Capítulo 4 - A Esperança Confusa

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          Esmeralda, por um breve momento, não sentiu o chão, e soube que foi nesse momento que transitou entre os dois planos.
          Ela olhou em volta sentindo um leve enjoo no estômago (provavelmente por conta da viagem meio estranha que acabara de acontecer) e observou como o lugar parecia tranquilo. Era uma cidade como a dela, a exceção de que lá as pessoas pareciam encontrar a paz em meio ao caos.
          Elas apareceram na calçada de um parque entre a rua e a grama baixinha e muito verde. Do seu lado esquerdo, Esmeralda pode ver bancos de praça, caminhos de cascalho, flores esparsas, algumas árvores frondosas e, bem no meio, um lago provavelmente artificial com uma pequena ponte em arco que o atravessava (o lago em si também não era muito grande). Ela percebeu ainda algumas movimentações na superfície da água, ondinhas, e presumiu que o lago servisse de lar para alguns peixes também. Alguns pássaros voavam acima de suas cabeças e pousavam ou alçavam vôo da copa das árvores e pela grama alguns cachorros de coleira (mas sem guia) corriam e brincavam.
          Do lado direito estava a cidade. Parecia uma metrópole com seus prédios altos e cinzas, mas todos limpos e bem cuidados. A arquitetura era moderna e os prédios, envidraçados. Na frente de cada um havia sempre um pequeno jardim: às vezes com estátuas, às vezes com fontes, às vezes só com os nomes dos prédios, mas todos com flores e grama bem cuidados. As calçadas eram bem estruturadas. O céu estava limpo, mas não era do azul do céu do plano terrestre, era mais parecido com um azul mediterrâneo do que com um azul celeste. Esmeralda não viu nenhum astro, mas pela luminosidade teve a sensação de ser de tarde.
Percebeu que a praça parecia o início e que a partir dela a cidade se estendia para o além. Percebeu também que passavam poucos carros; que não haviam faixas de pedestre e nem sinaleiras, mas que mesmo assim o trânsito ainda não era caótico; que a cidade estava cheia, assim como a praça, mas não o suficiente para que as pessoas se esbarrassem. Existiam sons de pássaros, de vozes, de risadas, dos poucos carros que passavam, e todos se misturavam. Pareceu uma cidade muito viva.
          — Nós chamamos aqui de Aurora. Aurora Celestial é o nome da nossa cidade, mas "Aurora" pros mais íntimos. — Comentou Sofia, finalizando com uma piscadela para Esmeralda. — Você nasceu aqui, mas foi para o Plano Terrestre por escolha própria.
          — E por que eu fiz isso? Aqui tudo parece... Lindo.
          — É uma longa história... Mas tem a ver com a guerra que estamos travando. Vamos dar uma volta. Eu te mostro a cidade e te conto tudo o que sei.
          Sofia começou a andar em passos pachorrentos e Esmeralda, ao perceber que a mulher se movia, se apressou a segui-la. A cidade parecia magnífica, mas podia ficar em segundo plano.
          — Me conte a minha história. — Pediu o mais gentilmente que pode, tentando não parecer desesperada pra saber, e nem crédula demais (porque aquilo tudo não podia ser real!).
          — Eu não sei muito sobre você. Eu não lhe conheci antes de você descer à Terra. Mas sei que você é uma iluminada. E uma muito forte. Você tem poderes de cura e proteção.
Esmeralda ergueu as sobrancelhas ao ouvir sobre poderes. Começou a olhar para a rua e para os prédios por que passavam antes de fazer a próxima pergunta. Não queria que a sua ânsia por querer saber tudo fosse muito descarada.
          — E o que é um iluminado?
          — É um ser de luz. — Respondeu Sofia prontamente. — Na guerra, os protetores, como eu — e aí ela botou as mãos no próprio peito para se indicar —, ficam na linha de frente da batalha. Protetores são guerreiros que usam espadas, ou qualquer arma que quiserem, e escudos. Depois, vêm os lanceiros. Eles têm uma função muito difícil porque não podem desperdiçar lanças, então não podem errar na pontaria. E aí os iluminados, como você, ficam sobre uma plataforma de luz, que ilumina todo o nosso caminho pra que possamos lutar. É por isso que, em uma batalha, nos esforçamos enormemente pra manter vocês vivos.
