Capítulo 6 - A Guerreira Indômita

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          Yuri guiara Esmeralda até dois andares abaixo pela escada que ficava próxima ao elevador. Assim como o andar da sala dele, os outros também estavam abarrotados de pessoas, bem barulhentos e vivos. Mas, diferente de Sofia, Yuri não cumprimentava ninguém; aliás, por onde ele passava as pessoas ficavam menos brincalhonas, aparentavam mais temerosas sob olhos atentos e... Bom, menos barulhentas também.
         Mas o andar onde pararam não tinha ninguém. Aliás, nem mesmo a disposição das paredes era sequer parecida com os outros. Eles seguiram brevemente por um corredor branco e vazio, cheio de portas e que remetia muito as enfermarias dos hospitais. Logo Yuri baixou a mão e girou a maçaneta de uma das portas mais próximas. Entraram numa sala tão mais branca que ofuscava os olhos da garota. Bem no centro da sala, jazia uma cama parecida com as usadas por dentistas, uma luz forte direcionada em cima e com amarras nos braços. Parecia com uma câmara de tortura leve. Esmeralda estremeceu ao pensar na ideia.
         Assim que entraram, uma moça surgiu da porta na parede oposta a deles e os recebeu. Ela usava um vestido de alcinha florido lindo e solto, os cabelos castanhos e de cachos bem definidos também soltos, e transbordava uma beleza incrível através de seu sorriso e de seus olhos, que acompanhavam as curvas dos lábios e formavam ruguinhas de expressão encantadoras nos cantos. Era estranho associar a imagem daquela moça a daquela sala, era quase como se fossem imagens opostas e, quando a dela se sobrepôs a da sala, anulou-a e levou embora a apreensão de Esmeralda.
          — Sabrina, nós precisamos da sua ajuda. — anunciou Yuri.
          A moça, de pele também negra, porém alguns tons mais clara que a dele, olhou para quem vinha atrás do homem e reconheceu aqueles cabelos verdes de imediato.
          — Esmeralda! — exclamou. Antes de mais nada, a mulher se aproximou a passos apressados abrindo os braços e envolvendo a menina num abraço.
          Yuri viu aquela reação e deixou escapar uma risadinha ao ver a cara de estranhamento de Esmeralda que tanto não soube como reagir que ficou estática.
          — Nós temos um problema, Sabrina. — continuou ele, voltando ao tom sério. — Esmeralda não se lembra de nada.
          Sabrina soltou a menina e pareceu que só então notou a reação - ou falta dela - da garota ao seu abraço, e transmitiu um pouco de preocupação no olhar.
          — Ohh...
          — Acredito que você possa ajudá-la com isso. Ao escolher voltar para a Terra, os Obliviadores devem ter guardado suas memórias em algum lugar do seu inconsciente.
          — Sim, com um pouco de persistência acredito que possa atingir as camadas mais profundas da sua consciência. — Sabrina falava enquanto analisava Esmeralda, que lançava o olhar de um para o outro muito quieta, concentrada em tentar entender o que eles falavam. — Deixe ela aqui comigo por alguns dias. Vou devolvê-la pra você quando estiver pronta.
          — Só não se esqueça: todo segundo é precioso.
          Yuri deixou-as sozinhas na sala.  
          Esmeralda não sabia o que fazer, não entendera nada, e Sabrina afundara em seus pensamentos por alguns segundos. Com o baque da porta se fechando quando o homem passou, Esmeralda desatou a falar:
          — Obliviadores? O que eu esqueci? O que fizeram com a minha mente? Aliás, o que VOCÊ vai fazer com a minha cabeça? Que porra tá acontecendo? Eu não sei nem quem é você e ninguém me explica nada direito. E essa cadeira que mais parece uma máquina de tortura feita por um dentista? Não é aqui que você vai fazer o que quer que você vá fazer comigo né? Quer dizer, você vai me hipnotizar ou algo parecido, você não vai atingir camadas físicas do meu cérebro né? Como voc--
          — Venha, vou lhe preparar um chá.
          Sabrina pegou Esmeralda pela mão e puxou-a para uma salinha muito parecida com uma cozinha pequena e bastante funcional para uma pessoa só, mas nada bonita, na porta por onde ela surgira quando eles entraram. Sua pia era de aço inox, assim como a bancada e o fogão. Os balcões eram de madeira branca e envelhecida pelo tempo, rangiam sempre que as portas eram abertas. A geladeira era pequena, branca e de aspecto sujo, além de não fechar muito bem por causa da borracha gasta. O teto era branco, de gesso, sem acabamento e tanto as paredes quanto o chão eram de pequenas lajotas brancas com rejunte escurecido.
          Esme foi sentada em um dos dois banquinhos próximos a pequena mesa de café e esperou enquanto Sabrina preparava algo que mais parecia uma poção de tantos ingredientes que iam. No meio da sua insegurança e ansiedade, se perguntou se aquilo ficaria com um gosto muito intragável; se ela, talvez, viesse a se tornar a primeira pessoa no mundo a morrer de chá ruim. Depois de alguns minutos, Sabrina virou-se de frente para ela e colocou a mistura fumegante servida numa xícara amarelada sobre a mesa, diante da menina. Coado, tinha uma aparência e um odor quase normais.
