Com a cabeça doendo devido à queda de mal jeito, ele vai à geladeira e coloca um pouco de gelo na cabeça por uns momentos.
Tomou coragem, e voltou ao seu quarto e se pôs de frente ao espelho do mesmo armário olhando pro chão, e rindo de nervoso, de terrível medo de ver tal cena se repetir, mas também na esperança de estar tudo bem e aquilo ter sido apenas um fato isolado...talvez alguma substância que alguém possa ter colocado em sua bebida sem ele saber na noite anterior, quem sabe?
Cido vai subindo lentamente seu olhar desde os sapatos, passando pela calça, camisa, mas ele sente um premonitório arrepio quando sua visão periférica já lhe alertava que seus olhos ainda não pareciam estar abertos!
Ele foi inteligente e precavido,...talvez medroso...e parou de olhar no espelho naquele momento, enquanto o foco de seu olhar ainda estava no quarto botão da camisa, de baixo pra cima. O medo dessa situação horrorosa lhe deixou literalmente de cabelo em pé!
Cido saiu do apartamento imediatamente, e em pânico, como que sentindo que havia alguma coisa ruim lá.
Quando se tem a sensação de experimentar algum tipo de assombração ou experiência paranormal e se está só, por intuição o que as pessoas mais procuram é companhia.
Ele saiu, e nem trancou a porta...a deixou completamente aberta, sem nem ter tido tempo pra pensar nisso...
Foi direto ao elevador, que por sorte não tinha espelho, e saiu, na direção da padaria. Pediu um café com pão e manteiga pra acordar daquilo.
O balconista da padaria que lhe servira o café percebeu sua mão trêmula, mas apesar de já conhecer Cido pessoalmente, achou melhor não se meter e não perguntar nada, mas não resistiu à curiosidade de ter voltado a dar outra olhadela em suas mãos chamativas de tanto que tremiam.
Notando que estava sendo observado, Cido, envergonhado, tentava controlar um pouco seus movimentos.
— Vocês vendem cigarros, Junior? – perguntou ele pro balconista.
— Ué? E você fuma? - disse, com um sorriso.
— Não é pra mim.
Cido comprou então um maço e isqueiro e saiu caminhando, contornando sua quadra e fumando...na verdade,... tentando fumar em meio à algumas tosses de quem não é habituado. Seu medo passou um bocado e já começou a se sentir mais confiante...
“Droga! Não dá pra ir trabalhar desse jeito, que saco!” – Cido pega seu celular pra ligar pro trabalho.
Ninguém atendia ao telefone. Ele resolve mandar uma mensagem pra uma colega de idade que trabalha lá há anos, informando que teve um acidente em casa e precisa ir ao médico. Seu trabalho é no Instituto de Propriedade Intelectual, e sua função é de assistente de patentes. Uma função que pode facilmente ser acumulada por seus colegas.
Mas no que ele pega seu celular, pra sua infelicidade, ele vê levemente o reflexo de seu olho fechado na tela marrom de seu celular, e assustado, o deixa cair, sem nem ter tido tempo de escrever a tal mensagem.
— Cido? Você está bem? — diz Raquel que fazia cooper matinal na calçada, todos os dias no mesmo horário. Raquel morava há dois quarteirões de Cido
— Ah! Vamos ver com quem você anda trocando mensagens – acrescenta alegremente, e um pouco ofegante a bonita morena, que é na verdade três anos mais velha que ele, enquanto ela pega seu celular no chão, aproveitando o momento passivo de vertigem do jovem.
— Ei! Me dá isso, Raquel, para de ser curiosa, menina. – diz ele, ainda em meio às dores de cabeça pela queda e uma dose de vertigem tanto do choque, quanto da falta de hábito em fumar.
Cido teve então uma ótima ideia de aproveitar a presença de sua amiga pra tirar uma foto com ela pelo celular.
— Está percebendo alguma coisa estranha na foto, Kequel?
— Nada...por que? Você tá esquisito hoje, precisa de ajuda?
— Eu tô de olhos abertos ou fechados na foto?
— Ahn? Abertos, lógico.. por que a pergunta?
— Hehe...nada...é que nas ultimas fotos que fiz eu fechava os olhos sem querer. — responde ele, tentando aparentar normalidade.
Cido se despede dela, e depois olha pra foto no celular e vê seus olhos fechados, mas os de Raquel normalmente abertos. Ele jurou naquele momento nunca mais olhar pra foto nenhuma de si , tamanho o susto que levou.
“Não pode ser. Mas...que diabos é essa coisa?!” – reflete o jovem, chocado.
Ele foi ligeiro em procurar um médico mais próximo. Não queria nenhum médico que fosse conhecido seu por questão de privacidade, pois a ideia de pessoas conhecidas começarem a fofocar sobre sua sanidade mental o apavora bastante.
