Era estranho ficar ali, mesmo que só tenha se passado cinco minutos, sozinha. Eu não conseguia pensar em nada, e não tinha também nada para se fazer. O meu quarto só continha a maca em que eu estava, um monte de aparelhos médicos ao lado, uma cadeira acolchoada ao meu lado, uma mesinha ao seu lado e um minúsculo banheiro. Acho estranho isso, a falta de coisas. Por que não havia fotos minhas, flores ou balões? Eu não tinha parentes ou amigos?
Fito o teto, mas aquilo também era um tedio. Reviro os olhos, pego meu travesseiro, e grito nele. Me levanto e vou em direção a janela do quarto. Abro a cortina, com a esperança de ali fora pelo menos parecer um dia divertido, diferente do meu. De primeira não consegui enxergar nada. Tive que fechar meus olhos, não estavam acostumados com tanta luz solar. Depois de alguns minutos para me adaptar a luz, começo a apreciar o dia. Engraçado, a menina rebelde apreciando algo. Será que esse era mesmo meu gênio? Será que eu sempre fora alguém tão má? Creio que não, mas me tornei. Paro de refletir na vida no momento que que me deparo com um homem na entrada do hospital. Meu quarto ficava na frente da entrada lateral, ou ao menos eu acredito que seja, afinal ela tem um jardim, e não faria sentido ter um jardim na entrada ou na parte traseira, onde chega as ambulâncias e.... enfim, eu não tinha o notado ali, na verdade, além de pacientes idosos com suas acompanhantes, crianças com seus pais e alguns enfermeiros, eu não tinha o visto ali. Deveria ter chegado no meio da minha reflexão. Se eu não tinha, agora tenho a mania de esquecer do mundo nesses momentos.
Aquele homem era diferente de todos que estavam ali. Eu até diria que ele era diferente do padrão imposto por todos, mas é difícil saber se minha afirmação é verdadeira, ao lembrar que estava vegetando. Ele era bem majestoso, eu diria. Estava de smoking preto, um chapéu curto da mesma cor, sapatos sociais, um relógio de punho e acabara de tirar os óculos escuros. Aquele cara era de tirar o folego. O Doutor que me acompanha ficaria triste em saber que achei alguém mais bonito que ele. Voltando ao homem, eu que tinha um ar condicionado no quarto, já estava com calor, então imagina ele com toda aquela roupa quente, que para piorar era escura, o que atrairia mais ainda os raios solares. Se formos levar em circunstâncias que estou em um hospital, e ele está segurando um boque de rosas vermelhas, eu acreditaria, se me dissessem, que ou ele estará indo à um funeral, e esse buquê é para pessoa, ou então ele acabou de sair de uma reunião, e está levando as flores para algum parente enfermo. De qualquer forma, ele ia dar as flores para alguém, e eu amaria que fossem para mim.
A medida que ele caminha calmamente, ele encontra o meu olhar nos seus. Eu fico constrangida de saber que ele percebeu, mas insisto em continuar nesse romance clichê. Ele me dá um sorriso aberto, e eu retribuo, enquanto meu coração dispara. É estranho eu estar assim. Mal vi o homem e já me apaixonei. Ele me dá um acena com a cabeça, o que me faz ficar mais tímida, eu sorrio para o chão ates de retribuir o aceno. Eu continuava animada, e com as bochechas coradas. Eu mordo o lábio inferior, e começo a fazer um movimento para frente e para trás com as pernas, enquanto ambos nos fitamos sem fazer nada. Aquele incrível momento para, quando sua expressão do rosto muda, e ele passa a olhar para algo atrás de mim. Olho também, curiosa para saber o que roubava sua atenção de mim, e vejo o médico entrando no meu quarto. Fecho a cortina e volto a minha atenção totalmente para ele.
-Imagina que constrangedor seria se eu estivesse nua. –Digo apoiando na cama, enquanto cruzo os braços.
-Engraçadinha –ele ri de lado- além do mais, a porta estava aberta.
Ambos ficamos calados.
-Gostou do jardim? –Ele tenta puxar assunto.
-Sim –digo me referindo mais ao moço do que ao jardim em si.
