Capítulo Quatro - Parte 3

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O lado do castelo por onde entramos é onde ficam os alojamentos dos cavaleiros, o que quer dizer que é quase outra vila, com a diferença que essa é feita de construções compridas, para grupos de pessoa ao invés de uma família pequena. E está deserta. Completamente deserta, sem nenhum sinal de alguém por perto - o que não é exatamente uma surpresa. Deveria ter pessoal protegendo essa área, mas Raivenera não tem tantos cavaleiros assim a ponto de poder manter uma presença forte em todas as partes do castelo. E ainda bem que todos os cavaleiros já estavam longe daqui quando o grupo de Zeli-Amare derrubou os portões, porque se ainda tivesse alguém aqui, teria sido pego desprevenido.

Tiro meu bastão da mochila enquanto contorno um dos alojamentos. Isso é loucura. Aqui dentro eu consigo ver claramente os sinais de que um grupo grande de pessoas passou pelo mesmo caminho que estou fazendo. Eles avançaram se separando e conferindo alojamento por alojamento. Pelas manchas de sangue no chão, ainda teve algumas lutas. Um ou outro cavaleiro, os que ficaram para trás. Com certeza não chegaram a dez. E não vou entrar nos alojamentos para conferir, até porque existe a possibilidade de terem deixado armadilhas.

Depois dos alojamentos tem uma parte do complexo de treinamento. Vários galpões pequenos, cada um focado em uma atividade diferente. Todos fechados, pelo menos pelo que posso ver. Ótimo.

Eu só queria um lugar alto. Poder subir no teto de um dos galpões, talvez, e tentar ver alguma coisa. Não que eu ache que isso vai fazer diferença mesmo. Se esse grupo é como o que eu notei no ataque de duas semanas atrás, eles estão usando algum tipo de camuflagem, como o que Kauã faz. Não faz sentido deixarem isso de lado só porque estão dentro das muralhas. Muito pelo contrário.

Dois wyverns gritam, perto demais. Me encosto na parede de um dos galpões. Não é exatamente uma forma de me esconder, mas uma pessoa parada chama bem menos atenção que alguém andando sozinha. Especialmente se esses wyverns forem de Zeli-Amare e os cavaleiros souberem o caminho...

Merda.

É claro que vão saber. É claro que vão ter planejado isso com cobertura aérea. O ataque vindo de dois lados, pegando Raivenera de surpresa. E os cavaleiros sobrevoando o castelo e atacando pontos que aparentemente não fazem sentindo têm como ver exatamente como está a movimentação dos grupos que entraram... Porque a essa altura não vou nem pensar que foi só um grupo que conseguiu passar pelas muralhas. Não tenho como saber o que está acontecendo.

Outro wyvern grita.

Olho para cima. Só consigo ver a sombra dele no telhado do galpão na minha frente - e pelo menos já tem luz do sol o suficiente para isso.

Eu fiz isso antes. Posso fazer de novo. Só preciso ter certeza...

Saio de perto da parede do galpão, ainda olhando para cima. Tem poucos wyverns circulando por aqui e chega a ser estranho como não estão atacando. Só querem observar - porque se fossem de Raivenera, não estariam dando voltas como se nada estivesse acontecendo. Se fossem de Raivenera, teriam reportado o portão estourado mais para a frente.

Aperto o bastão com força e ele começa a brilhar. Não tenho tempo. Um dos wyverns está dando a volta. Só vou ter uma chance, quando ele passar em cima dos galpões.

Respiro fundo e fecho os olhos, ainda com a cabeça virada para cima. Consigo sentir o wyvern se aproximando - uma silhueta de energia, pulsando, com um vestígio de poder sobre ele. Não deveria ser assim. Mas é o único jeito.

Meu poder explode para o alto, como um raio de luz amarelada atravessando o wyvern e seu cavaleiro. Abro os olhos ao mesmo tempo em que faço o poder ficar sólido - uma corrente. Algo que nem o wyvern nem o cavaleiro vão conseguir partir... Mas eles já estão caindo. Puxo o poder para mim, cortando e rasgando o que estava no caminho antes de desaparecer. Um arco escuro fica no ar por um instante antes de cair, também.

Corro de volta para perto da parede, aproveitando a beirada do telhado para não deixar o sangue que se espalhou quando puxei o poder cair em mim.

O wyvern bate no chão, não muito longe de onde estou.

Outro wyvern grita - e mais um responde. Eles viram o que aconteceu. Talvez não tudo, mas o suficiente.

Ótimo.

Saio do meio dos galpões, sem nem me importar se o bastão está brilhando na minha mão. Vou ser vista de um jeito ou de outro. E não preciso olhar para cima para saber que tem dois wyverns se aproximando, vindo um de cada lado, com seus cavaleiros reunindo poder. Eu consigo sentir isso de uma forma que nunca aconteceu antes.

Paro ao lado do primeiro wyvern. Pelo menos ele morreu de uma vez, não ficou agonizando como o que achamos perto do portão. E o meu poder quase o partiu ao meu. Eu não fazia nem ideia de que isso era possível.

Os dois wyverns começam a circular acima de mim.

E não adianta querer achar outro jeito. É tarde demais.

Meu poder dispara para o alto de novo, dessa vez dividido. Um dos cavaleiros desvia, mas o feixe de luz simplesmente acompanha seu movimento, se ajustando por um instante. O outro cavaleiro tenta ir mais alto. Esperto, mas não tanto.

A luz fica sólida: uma lança atravessando o cavaleiro que tentou desviar, puxando ele e seu wyvern para o chão. O outro voa ainda mais alto, mas é tarde demais. O primeiro wyvern bate no chão, do outro lado dos galpões, ao mesmo tempo em que meu poder esmaga o segundo draconídeo. Mesmo daqui eu consigo ouvir o grito do cavaleiro quando eles começam a cair.

Eu fiz isso. Eu. Sem nem estar respirando mais depressa, como se fosse algo fácil.

E as linhas nos meus braços estão brilhando.

Engulo em seco, puxo as mangas da minha blusa para baixo, e volto a correr na direção do castelo.

Marcas de Sangue (Draconem 3) - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora