Prólogo

110 8 14
                                    

(Aviso: este trecho pode conter gatilhos.)


5 de Novembro - Stratford, ON.

Era tarde da noite. A brisa fria de outono batia forte em sua pele, indicando que uma forte chuva estava por vir. O garoto mascarado andava sozinho pelas ruas desertas da cidade, vestido em um terno azul, no qual escondia suas mãos em seu bolso na tentativa de aquecê-las. Caminhava sem rumo à procura de algo de que não fazia ideia. Talvez da simples sensação de estar vivo, e da certeza de que nada seria em vão.

Seus passos eram lentos e suaves, mas ainda assim era a única coisa que ouvia, além das folhas das árvores que balançavam com o vento. Talvez seu irmão estivesse preocupado, mas ele não poderia culpá-lo por isso, já que Charlie estava apenas tentando se sentir livre por uma noite, sem alguém para lhe dizer o que fazer, para onde ir, ou como viver. Queria apenas sentir-se como uma pessoa normal.

Seu telefone tocava a cada dez minutos, sua mãe ligava preocupada, mesmo sabendo que o jovem supostamente não estaria sozinho, em um baile da escola, e se precisasse de ajuda tinha alguém com quem contar. Mesmo assim, a mulher não lhe dava espaço algum.

Charlie se sentia sufocado onde quer que fosse. Observar, sozinho, as pessoas dançando juntas das arquibancadas do ginásio enquanto a música "Kiss Me" de Ed Sheeran tocava, e as luzes do globo refletiam nos alunos no meio da pista de dança improvisada, como um céu estrelado, era belo, mas solitário, e ao mesmo tempo sufocante. Por que ele estava ali, afinal? A solidão podia ser libertadora, mas ao mesmo tempo dolorosa. Talvez, ele apenas devesse sair dali, sua cabeça pararia de doer e sua perna pararia se mexer freneticamente com a ansiedade. Foi o que ele fez.

Atravessando os grupinhos de garotas vestidas em trajes formais e máscaras, que apesar de esconder os seus rostos, qualquer um poderia reconhecê-las apenas pela sua personalidade e voz, que falavam sobre a volta de uma suposta garota que parou de ir à escola há duas semanas atrás. Elas a chamavam de dramática e mesquinha, além de desleixada e supostamente um pouco temperamental. Mas Charlie nem mesmo sabia seu nome, ou como era o seu rosto. No entanto, deveria haver algo a mais com aquela garota, já que apenas por aquelas descrições nem um pouco convencionais, que as faziam falar tanto sobre ela, não explicaria o fato de se incomodarem tanto com a sua presença no colégio. Na verdade, Charlie não sabia nada sobre aquele lugar ou aquelas pessoas. No pouco tempo em que frequentou a escola, apenas ignorava a presença dos alunos, dizia apenas o necessário e passava a maior parte de seu tempo livre com fones de ouvidos e um caderno onde desenhava sozinho para não chamar a atenção. Talvez a solidão fosse a melhor forma de se proteger, ou de proteger os outros ao seu redor de quem ele era.

Seu irmão lhe convenceu de ir, pelo simples fato de poder ser quem ele era sem que ninguém o reconhecesse. No entanto, nada parecia ser diferente. Ele era invisível, e seu lugar não era lá. Fugir podia ser a melhor solução, com uma única mensagem de aviso ao seu irmão, lhe dizendo que lhe encontraria no colégio antes da meia noite. Se ele voltasse para casa, tudo o que seu ele lhe dissera na tarde anterior seria em vão, porque Benjamin estava certo, e ao menos naquela noite sua vida poderia ser diferente.

Charlie atravessou o ginásio, o corredor escuro com armários onde o som da música era abafado e estava praticamente vazio, se ele não tivesse visto duas pessoas se pegando escondido na entrada do auditório.

Após atravessar a porta de entrada e descer as escadas decoradas com o tema da festa — noite estrelada, baseado na obra de Van Gogh — o jovem seguiu andando pelas ruas, iluminadas apenas pelos postes de luz, sem rumo, chegando onde chegou: um lindo jardim repleto de flores coloridas e um grande lago em sua volta. Uma ponte feita de pedras o atravessava para o outro lado do parque. Se conhecia bem por suas pesquisas sobre a nova cidade, aquele lugar se tratava do "Shakespearean Gardens". A água refletia a luz da lua e de alguns pontos de luz distantes da cidade. O jovem se lembrava claramente que esse era um dos destinos de sua lista de lugares para visitar na Stratford canadense. Como ele poderia ter se esquecido disso?

De repente, uma respiração ofegante foi ouvida. Mas não sabia de onde aquele som vinha, até uma ventania forte jogar algo no seu rosto. Uma fita de cabelo vermelha veio da direção do parapeito da ponte, para onde ele olhou em seguida, fazendo o seu mundo parar por alguns instantes. Foi onde ele a viu, sozinha, sentada no parapeito. Longos cabelos negros e ondulados que voavam com o vento, uma garota com um vestido formal azul marinho e uma máscara da mesma cor. Ele não podia ver seu rosto, mas sabia que ela estava assustada.

Suas mãos começaram a tremer automaticamente. Ele precisava fazer algo, ou o que aconteceria a partir dali seria sua culpa. A vida dela e as de várias outras pessoas seriam arruinadas se ele não se movesse.

Charlie juntou forças para forçar os seus músculos a se moverem e se aproximou da garota lentamente, mas ela não notou sua presença ali, como se estivesse hipnotizada.

— Quando a morte está bem em frente aos seus olhos é assustador, não é? — perguntou, fazendo a garota olhar para trás rapidamente, assustada demais para responder.

Seu coração estava tão acelerado que ela tinha certeza que ele explodiria a qualquer momento. Todo o seu corpo tremia. Charlie lhe estendeu a mão.

— Mas você não precisa encará-la agora, certo? Quero dizer, você tem uma vida toda pela frente, neste momento você está prestes a escolher entre morrer ou viver, e não precisa ficar tão assustada se não tiver que pular. — Ele se aproximou mais dela, que recuou alguns centímetros — a minha máscara não é tão ameaçadora assim, é? — brincou — Veja, eu não tenho nada que possa te machucar. — levantou as mãos para provar — Pode confiar em mim.

Ele estendeu sua mão novamente. A garota o encarou, e depois encarou sua mão. Seus olhos expressavam pânico e confusão. Ela realmente queria fazer o que ele estava pensando? E se não, o que ela faria? Seguraria a mão de um garoto desconhecido?

Então, Charlie desistiu, abaixando sua mão e suspirando.

— Tudo bem, como você quiser... — Charlie subiu ao parapeito, se sentando ao seu lado. A garota se afastou rapidamente, agora assustada com a ação inusitada do garoto. — Se você pular eu vou junto com você.

•°•°•

☆ Não se esqueça de deixar sua estrelinha e até o próximo capítulo. ✨

Todos os Tons de AzulOnde histórias criam vida. Descubra agora