Cido nunca foi de ser crédulo a ponto de acreditar em religião ou misticismo...pra ele, essas coisas não passam de golpismo pra arrecadar dinheiro. Um típico cético. Mas como todo bom cético, também costuma exclamar um “meu Deus!” ou coisas afins quando tem um pesadelo ocasional ou qualquer outra situação de aflito comum ao gênero humano.
Na consulta, percebendo que o paciente se mostrava envergonhado, o médico resolve lhe passar um antialérgico pra relaxar, e disse que se os sintomas continuassem, deveria ir no psiquiatra recomendado, dando o diagnóstico de que é apenas uma situação de stress momentâneo muito comum na idade dele.
Ele toma os comprimidos por três dias, conforme a recomendação médica, faltando o trabalho e à faculdade, e se sente um pouco mais relaxado e descabelado.
Descabelado devido ao tempo sem se ver, pois pentear o cabelo sem se olhar no espelho é uma tarefa complicada.
Mas o medicamento não resolveu o problema: toda vez que se olhava, percebia seus olhos fechados.
Um belo dia, comprou umas cervejas, e misturou com o medicamento em pequena quantidade, e teve a ideia de, mais relaxado, se olhar no espelho novamente. Ele já conseguia olhar seus olhos fechados e sentir graça daquele medo todo. “Como posso estar achando graça agora? Não sei, mas é emocionante”, reflete o já embriagado e resignado candidato a se tornar o mais novo louco na contabilidade dessa cidade.
Então, olhando-se para o espelho, ele resolve fechar lentamente seus olhos, e foi aí que ele teve uma surpresa: ao reabri-los, ele vê seus olhos ainda fechados, mas além disso, sua mão direita estava com a palma aberta pra frente e dedos unidos. Mas ele sabia que sua mão estava pra baixo, apesar do espelho mostrar o contrário...
Apesar de embriagado, ele sente novamente aquele terror de quem vê algo que não deveria ver, e que não parece pertencer a este mundo, e volta até a pia da cozinha pra lavar o rosto.
Depois de mais um tempo, ele toma coragem novamente e olha-se no espelho, mas vê somente seus olhos fechados. “Deve ter sido uma paranoia qualquer. Mas... espere aí!”
Cido tentou fechar seus olhos novamente como havia feito antes, e novamente, ao reabri-los, voltou a ver sua mão direita naquela posição com a palma aberta pra frente e dedos unidos. Ele olha pra sua mão e a vê abaixada, mas ao olhar no espelho, vê que ela continua erguida.
Tomando um pouco de coragem e achando graça na ideia que acabara de ter, resolve erguer sua mão direita pra ficar igual ao que o reflexo mostrava...
Foi aí então que de repente ele vê o reflexo de sua mão esquerda estendida pra frente com a palma aberta voltada pra baixo, com os dedos unidos. Seu raciocínio foi correto! Ele percebeu que o espelho de alguma forma se comunicava com ele através de imagens, e pedia pra ele fazer determinado movimento para então mostrar o movimento seguinte que ele desejava que Cido fizesse.
Bêbado como estava, Cido aventura-se a continuar pra saber até onde isso ia dar, começando até a achar graça no acontecido...
À seguir, o espelho mostra sua perna direita flexionando-se pra frente, num ângulo reto, e com um pouco de dificuldade devido ao desequilíbrio do álcool, ele tenta fazer o mesmo movimento, desequilibrando-se várias vezes, até que por fim ele consegue se manter naquela "ridícula postura" de frente ao espelho com os olhos fechados, a mão direita com a palma pra frente e dedos unidos, a palma da mão esquerda pra baixo com dedos unidos, e a perna direita flexionada e erguida, apoiando-se somente no pé esquerdo.
Imediatamente, ele sente o ar muito mais leve do que o normal, com um aroma maravilhoso...indescritível, o que energiza seu corpo deixando-o com um vigor e bem-estar tão singulares a ponto de lhe cortarem por completo sua embriaguez.
Parecia também haver algo diferente com a gravidade do local, dando-lhe agradável sensação de leveza. Ele sente algo frio ao contato das palmas de ambas as mãos e na sola de seu pé direito, que estava descalço. Ao abrir seus olhos, a inimaginável surpresa: ele não estava mais em seu quarto!
— Oh, boa alma! Obrigada! Obrigada! Abençoada seja vossa alma!! — desabafa eufórica uma divinal jovem toda vestida de mais puro branco, cuja camada externa de sua roupa era de um branco semitransparente revelando por baixo outra veste branca.
Sua roupa era inusitada: ela tinha uma espécie de saia, mas que era vestida no pescoço, e termina pouco abaixo do busto. Suas calças eram largas nos quadris e joelhos e iam até a canela, e seus pés eram descalços. Ela tinha uma tira de fazenda presa à orelha esquerda que ia até a altura de seus joelhos. Todas suas vestes eram parecidas com algodão.
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O Precipício da Discórdia - A Saga de Cido
AbenteuerCido é um discente cético e materialista, que é surpreendido pelo inesperado, contrariando tudo que acredita.