Capítulo 5 - A Luz Tênue

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          Esme acordara no dia seguinte, após uma longa e bem dormida noite de sono, e apreciara a paisagem da janela do quarto de visitas, que era uma vista linda da cidade.
          Apesar de não ficar muito longe do centro, Sofia morava em um bairro residencial com inúmeras casas. Ela possuía um belo gramado com canteiros de flores coloridas nas laterais delimitando seu terreno e a casa tinha uma arquitetura moderna, urbana, e uma decoração minimalista. Para Esme não era muito acolhedor, mas para Sofia não fazia tanta diferente pois, segundo o que conversaram na noite anterior, ela não parava muito em casa. Mas pelo menos a casa dela ficava em um nível mais alto, o que resultava em uma boa vista.
          Ainda vestindo os pijamas que pegara emprestado, desceu as escadas e encontrou Sofia na cozinha meramente figurativa (pois ninguém naquele plano se alimentava de comida).
          — Bom dia. — Saudou-a enquanto caminhava em sua direção.
Sofia estava escorada sobre uma ilha de mármore acinzentada e tinha uma xícara de café em uma mão e um jornal na outra, que lia tão compenetrada que nem levantara os olhos ao responder a saudação da menina com outro "bom dia". Esme passou por ela e, apesar de não sentir sede, serviu café para si. Tomou-o enquanto Sofia terminava a sua leitura, observando-a.
          Passaram-se alguns bons minutos até que por fim Sofia endireitou a coluna, pondo-se ereta.
          — Bom, Esme, hoje nós temos bastante coisa para fazer. — Sofia comentou enquanto dobrava o jornal e jogava em cima da bancada. — Quando você terminar seu café, conhecerá o meu chefe.
          — Você disse que existe uma guerra acontecendo...
          — Sim, e você fará as perguntas para ele. — interrompeu a moça — Saímos assim que você estiver pronta.
          Esme baixou a cabeça e atravessou a cozinha para voltar ao quarto com o seu café. Sofia a observou até que a menina sumisse da sua vista, de cima a baixo, deixando escapar um leve sorriso ao perceber que seu trabalho estava sendo mais fácil do que imaginara.

