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Não me deixaram ir com Min Li, levaram ela na minha frente, a garota que a pouco conversava comigo e em seguida foi atropelada por minha causa.

Só relaxei quando recebi uma notícia, naquele corredor absurdamente claro e inundado de insegurança, ouvir que o sangue não era da minha colega e sim de alguém que o motorista carregava no banco do passageiro foi, sem dúvida, o melhor aviso que recebi. Min Li estava no quarto se recuperando, seus ferimentos se baseavam em arranhões feios e um braço quebrado na queda, pelo visto o veículo não chegou a atingir seu corpo em cheio como pensei. De alguma forma ainda doía muito vê-la naquela situação, quando eu deveria estar ali.

- Sinto muito - sussurrei, mesmo que ela não pudesse ouvir.

A questão era: como Min Li sabia? Teria relação com o fato de ir comer? Ou ela apenas viu o que aconteceria e reagiu? Não, ela com certeza sabia, estava estranha muito antes.

Ouvi a respiração difícil e concluí que ela estava acordando, quero dizer, internamente, seu subconsciente, já que o corpo estava tão ferido que a garota não pôde ao menos se movimentar. Os olhos cansados e entreabertos entregavam que ela ainda estava muito exausta, suas mãos trêmulas apontavam dor, provavelmente seu corpo inteiro estava dolorido. Chamei o médico e me retirei da sala, tomar o caminho de casa parecia um pouco estranho, mas necessário.

(...)

Os dias passaram devagar, Min Li não saía do hospital nunca, então passei a fazer visitas frequentes. Quando ela foi liberada, por alguma razão, fui chamado para buscá-la.

- Por que eu? - perguntei, mas ela não reagiu tão bem, pelo menos não expressivamente.

- 'Tá achando ruim? Salve a minha vida então.

Ok, ela estava especialmente grossa naquela manhã. Grosseria essa que ia totalmente ao oposto da aparência, Min Li usava um vestido ciano soltinho, a forma como o tecido lhe caía levemente passava a sensação de que aquela garota jamais se jogaria na frente de um carro.

- Ainda dói muito?

Não recebi resposta, realmente ela esbanjava ignorância naquele momento. E foi assim por todo o caminho, eu fazendo perguntas e Min Li as ignorando totalmente.

Ao chegar na porta do apartamento, ela me entregou a bolsa e destrancou a porta, uma bola de pelo voou no colo de sua provável dona. Min Li explodiu em risadas, mas eu explodi em preocupação, já que aquela irresponsável acabou no chão.

- Meu bebê sentiu falta de mim, foi? - perguntou ela ao cachorro, lógico que retoricamente, cachorros não falam.

- Mamãe também morreu de saudade - abraçou o cachorro.

- Você parece bem viva 'pra mim.

A morena apenas revirou os olhos, e em segredo eu poderia facilmente admitir o quão linda ela ficava de cabelo solto.

O apartamento era aconchegante, sem vestígios de qualquer outra pessoa, o que me deixou em dúvida se Min Li tinha alguém para buscá-la no hospital hoje. Mas meus pensamentos rodearam outro assunto.

- Como soube que eu seria atropelado? - sem enrolação, questionei.

Ela se remexeu um pouco, deu uma rápida olhada nos cantos do cômodo, como se procurasse respostas.

- Vi o carro.

- Não viu.

- Vi sim! Fui rápida o suficiente.

- Eu sei que você não viu, Min Li. Preciso que seja sincera.

Os pequenos olhos foram se abaixando, tão brilhosos de talvez lágrimas, cheios de insegurança.

- Com quem você sonha? - Minha pergunta foi certeira, o olhar baixo da garota foi se erguendo, ela foi pega no flagra.

- Eu vejo gente morta.

Francamente, não era hora de brincar.

- Estou falando sério aqui!

- Eu também! Ok, ok, desculpa. Não é como se eu fosse um Cole Sear, mas posso ver como alguém vai morrer.

- Qualquer um?

- Das pessoas com quem já sonhei, duas morreram e até agora a terceira está viva - explicou calma e hesitante.

Era para fazer mais sentido depois da explicação, mas parece uma situação pior ainda.

- Essa terceira pessoa...

- É você.

Senti o ar faltando, meu sangue gelando, minha visão ficou um pouco turva, recostei no sofá sem esconder a tontura, era como morrer lentamente.

- Quantas vezes? - perguntei.

- Ahn?

- Quantas vezes eu já morri?

- No sonho? Umas doze vezes.

Doze vezes, eu deveria ter morrido doze vezes! Só podia ser um sinal, ninguém morre tanto assim. Min Li não queria responder mais pergunta alguma, aparentemente meu estado era preocupante. Mas quem se importa?

Decapitado, afogado, envenenado, suicídio, acidente de carro, queimado, já morri de tantas formas que me pergunto como ela aguentou ver tudo isso, sempre me salvando. Cara, eu devo tanto para ela. Como acabei assim?

- Antes que pense em destino e outras merdas parecidas, fique sabendo que não tem nada a ver. Não é por eu ter visto você morrer, que tem que morrer. Foi só...

- Uma intuição, você acha que eu vou morrer, mas nunca parou 'pra ver o que acontece. Certo?

- Isso.

Min Li segurou forte a barra do vestido, ela sabia que eu iria atrás de respostas, que tentaria de tudo. Por que nos meus sonhos nós vivemos tranquilamente? Como posso dormir sabendo que ela vai me ver morrer? Enquanto eu vejo duas pessoa felizes, ela vê cadáveres, então me senti obrigado a encontrar uma solução.

Quer dizer que eu sempre estive na corda bamba, ou na beira do precipício, Min Li me segurando por um fio invisível para que continuássemos aqui. Não posso salvar ela também?

- É perturbador, né?

Claro que sim, ela era tipo o Cole Sear.

- Na verdade, é um alívio quando consigo impedir. Difícil mesmo é entender, sabe, uma hora você vê a morte e então precisa encarar um dia normal como se estivesse tudo bem, e está mesmo tudo bem, só eu que tenho algo errado.

Lógico que ela se sente assim, é mais do que triste, me desperta uma empatia surreal. É comum sentir empatia em uma hora assim, certo?

- Por que nunca me deixou morrer?

- Porque eu te conheci. Você estava ali na minha frente, se dava bem com todo mundo e tinha uma energia tão boa, não consegui. É fácil se apegar quando se passa por isso, você vai criando um embolado estranho de carinho e proteção.

Um embolado de carinho e proteção? O que diabos é um embolado de carinho e proteção? Talvez a forma dela de dizer que sentiu empatia por mim?

- Tudo bem, acho que também sinto um embolado de carinho e proteção por você.

Os olhos da garota se iluminaram de novo, o rosto sutilmente alegre, era linda 'pra caramba, uma verdadeira beldade interior se exteriorizava quando ela sorria.

Equalize - Bang ChanOnde histórias criam vida. Descubra agora