CAPÍTULO 01

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Elisa e Ellene, amizade que surgiu da necessidade e se fortaleceu com o passar do tempo.
Elisa trabalhava no buffet da senhora Ernest, bastante conhecido pelo rigor e pelo excelente trabalho em eventos famosos da cidade e região.
Ellene era garçonete numa lanchonete de pequeno porte, onde trabalhavam apenas o cozinheiro Ralph, a atendente Amy e o dono, senhor Josh, que ficava no caixa na maior parte do tempo.
Ellene (Elly) e Elisa (Lis) dividiam um pequeno apartamento com um quarto, um banheiro, uma sala e uma pequena cozinha. As duas pretendiam ingressar na faculdade comunitária local e a dois anos tinham uma luta de trabalhar pra se sustentar e estudar para prestar o vestibular semestral.
Sempre que precisavam revezavam para cobrir uma à outra nos trabalhos.
Para a Lis era uma luta aguentar o chefe da Elly, pois ele era rude e pão duro. Já para Elly era ótimo, já que o contato era curto e o valor era satisfatório.
E sua vida começara a mudar a partir de uma noite em que cobriria a amiga em um grande evento. Lis tinha um encontro com os pais e Elly se ofereceu para cobri-la já que também precisava do dinheiro.
- Então, vou ligar para a sra. Ernest e passar seus dados. Na quinta teremos uma reunião pra alinhar os detalhes finais, o evento será no sábado. Tem certeza que não vai te atrapalhar?
- Lis, eu tenho certeza. Aliás, eu também preciso da grana.
A amiga sorria aliviada por não ter que adiar novamente o encontro com os pais, a saudade já apertava a mais de cinco meses e adiar novamente seria cruel de sua parte.
Elly por sua vez, sorria satisfeita por ter conseguido esse “bico" pra mandar o dinheiro para os pais já que era impossível conseguir adiantamento com seu chefe avarento.
Seus pais viviam no interior com seus dois irmãos mais novos, as condições não eram privilegiadas, as vezes passavam aperto, mas nada que com união e força de vontade de todos não superassem. O grande sonho de Elly era se formar na faculdade de direito, se tornar uma grande advogada e tirar os pais da pobreza. Com a situação acabava que não se viam, se falavam por telefone quando os pais conseguiam tempo já que passavam grande parte do tempo trabalhando no campo. Ela ficara um ano sem  os ver pessoal e cerca de três meses sem falar pelo menos pelo telefone. Aquilo a consumia  por dentro, mas era um mal necessário, se convencia.


Na quinta-feira compareceu à reunião e prestou bastante atenção, aliás se tratava de um evento muito importante e de um dos melhores clientes do buffet.
Foi cansativa a reunião, ainda mais que mesmo sendo sua folga o seu chefe não parava de ligar e mandar mensagem pedindo que cancelasse sua folga pois a lanchonete estava movimentada aquela tarde.
Ela se programara de tirar sua folga, pendente a meses, para a reunião e sua folga semanal para o evento, aliás o chefe Josh vivia jogando na cara de que não pagaria a folga pendente e que ela poderia escolher um dia para folgar, mas esse dia nunca chegava. Então decidiu que, precisava levantar uma quantia para ajudar a mãe com uma medicação para o pai já velho e adoentado, e caso o chefe não pudesse adiantar parte de seu pagamento tiraria a folga para resolver isso. Não deu outra e ele recusou-se a adiantar qualquer valor, portanto ela que escolhesse a folga. E ela escolheu, mas a estratégia do chefe era de na mesma data cancelar e pedir que trabalhasse assim ele não pagaria a folga e adiaria o adiantamento até o dia do pagamento certo. Ela encorajou-se e tirou sua folga, afinal seus pais eram mais importantes.



Era sábado as 17 horas quando a Lis ajudava a Elly a arrumar o cabelo e falavam sobre eventos que já trabalharam:
- A sra. Ernest considera seu Buffet o maior de todos, mas a maioria dos empregados estão insatisfeitos por causa do tratamento dela.
- Na verdade, não tenho muito o que palpitar pois, meu contato com ela foi bem pouco.
- Terá sua chance de ser pisoteada por ela, todos têm.  - A amiga zombou.