***

          Eram 10h da manhã quando as meninas chegaram na frente de um daqueles prédios altos, envidraçados e bem modernos. A cidade era linda, mas a arquitetura, no geral, poderia usufruir de um pouco mais de cor. Passaram pelas portas giratórias pesadas de entrada e pela portaria, onde Sofia cumprimentou todos em um tom muito cordial e com um sorriso sincero nos lábios. Chegaram aos elevadores e a mulher apertou o botão para chamá-los. Esme a acompanhava de perto, sem falar muita coisa.
          Foi quando um menino louro de cabelos lisos pelo ombro e olhos bem azuis parou ao lado de Sofia. Ele era um pouco mais baixo que a mulher platinada, mas tinha o corpo bem definido, assim como o dela, Esme notou. E era dono de um sorriso ímpar. Parecia o tipo de pessoa que a gente vê sempre sorrindo não só com os lábios, mas com os olhos também.
          — Bom dia, Soph!
          — Oi, Luke! — Esme notou como Sofia respondia o menino com ainda mais simpatia do que usara para os demais.
          — Quem é a baixinha? — Quis saber o menino, se referindo a Esme. Luke podia ser mais baixo que Sofia, mas Esme conseguia a proeza de ser mais baixa do que todo mundo. A menina de cabelos verdes cerrou os olhos para o garoto e ela própria respondeu entre dentes:
          — Esmeralda.
          Ao som do nome da menina, Luke ficou instantaneamente sério. Esme olhou para o indicador dos andares dos elevadores, ignorando a tensão que a menção de seu próprio nome criara. Ainda faltavam de 5 a 6 andares para o mais próximo deles chegar.
          — Ela lembra de alguma coisa? — Esme sentiu um leve tom de preocupação na voz do menino, mesmo que ele tenha proferido as palavras em um tom mais baixo, para Sofia, ao que esta meneou a cabeça negativamente.
          O elevador chegou vazio e todos entraram, um de cada vez. Luke se posicionou próximo aos botões e Sofia ficou entre eles. Luke, escorado na parede, observava Esme enquanto o elevador subia. O silêncio estava estranho. Esme resolveu levantar o olhar do chão e encontrou aquele oceano incrível nos olhos de Luke. Ele sorriu brevemente. Ela sentiu as bochechas rosarem. Naquele olhar, Esmeralda sentiu um calorzinho no peito. Era como se ele tivesse abraçado sua alma.
          E então o andar dele chegou. Ele se despediu das meninas como se não tivesse sentido nada, nada tivesse acontecido, e Esme pensou que devia ter sido coisa da sua cabeça, mas percebeu que não quando olhou para Sofia e esta estava com os lábios crispados e os braços cruzados à frente do tórax.
          — O que foi? — perguntou Esme.
          — Nada. — E esticou o braço para apertar novamente o botão do andar delas, como se quisesse fazer o elevador andar mais rápido.
          Chegando no andar correto, dobraram a esquerda e percorreram um longo corredor cheio de salas envidraçadas até o seu final. Lá era tudo muito transparente. No caminho, Esme percebeu que o prédio em que estavam era cheio de gente e bem agitado, e Sofia ia cumprimentando algumas pessoas aleatórias.
          Diferentemente das outras, a sala a que chegaram no final do corredor não era envidraçada, e sim de parede de concreto. Sofia deu três batidas com os nós dos dedos na porta de madeira e esperou uma voz masculina bem grave responder lá de dentro que poderiam entrar. Sofia foi na frente.
          — Yuri, trouxe quem você pediu.
Esme seguiu a mulher e se posicionou não exatamente atrás dela, mas um pouco mais pro lado a fim de ver com quem ela falava. Encontrou um homem na beira de seus 50 anos sentado em uma cadeira de madeira e espaldar alto, atrás de uma mesa também de madeira e enorme, com pés bem trabalhados, cheia de papéis e livros em cima. Ele, inclusive, estava escrevendo ao ser interrompido. Os olhos de carvão do homem também analisavam Esme.
          — Ótimo... — ele comentou. Largou tudo o que tinha em mãos e se recostou na sua cadeira. — Pode deixar ela comigo e ir treinar.
          Esmeralda deu um passo para o lado, dando licença para Sofia.  Quando a moça passou, trocou com Esme um olhar que lhe dizia para ficar calma, tudo acabaria bem. E então fechou a porta atrás de si, deixando Esmeralda bem apreensiva.  Num gesto automático, ela tateou os bolsos a procura da sua carteira de cigarros, mesmo sabendo que não trouxera ela consigo para esse mundo.
          O homem fez um gesto com uma das mãos indicando que Esme poderia se sentar em uma das duas cadeiras disponíveis à frente de sua mesa e assim ela prontamente obedeceu. No geral, ela era uma menina muito calma, mas alguma coisa na postura daquele homem impunha não só respeito, mas medo também. Ela sentiu que não deveria testa-lo.
          — Eu imagino que você ainda tenha dúvidas sobre o que está acontecendo. — Ele comentou. Fez uma pausa, provavelmente esperando algum comentário da garota, mas ela apenas continuou olhando-o. — Você se lembra de alguma coisa?
          Ela fez um sinal negativo com a cabeça. Ele baixou os olhos para os papéis sobre sua mesa e coçou os cabelos negros, crespos, ralos. Sua pele cor de chocolate era linda, Esme não pode deixar de notar.
          — Acho que isso é algo que vamos ter que arrumar. — Ele veio com o corpo para a frente e apoiou os cotovelos na mesa, juntando as mãos. — Sabe, seres como você são muito valiosos. Mexer na sua memória é mexer na sua mente, e essa é uma das coisas mais complicadas de se fazer. Mas ainda é mais fácil e rápido do que lhe ensinar tudo de novo.
          Esme baixou os olhos para as mãos do homem.
          — Antes quero saber quem é você. — Era a primeira vez que a garota falava na presença dele, que era um pouco intimidadora pra ela, mas mesmo assim o fez com bastante veemência. Não lhe parecia justo que um desconhecido se aprofundasse daquela maneira no oceano de seus pensamentos. Eram coisas íntimas, profundas, sobre as quais às vezes ela evitava conversar até com ela mesma. Há de se ter cuidado para quem vai se entregar.
          — Meu nome é Yuri. Yuri significa Luz e como a Sofia provavelmente já lhe explicou, porque ela adora essas coisas, os nossos nomes aqui dizem muito sobre nós. Aqui, basta saber o nome de alguém para saber como essa pessoa de fato é. E eu sou seu pai. — os olhos da menina se arregalaram com a surpresa. — Você foi gerada por Amitiel e trazida para cá junto a outras 3 irmãs. Eu e a minha esposa, Camila, que morreu em batalha, adotamos vocês.
          Os olhos do homem cintilaram ao proferir o nome da mulher.
          — Sinto muito pela sua esposa — porque dizer "minha mãe" quando não tinha lembrança nenhuma da mulher seria muito estranho —, mas onde estão as minhas irmãs?
          — Cumprindo missões, assim como você. — fez uma pausa e levantou-se. — Agora, vou lhe levar para quem vai cuidar de você.

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