A noite parecia passar como um bicho preguiça que atravessa a rua sem pressa ou preocupação alguma. Durante os minutos que aguardamos tanto as pizzas quanto o amigo de Rebeca, mantive-me em silêncio, sentado no sofá da sala entre Ana e minha prima. As duas estavam coladas em mim, o que me passava segurança de uma forma inexplicável.
Gostaria de ver Ariel naquele momento, não sabia de onde ela vinha nem para onde ia, mas sempre surgia quando estava mal, ferido por dentro, tranquilizando-me com suas palavras doces que baniam as vozes e medo mais que qualquer outra. Infelizmente, ela não estava lá e o melhor a se fazer era agradecer pelas pessoas a minha volta naquele apartamento.
Já haviam se passado mais de duas horas após o ocorrido e minha mente ainda estava numa linha tênue entre um viver de negação e uma estrada de medo constante da violência lá fora. Dois lados que sacudiriam logo para derrubar-me do muro da indecisão. Um caminho ou outro. Eram apenas essas trilhas em minha frente.
Qual tomar? Por onde pisar? Como decidir depois de tudo o que passei até agora?
Quando por um momento a culpa se acendeu, e pensei que todos os socos, pontapés e xingamentos eram minha culpa, pacote integral do preço por uma noite de bebidas e luxúria — mesmo que pouca — entre mim e outro homem, Ana apertou firme meu braço, banindo aquele pensamento.
— Está melhor?
Apenas sinalizei que sim, mentindo obviamente. Certamente ficar bem levaria dias, mas para toda aquela atenção não acabar me sufocando, tinha que parecer melhor a cada segundo.
— Deve ser a pizza — Apolo disse ao ouvirmos o tilintar da campainha.
— Ou meu amigo! — Rebeca exclamou, saltando do sofá e correndo até porta antes que tocassem a campainha de novo.
— Gente, esse é o Thomas. — Ele era um pouco mais alto que Rebeca e usava uma camisa do homem morcego mais famoso que já vi. — Thomi, esses são Apolo, Ana e meu primo Jonas.
— E aí galera, tudo bem? — O tom da voz pareceu acanhado, assim como o meio sorriso tímido.
— Fica à vontade, logo a pizza chega.
— Obrigado. — Ele se aproximou para sentar-se. Seus olhos eram apertados e negros, mas mesmo assim tão belos quanto um azul ou verde. Possuía traços faciais marcantes, acompanhados por uma barba negra bem aparada, que contracenavam com seus cabelos da mesma cor. Ele usava boné, por isso apenas o topete estava para fora.
— Queria falar com eles sobre o pequeno vale. — Minha prima retornou ao seu lugar, voltando a me espremer entre ela e Ana. As ondas negras de seu cabelo ficavam ainda mais brilhantes sob a luz florescente da sala.
— Pequeno vale? — indaguei, franzindo a testa.
— É um grupo que eu, Rebeca e um outro amigo criamos — disse ele levemente empolgado, não tão tímido quanto antes. Sabia que tinha percebido meus ferimentos faciais e esperava pela óbvia pergunta: "O que aconteceu?", mas nada me foi perguntado sobre isso. E agradeci em silêncio. — Damos apoio para pessoas não só do meio LGBT, mas qualquer uma que passe por alguma dificuldade derivada da intolerância.
— Fundamos já faz mais de dois anos, mas somos um grupo pequeno. — Rebeca roubou os olhares de todos. — Muitos reclamam das coisas que acontecem contra nós, seja violência, opressão de gênero e de classe ou falta de direitos igualitários, mas na verdade poucos se expõem para lutar e sujar as mãos. Amanhã tem nossa reunião e queria que você fosse. — Seus olhos coloridos me fitaram, mas permaneci em silêncio.
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O Peso de Amar. (COMPLETO)
RomansaOi mãe, então, essa é sua nora. Minha namorada. Isso é o que eu mais queria dizer para ela, uma mulher de meia idade, religiosa e absolutamente conservadora. Até seria algo fácil caso eu gostasse de garotas, é, sou o típico caso gay em famí...