- Tomara que não seja hoje, aliás estou tão emotiva nos últimos dias que desataria a chorar se alguém sorrisse pra mim na rua. – Elly brincou – Ando tão preocupada com o papai, mesmo adoentado insiste em trabalhar nas terras da senhora Abgail.
- Amiga, nunca iremos entender porque somos como eles, precisamos, e enquanto precisarmos colocaremos isso a frente de tudo. Infelizmente essa é a nossa realidade. Mas eu ainda sonho com o dia em que encontrarei um homem rico e disposto a bancar minha vida de madame.
As duas riram. Elly se levantou e terminando de arrumar sua pequena bolsa concluiu:
- Que esta seja uma ótima noite pra nós! Deixe-me ir, pois não quero que o grande dia de ser pisoteada chegue tão cedo. Tchau! – Deu um beijo na amiga despedindo-se e saiu.
Ela entrou na estação do metrô e ficou desconfortável quando dois homens a observavam e comentavam sua roupa justa e formal. Ela usava uma calça preta, uma blusa social branca com um lenço preto no pescoço. Seu cabelo estava tão esticado que brilhava longe. E a maquiagem leve, porém destacando seus grandes olhos castanhos claros e seus lábios rosados.
Agradeceu por chegar rápido ao seu destino e ficou admirada com o local do evento.
Era uma grande área verde na entrada, com local para os carros serem entregues aos manobristas e um lindo chafariz. O hall de entrada era gigante e haviam seguranças bem vestidos e sérios verificando os nomes dos funcionários que entravam por uma portinha em um canto da sala. E do outro lado, tinha uma enorme porta que dava para um grande salão de festas tão refinado e luxuoso, bem iluminado e ventilado, ornamentado com vasos de flores caras, cortinados impecáveis e lustres esplêndidos. Haviam mesas dispostas estrategicamente com alguns alimentos esteticamente preparados para enfeites. Havia um local para os convidados se sentarem, mas o espaço era tão grande que ainda que todos ficassem de pé ou sentados sobraria um enorme vácuo.
Elly demorou pra perceber que um segurança a aguardava até que outro funcionário bateu no seu ombro indicando pra seguir com a pequena fila que fizeram. Ela entregou seu documento e aguardou-o liberar.
Muitos foram os lembretes momentos antes de iniciarem os trabalhos.
Pouco antes das 20 horas começaram a chegar os convidados, todos bem vestidos, as mulheres de vestidos longos e formais, luxuosos e de grande destaque, enquanto os homens vestiam smoking preto. As joias que usavam demonstrava que a festa era exclusiva para mais alta sociedade. O perfume se destacava e ainda que se misturassem resultava numa fragrância de fino gosto.
Os garçons e garçonetes ficavam estrategicamente em postos e a cada intervalo passavam servindo os convidados, os garçons observavam os que esvaziavam suas taças para reabastecê-las rapidamente enquanto as garçonetes ficavam disponíveis para servir os canapés a cada 15 minutos.
Em um desses intervalos, a Elly passava com a bandeja de canapés entre os convidados quando foi abordada por uma moça que a cumprimentou demonstrando alegria em vê-la:
- Ellene? É você mesmo?
Ela não demorou a reconhecer, mas ficou sem graça já que uma das recomendações da sra. Ernest era não bater papo com convidados.
- Ah... Oi, Angeline! Aceita um canapé? – Ofereceu a bandeja.
- Você está trabalhando aqui? Eu não sabia...
- É... Pois é... - Forçou um sorriso e a outra percebendo que a deixara constrangida pegou um cartão em sua bolsa carteira e disse entregando-a:
- Me desculpe, não quero te atrapalhar... Tome meu cartão, me liga depois pra gente relembrar os velhos tempos, tudo bem?
Ela ajeitou a bandeja para pegar o cartão e tornou a sorrir, dessa vez torcendo para que a chefe não tenha percebido. Porém estava tarde demais, pois a chefe a observava de longe e fez sinal para irem até a cozinha pra onde ela seguiu desejando que algo ou alguém a segurasse até que aquela mulher se esquecesse o que ocorrera.
