briga

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"Michael, pode ir para casa. Os médicos já falaram que ele está fora de perigo. Jonathan já está voltando, realmente não tem necessidade de você ficar aqui também. Vai dormir um pouco, foi uma longa noite pra todos nós."

Olhei para Joyce e percebi que na verdade ela havia falado aquilo mais para o meu pai do que para mim, como uma espécie de súplica para que ele me levasse embora. Mas eu não ia sair. Eles poderiam até me expulsar, mas eu só sairia dali arrastado! Enquanto eu não visse o Will, eu não iria a lugar nenhum.

O meu pai, vendo que não teria como me convencer, perguntou se eu não gostaria de pelo menos comer alguma coisa, na própria cantina do hospital. Eu não estava com a menor fome, na verdade estava meio enjoado, mas topei, apenas porque eu sabia que ele devia estar faminto, já que também havia passado a noite ali.

Eu nunca na vida tinha ficado tão feliz por ter um pai médico. Com certeza, se ele não tivesse acompanhado a cirurgia, a espera seria muito pior. Mas saber que meu pai estaria lá dentro com os outros médicos me deixou um pouco mais tranquilo, pois eu tinha certeza de que ele cuidaria dele como se fosse de mim...

Quando liguei para minha casa às onze e meia da noite, ainda de dentro da ambulância, e contei que o Will tinha sofrido um acidente, ele não questionou nada, apenas perguntou para onde estavam o levando. Ele chegou ao local praticamente junto comigo, e só então perguntou o que tinha acontecido.

Eu nem sabia o que dizer. Foi tudo muito rápido. Em um minuto eu estava naquele palco, tocando com a banda. Eu havia ficado muito empolgado com os aplausos do pessoal do colégio, mas pouco depois Jane aprontou aquela cena toda e em seguida eu só vi o Will correndo pelo meio da multidão.

Pulei do palco no mesmo instante e fui atrás. Algumas pessoas queriam me cumprimentar pela música que toquei, outras ficaram me olhando com reprovação - provavelmente por eu ter recebido aquele beijo no palco, mesmo tendo um namorado que muita gente adorava -, mas eu não queria saber de ninguém naquele momento.

Vi quando ele saiu do ginásio e consegui alcançá-lo no pátio. E foi aí que o "show" realmente começou. Só pude agradecer por o som estar alto lá dentro e por a chuva ter voltado a cair, pois certamente toda aquela gritaria atrairia curiosos. Mas apenas alguns casais que estavam fugindo da multidão presenciaram a briga que se seguiu.

Eu o segurei pela cintura, para que parasse de correr, mas ele começou a se debater para que eu o soltasse. Falou que não queria me ver nunca mais, que agora é que ele tinha visto quem eu era de verdade, que eu havia o enganado por anos...

Até aquela hora eu pensava que aquilo tudo era por causa de Jane. Mas ele precisava saber também que eu não tinha culpa nenhuma, eu não imaginaria nunca que ela fosse me beijar! Eu nunca nem mesmo falei com Jane desde que terminamos, não fazia ideia de que ela participava da banda. E foi o que eu disse. Que, se não tivesse saído correndo, ele teria visto que eu me afastei no segundo seguinte e pulei do palco.

Então ele começou a esbravejar: "Eu vi que antes do beijo você estava se derretendo em sorrisos para ela! Aliás, desde antes do show! Mas isso foi só a gota d'água, Michael! Você estar sendo um péssimo namorado não é de hoje. Você acha que eu inventei essa história de Grêmio por achar legal? Por ser um hobby? Pois saiba que eu fiz isso pela escola, pelos nossos colegas! Eu nem mesmo gosto muito dessa coisa de liderança, você sabe que eu sou tímido e por mim teria ficado em casa vendo séries, desenhando, ficado com você! Mas uma hora a gente tem que enxergar o todo, e não só nosso próprio umbigo, e eu realmente pensei que você me apoiaria nessa fase."

"Ah, agora a culpa é minha?", interrompi. "Você me coloca em último lugar na lista de prioridades e eu é que sou o péssimo namorado?", pergunto com ironia.

"Não é isso, Michael! Você acha que está sendo fácil para mim? Não está! Eu mal consigo dormir de tanta tarefa que acumulei. Ah, e você acha que tudo são flores pra quem está na liderança? Posso te afirmar que não, sempre terá gente para te julgar, e qualquer errinho é motivo para te apredejarem. Sinceramente, eu enfrentaria tudo isso bem mais facilmente se você estivesse do meu lado."

"A questão, William, é que eu tentei enfrentar isso com você! Eu falei várias que te ajudaria por fora, mas você nem ouviu... Simplesmente se trancou nesse Grêmio, como se fosse um clube secreto, e me excluiu. E como sua vida se tornou isso, você me tirou dela! O que queria? Que eu ficasse esperando você se lembrar de mim? Claro que eu fui cuidar das minhas coisas! Não sou seu brinquedo, que você dá corda na hora que quer e deixa no armário quando cansa!"

Ele ficou só me olhando com uma expressão de raiva por um tempo e, então, virou as costas e recomeçou a andar. Eu peguei o pulso dele e fiz com que parasse.

"Eu ainda não terminei."

Ele puxou a braço com força e gritou: "Mas eu sim! O que você vai fazer? Vai me bater? E deixe-me adivinhar, depois vai por a culpa em mim também? Você está parecendo outra pessoa, Michael! Aquele menino sensível e cuidadoso que eu conhecia sumiu! E é uma pena... Porque era dele que eu gostava."

"Ah, foi ótimo você ter tocado no assunto mudança de personalidade... Ou você acha que se tornar frio e distante não me magoaria? Mas quer saber, William? Você não é único no mundo! Sabe por que eu estava sorrindo pra Jane mais cedo? Porque ela fez com que eu me sentisse bem, porque ela me elogiou, se mostrou atraída por mim, e é bom saber que alguém se sente assim e não me acha um cáctus gigante, como você parece pensar que eu sou! Pois, se quer ir embora, pode ir... Não vou mais ficar correndo atrás de você. Fique com seus amigos, com seus fãs, com o seu Grêmio... Eu vou procurar alguém que realmente se importe comigo, uma pessoa que queria que eu ande ao lado, e não à sombra dela!"

Ele trancou o maxilar, com lágrimas escorrendo pela bochecha, e, no mesmo instante, se virou e saiu correndo.

Eu fiquei parado, assistindo a ele passar pela porta da escola, sentindo muita raiva para me mover. Raiva dele. Raiva de mim. Raiva do mundo inteirio.

Eu ainda estava no mesmo lugar, digerindo os fatos e pensando se aquele teria sido mesmo o fim, quando ouvi gritos do lado de fora e vi várias pessoas correndo para a portaria. Fui depressa em direção ao tumulto que estava se formando, com um pressentimento muito ruim.

E no momento em que pisei fora da escola, fiquei paralisado. Porque, caído no meio da rua, com o cachecol todo ensanguentado e uma perna debaixo da roda de um carro, estava ele. E foi aí que vivenciei a pior dor que já senti. A possibilidade de perder alguém que é o sentido da minha vida.

E saber que a culpa era toda minha.

Drunk - BylerOnde histórias criam vida. Descubra agora