam prontamente. Pronto, a primeira parte do plano estava acontecendo da forma que desejei.

*********************************************************************

No The Mirror eu teria uma coluna só minha, onde poderia escrever sobre o que quisesse. E essa coluna seria decisiva para dar meus palpites sobre vários assuntos, inclusive moda e também provocar e quem sabe reconquistar Miranda.

Era minha intenção reconquistar essa editora e rainha do gelo. Uma pedra bem dura de iceberg, cheia de rancor e eu iria lutar por ela. Mas sem precisar me submeter as suas desatinadas vontades e mantendo meu emocional intacto.

Alguns dias depois, Miranda já deveria ter sido informada do meu desligamento e estaria pensando o pior de mim. A minha sorte foi não ter sido incluída em sua lista negra, mas ainda assim eu deveria ter caído muito no conceito dela.

Peguei meu notebook e comecei a redigir o que seria minha primeira publicação. E conforme escrevia eu sabia que tinha feito o certo. Conquistar Miranda e fazê-la entender que eu queria estar com ela como sua mulher, como amiga, como sua amante e não como seu joguete.

Os meus sentimentos era intensos, profundos e minha intenção não era de ficar afastada dela. Mas ela precisava me respeitar e me enxergar como igual. Na minha primeira publicação eu iria provocar a rainha da moda, a intenção era fazê-la espumar de raiva.

The Mirror

Colunista Andrea Sachs

.............................

Amor líquido

"Relacionar-se é caminhar na neblina sem a certeza de nada", escreveu Zygmunt Bauman, em "Amor Líquido", um livro em que alerta para a crescente fragilização das relações sociais e afetivas no mundo moderno.

As relações sejam de amizade, amor ou profissionais, foram banalizados de certa forma com a entrada da internet e de aplicativos de encontros. O amor jogado a escanteio ou apagado do coração por algum motivo simplório demais. Tempos de amores líquidos são tempos onde nada dura para sempre, tudo é muito inconstante e muda rapidamente. O que se conquista aqui, não se mantém ali.

Bauman defende a tese da sociedade líquida. Líquida no sentido de que as relações, com o passar do tempo, estão ficando cada vez mais superficiais e o contato entre os indivíduos é cada vez menor. Uma de suas mais famosas frases é que "as relações escorrem entre os dedos".

Por isso temos tantos divórcios, tantos corações frios, tantos desejos de que o outro cumpra nossas vontades, e quando não cumprem são descartáveis. É tão difícil entender que um amor pode ser recíproco sem as partes se anularem? A autoestima estando em um nível tão baixo, fazendo com que os relacionamentos se resumam a imaturidade, a falta de jogo de cintura para lidar com o outro e o descarte seria muito melhor aproveitado. Ou não.

Agora que já te apresentei o conceito de amor líquido, lanço a você o desafio de

avaliar a qualidade de seus relacionamentos e com quem você se relaciona. Seu amor é sólido ou líquido?

............................................

Enviei a matéria para o jornal e amanhã seria publicada. Mas não seria a única matéria para alfinetar Miranda. Eu sabia que ela leria cada uma das que fossem publicadas e em cada uma delas ela teria um recado a esperando.

ParalelasOnde histórias criam vida. Descubra agora