          — Mas, se eu só sirvo pra iluminar o caminho, pra que ter poderes? — Esmeralda deixou escapar em um claro tom de indignação e parou de caminhar, forçando Sofia a parar também.
          — Nós lutamos contra alguns seres alados. Vocês, iluminados, são os únicos que tem poderes porque precisam atacar de longe e são mais fortes que os lanceiros. No seu caso, você cura quem você quer e protege através de barreiras que ricocheteiam aqueles contra o qual nós lutamos e tudo o que pode vir deles. — Sofia virou-se na direção de Esmeralda e meneou a cabeça pedindo para que continuassem a andar.
          — Hm... — Esmeralda se mostrou pensativa e ignorou totalmente o gesto da outra. — Então o esquema tático de guerra de vocês é muito simples. Mas parece bem eficiente também... Quer dizer, com um pessoal bem distribuído, sem falhas, parece dar certo. Mas sem falhas qualquer coisa pode dar certo. Quais as falhas de vocês pra eu estar aqui?
          Sofia suspirou. Decididamente não se sentia envergonhada, mas muito menos orgulhosa, o que demonstrava que alguma coisa estava errada na teoria de Esmeralda.
          — Eu vou te chamar de Esme, ok? Esmeralda é muito lindo e combina demais com você, mas também é muito grande pra ser falado toda a hora. — Nem deu tempo de Esme responder a pergunta e já lançou a resposta: — Nós lutamos contra criaturas chamadas hellhounds. Elas são muito burras, mas o que elas têm de burra, têm de forte. Nós não somos tão fortes quanto eles, mas ganhamos na astúcia e na esperteza.
          Esme voltou a andar e, ao alcançar Sofia, esta também recomeçou as passadas.
          — E da onde vem tudo isso? Hellhounds, nós? Porque até ontem eu era meio cética, sabe? No máximo acreditava na energia porque é algo que a física está quase conseguindo explicar.
          — Tudo é energia, minha querida. Nós todos somos energia. As coisas são energia. Mas... Enfim. Nós somos crias dos anjos. Hellhounds são crias de demônios.
          Esmeralda se viu estupefata.
          — ESPERA AÍ! Você tá dizendo que eu sou filha de um anjo?
          Sofia mordiscou o lábio inferior. Parecia estar procurando as palavras certas.
          — Filha não. Você foi feita por um anjo, mas foi criada por um de nós. Você é filha de quem criou você. Os anjos só... entregam bebês aqui e voltam pro lugar deles. — Sofia voltou os olhos novamente para Esmeralda. — Eles não são tão magníficos assim como vocês falam na Terra, acredite em mim.
          Esmeralda ficou caladas alguns segundos. Caminhava colocando um pé a frente do outro, quase como uma brincadeira, e passou esses segundos olhando para onde pisava. Sem erguer o olhar, perguntou:
          — Como eu vou saber que você não está mentindo? Como eu vou ter certeza de que tudo isso é verdade? — Seu tom de voz exalava desconfiança.
          — Você está brincando comigo, né, garota? — Sofia estava absurdamente incrédula. — Eu te trouxe pra um plano diferente do seu! Um plano imaterial! Eu fiz um monólogo pra te contar sobre o meu povo e depois de tanta saliva gasta você ainda não acredita em mim? — Aumentara um pouco o tom de voz e teve a sutileza de falar de um modo a fazer Esme se sentir culpada pela própria desconfiança. Esme não respondeu ao passo que Sofia, voltando a falar em um tom mais comedido, explicou: — Esme, nós vamos pra casa agora. Eu entendo que você esteja se sentindo perdida e que tenha muitas dúvidas, mas eu tenho algumas coisas pra fazer e você parece ser preciosa demais pro meu chefe pra eu te deixar sozinha na rua. Se você precisar de mais provas, você vai tê-las quando voltar a treinar seus poderes.
          — Foi ele que te mandou atrás de mim? O seu chefe? — Esme perguntou timidamente. Apesar de Sofia ter falado num tom mais baixo e educado, ela não queria que a única pessoa que ela conhecesse naquele lugar estranho ficasse braba com ela.
          Sofia balançou a cabeça positivamente em resposta e apressou o passo. As meninas seguiram quietas o resto do caminho: Esmeralda tentando assimilar tudo o que lhe fora dito e Sofia tentando entender a humanidade de Esme.

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