-Bem, precisamos ter uma seria conversa –Ele muda de expressão.
-Estou a sua disposição, doutor.
-Como você já sabe –Ele tenta me recordar- você esteve em coma durante quase um mês. Isso se deu devido a um acidente. –Ele abaixa a cabeça durante uma curta pausa- não sabemos de fato como ocorreu. Um homem encontrou o seu corpo, chamou a ambulância e deu queixa à polícia. –Ele pausa novamente sério, e eu me sento- Bem, na delegacia ele disse que passava de carro pela rodovia, quando percebeu movimentos estranhos na vegetação próxima. Algo o fez ir ali, quando ele a encontrou, sendo enterrada na terra. De acordo com ele, os homens que estavam ali fugiram ao vê-lo. Por ter sido a noite disse que não se lembra da fisionomia deles, ou placa dos carros. Ele te tirou de lá, e isso que importa.
-Que homem? –Digo interrompendo-o.
-Não sabemos, ele não se identificou. –Ele fala já concluindo minha pergunta- Voltando, houve uma parada cardíaca, fizemos uma cirurgia rápida em você, e quase te perdemos. Fora isso, seus pulmões e traqueia continham terra. Por um milagre você sobreviveu mesmo assim. Fora a isso, bem... –ele desvia o olhar para o chão- encontramos vestidos de sêmen em seus órgãos sexuais. Você foi sexualmente abusada, mas para nós seu problema maior foi o coma. O tempo passou até agora, quando você voltou. Sabíamos que teria sequelas, mas não imaginamos que você perderia a memória. Precisaremos fazer algumas revisões, para vermos o quanto você perdeu, e como teremos de agir, para ver se dar para recuperar pela menos grande parte. Em relação aos seus sinais vitais, creio que não tenha perdido nada, mas serão necessários alguns checapes. Bem, rezemos para que você se lembre o que a levou a está no meio do acidente... sabemos que tudo é muito difícil, mas esperamos te ajudar ao máximo.
-Eu não sei o que dizer –digo olhando para qualquer lugar- quando começaremos?
-Hoje?
-Tudo bem para mim.
-Ah, esqueci de um importante detalhe –ele volta a falar, quando estava indo em direção a porta.
-O que houve?
-Você era paraplégica –ele diz com os olhos cheios de fé- não me pergunte como, mas você voltou a andar. Tem ideia? Anos de tratamento e nenhum resultado e agora um acidente, você volta a andar como se nada tivesse acontecido.
-Não creio! –Digo extasiada com aquela noticia- por que não me contaram antes?
-Já sabíamos do movimento das suas pernas dês que entrou em coma. Não queria dizer no momento que acordou e estragar o clima. Mas agora precisamos de fisioterapias para ver suas perninhas.
Naquele mesmo momento começamos. Após horas de reviramentos, os sinais vitais estavam todos bons, já minha memória, bem, eu perdi boa parte dela. É claro, em relação aos movimentos do corpo e funcionamento dele, estava tudo ok. Os médicos ainda não acreditavam que eu andava tão bem, para quem estava sem funcionamento nenhum. Nem eu acreditava. Era tudo muito estranho. Os médicos acham que os traumas dos quais passei possibilitem que algumas lembranças não voltem. Eu não me lembrava de ninguém, muito menos de mim. Eu sabia que estava no planeta Terra, tinha quase dezesseis, e tudo mais, porém não lembrava da minha vida até ali, nem do acidente, apenas tenho recordações de coisas, que os médicos acreditam como, fantasias do meu coma. Independentemente do que seja, é bem provável que eu não me recorde de tudo, mas lembra de algumas coisas. Continuarei no hospital, para fisioterapia e consultas com o terapeuta. Querem que eu me recupere de tudo. Para mim tanto faz, só queria sumir dali. Ou voltar a ver aquele homem.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Homem de Preto
Mystery / ThrillerE como se acordasse de um pesadelo, Kate volta a vida, depois de tanto tempo em coma. Ela parece desesperada, e com razão. Não se lembra do que um dia já foi, do que aconteceu ou como chegou ali, ela só se lembra dele, e seu coração clama por sua aj...