          — Esse é um chá pra abrir a mente. — explicou a mulher, puxando o outro banquinho e sentando-se a sua frente. — Ele é feito de ervas que eu mesma planto. Pode tomar.
          — Isso não quer dizer muito visto que eu não conheço você.
          Sabrina crispou os lábios e encolheu um pouco os ombros, mas não falou nada. Esmeralda pegou a xícara com cuidado, sentiu a pele instantaneamente esquentar e bebericou um pouco. Ao ver que a temperatura estava bebível e o gosto era adocicado, passou a tomar goles normais.
          — Sabe... Eu sou uma guerreira. Eu costumava treinar você e suas irmãs. Mas botânica é um hobby meu, e a consciência uma curiosidade forte o suficiente pra me levar a fazer cursos na área. — a mulher ia explicando calmamente enquanto a menina bebia. - Nós vamos passar por um processo muito complicado. Você é muito mais forte que eu e provavelmente vai resistir, então talvez eu tenha que enfraquecer você com o passar dos dias.
          Esmeralda parou de repente e encarou a mulher. Cansada de não ter suas perguntas respondidas, ainda assim resolveu tentar atiçar Sabrina mais um pouco:
          — Como você treinava alguém mais forte que você e quem disse que eu vou deixar você me enfraquecer?  
          Sabrina baixou os olhos como se fosse a pior coisa do mundo. Não se sentiu pessoalmente atacada, mas pra ela fazer mal a algum dos seus, por mais nobre que fosse a causa, passava por cima de todos os seus princípios.
          — Deixando de alimentar você. Nós precisamos de uma dose diária de energia e deixar de lhe dar essa dose vai enfraquecer você.
          Sabrina parecia apreensiva com a ideia e Esmeralda não parecia nem um pouco afim de colaborar, mas mesmo assim aceitou a resposta calada e voltou a tomar seu chá.
          — Talvez, quando as suas irmãs voltarem, elas tenham que passar pelo mesmo processo. Mas vai ser mais fácil pra elas porque elas vão ter você ao lado. — Sabrina falou um pouquinho receosa sobre a reação de Esmeralda, o que pode ser lido no sorriso meio sem graça que se seguiu a frase.
          A medida que os segundos passavam, o silêncio que se instalara entre ambas deixava Sabrina mais e mais ansiosa e Esmeralda, percebendo isso pelo tamborilar dos dedos da outra sobre a mesa e pela sua crescente inquietude, passou a tomar sua bebida cada vez mais vagarosamente. Quando decorridos bons minutos que para a mulher foram uma eternidade, Esmeralda pousou a xícara vazia delicadamente a frente desta, ao passo que a mesma instantaneamente se reergueu.
          Ela moveu-se a passos rápidos até a estranha cadeira na outra sala e Esmeralda seguiu-a na incrível velocidade de uma lesma. Então, cruzou os braços e as pernas e escorou o ombro esquerdo no batente.
          — Eu não vou sentar aí.
          Pelos olhos amendoados e cor de mel de Sabrina, ela pensou muita coisa em questão de segundos. Pelos lábios que mordiam-se freneticamente, ela não estava segura de nenhum desses pensamentos. Ou não chegara a conclusão alguma.
          — Esme... Eu não vou machucar você. E a cadeira também não.
          — Eu sei. Eu sou mais forte que você, lembra? Você mesma disse. — Esme desencostou da porta e começou a se aproximar provocativa.
          Sabrina deixou os braços penderem nas laterais do corpo e suspirou. Seus olhos brilharam languidos.
          — Esme, eu... Eu só preciso que você lembre. Vai ser bom pra você. Você vai ter todas as suas questões respondidas. — Aqueles cabelos esverdeados continuaram se aproximando até que ficassem cada uma de um lado da cadeira. Sabrina encarou os olhos também esverdeados da garota e sua voz saiu um pouco mais baixa, quase falhando. — Eu também preciso que você lembre da gente porque dói demais você não saber quem eu sou.
          Esmeralda precisou de alguns segundos. Que mundo louco era aquele! Com pessoas que colocavam o peso do mundo sobre seus ombros e não podiam lhe explicar como qualquer professor de 5ª série faz que porra estava acontecendo ali. Seus dedos brancos e compridos encostaram de leve no assento. Era fofinho.
          — O que vai acontecer agora? — Seu tom era impassível.
          — Você vai deitar aqui, eu vou colocar alguns eletrodos na sua cabeça para monitorar a sua atividade cerebral e o resto é comigo. Pra você, vai ser como se você estivesse dormindo.
          — Nesse caso, Sabrina, quando eu confiar em você a ponto de ficar sozinha aqui com você durante o meu momento de maior vulnerabilidade, eu volto aqui.
          Ela saiu a passos decididos, deixando a porta bater atrás de si e certa que que a partir de agora era ela quem tomaria as rédeas da situação.

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⏰ Última atualização: Dec 19, 2020 ⏰

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