Na cozinha, ela entrou atrás da mulher que já iniciou o sermão de forma seca e grosseira:
- Você é demente ou finge? Qual a parte do “Eu não quero saber ou ver vocês batendo papo com os convidados. Estão aqui para servir e não se divertir!” você não entendeu?
- Me desculpe, eu...
- “Me desculpe...” -  Ele a imitou e prosseguiu com tom hostil – Você é idiota garota?
Todos os cozinheiros olharam e Elly sentiu seu coração disparar, estava tão constrangida e parecia que o sermão só estava começando. Mas um homem entrou interrompendo-a:
- Se eu fosse você deixaria isso pra depois, sra. Ernest! Preciso de uma garrafa de whisky na biblioteca, farei uma breve reunião com alguns clientes e amigos. Pode providenciar?
A sra. Ernest mudou seu tom imediatamente e se transformou em uma mulher solícita e cordial:
- Claro, sr. Octavius!
- Já te disse que podemos poupar formalidades! Peter, por favor! Estou aguardando. – Falou saindo da cozinha.
O homem era bonito, cheiroso, charmoso e atraente. Por um breve instante Elly saiu do momento de tortura, mas foi resgatada rapidamente:
- O que está esperando sua sonsa? – Elly despertou do transe e pegou a bandeja que a mulher arrumou em segundos com um balde pequeno de gelo, uma garrafa de whisky e copos de vidro em formato quadrado.
Ela seguiu para a biblioteca com cuidado. Bateu na porta antes de abrir, e entrou quando autorizada. Haviam homens bem arrumados, porém com fisionomias assustadoras, era como um grupo de mafiosos que definiam o destino de suas vítimas.
Enquanto ela servia gelo no segundo copo, o chefe da sala, dono do evento a interrompeu:
- O que está fazendo?
- É... Servindo seu whisky, senhor! – Ela parou e aguardou a retorno de sua resposta.
Ele apertou os olhos e questionou:
- E por acaso você é adivinha? Não perguntou se alguém quer gelo e já está servindo?
Ela observou os copos, não sabia o que dizer nem fazer.
- Saia! Deixe que nos servimos.
Ela assentiu com a cabeça e direcionou-se à saída, porém um homem entrou em sua frente barrando-a:
- Se bem que não seria má ideia a companhia dessa gracinha! Que tal me servir?
- Deixe-a sair, Andy! – O primeiro ordenou e o homem saiu de sua frente com um sorriso malicioso.
- Que pena! Adoraria que ela me servisse, ando tão solitário.
Ela sentiu seu corpo tremer por dentro e quase não conseguiu se mover. A voz firme ordenando que ela saísse ajudou-a tomar de novo o controle de seu corpo:
- Saia! – Aquela voz causava nela uma mix de sensações, mas a que mais se destacava era o medo.
Então saiu depressa. Ao fechar a porta escutou alguns risos e comentários, sentiu seu coração bater forte e o tremor de seu corpo exteriorizar. Respirou fundo e seguiu de volta à cozinha. A sra. Ernest não estava lá, o que lhe deu oportunidade de se recuperar.
- Está bem? Está pálida. Tome um copo de água e retorne antes que a sra. Ernest te veja assim. – Um colega cozinheiro a socorreu.
Ela bebeu a água e retornou as suas atividades ainda abalada com aquela sequência de ocorridos.
A noite passou devagar e a cada vez que olhava pra chefe percebia que ela a odiava cada segundo que passava ainda mais.
O evento durou muito tempo e Elly chegou tarde em casa. Mal conseguiu tirar seu sapato e se jogou na cama. A colega de quarto que dormia, acordou e perguntou esfregando os olhos:
- Noite difícil amiga?
- Nem me fale! – Ela falou esgotada.
- Imagino. Nesses eventos de clientes “VIP" a sra. Ernest fica com nervos a flor da pele.
- Eu achei que seria fuzilada hoje.
- Quer me contar como foi?
- Acho melhor tomar um banho e dormir. Quero esquecer essa noite, sonhar com algo bom. Se bem que acho que terei pesadelos com os olhares que ela me deu.
A amiga apenas acenou com a cabeça e abraçou seu travesseiro retomando seu sono. Ela levantou-se e com custo tomou seu banho e dormiu.

Amor que queimaOnde histórias criam vida. Descubra agora