CAPÍTULO VI

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-Você está hospitalizado? –Eu pergunto-o- te vi hoje mais cedo, mas achei que faria apenas uma visita.

-E de fato esse era meu objetivo. –Ele ri e olha para o buquê ao seu lado- as flores até murcharam.

-Ah, que pena.

-Não sinto muito –ele retruca- essas flores são simples, carnais, diferente das que eu cultivo.

-Você tem uma plantação de roseiral? –Eu pergunto rindo. Nunca imaginei um homem daquele porte sendo fazendeiro.

-Sim, eu tenho, –ele afirma como se lesse meus pensamentos- mas não sou fazendeiro. Cultivo porque quero.

-Ah, desculpa –nem pareceu sincero porque ri, mas foi.

-Ah, tudo bem.

-Mas enfim, -eu tento voltar no assunto anterior- não me disseras o que veio fazer aqui mais cedo.

-Ah, nada demais. –Ele diz- Sempre trago flores aos pacientes do hospital –ele olha para elas como se lembrasse de algo. Ele prende a respiração antes de voltar- hoje em especial, eu trouxe para as pessoas da sua ala, mas sobrou esse buquê. –Sua atenção volta para mim e seus olhos me penetram- Esse buquê é muito simples para você. Eu sabia disso, mas insisti em trazê-lo.

Eu fico imóvel e perplexa- C-C-Como assim? –Eu gaguejo- Como assim, "eu sabia"? Você me conhece? Somos amigos?

Ele ri, o que deveria me irritar- ahmmm –ele finge pensar- digamos que um bom cultivador de flores sabe qual é a melhor para cada pessoa.

-Ah, mas se você quiser –eu aproximo dele- podemos ser amigos –dou de ombros sorrindo- imagina que perfeito ganhar flores 'especiais'? Sua esposa tem sorte.

Ele ri, olhando para frente. Sua atenção volta a mim, e ele sussurra- eu não tenho esposa. Em relação a sua proposta –ele finge pensar- não estou afim de ser preso. E mesmo que por algum motivo eu fosse tentado pela carne a cometer tal ação –ele diz com ironia- meu trabalho me impediria disso.

-Seu trabalho? –Eu rio brincando- trabalha para a máfia? Não duvido nada. Olhe para teu porte –aponto para ele, e logo volta a mim- Parece legal ser esposa de um mafioso. Eu aceito o convite –eu pego na mão dele.

-Você ouviu a parte "Não estou afim de ser preso"? –Ele diz tirando a minha mão da dele e rindo- abusada.

-Repete a última parte?

-Eu não caio no seu joguinho –ele pausa- 'anjinho'.

...

Conversamos por um bom tempo, e quando eu fui notar, já era quase meia noite. Era estranho como um completo desconhecido me fazia tão feliz, ao ser comparado a todos que passaram por mim naquele dia. Ele precisava ir embora, não havia o que fazer ali, e logo alguém ia reclamar.

-Bem, preciso ir –ele diz levantando e pegando suas coisas- foi um prazer vê-la.

-Pode ter certeza que o prazer foi totalmente meu. –Digo maliciosamente, completando a fala para não haver interrupções- Nos vemos amanhã?

-Não sei se você merece, nem te conheço –ele ironiza.

-Agora oficialmente você me conhece. –rio e olho para o buquê murcho- traga-me flores.

Ele revira os olhos e olha para o céu- para todos acharem que temos um caso?

-Isso nem passou pela minha cabeça –rio.

-Talvez eu venha, mas sei que seus pais não vão gostar nada em descobrir que estive aqui –ele diz.

-Será?

-Eu sei mais o que você imagina... muito mais.

-Conte-me então –eu sugiro.

Ele não responde, apenas recua para trás, olhando para mim. Ao chegar na porta de vidro ele para, e me fita profundamente. Eu sei, loucura eu conversar com um estranho e ser tão aberta, mas eu juro que era diferente com ele. Eu sei que era.

Ele pega uma rosa e olha para ela, refletido por um breve tempo. Ele volta a me olhar, e a joga em minha direção. Ele vai embora. A rosa cai no chão. Eu a fito por um tempo, sem saber se pego ou não.

No fim eu a peguei. Não tinha ideias das consequências que me trariam. Só ele tinha. Sempre, sempre.

...

 Volto ao meu quarto. Demorei bastante tempo até chegar nele. Estava a perambular naquele espaço, refletindo em tanta coisa que aconteceu no meu dia. É louco imaginar que eu estava praticamente morta, e agora, viva. Por algum motivo eu não me lembro mais das coisas que tinha em mente quando acordei. Será que era efeito da perda de memória, ou por ser "sonho" minha mente descartava? Eu não sei, eram muitas perguntas que eu tinha, e não havia quem me respondesse elas. Apenas...

Me jogo na cama com a roupa que estava e sapatos. Eu não ligava para nada, nem para minha existência, afinal nem entendia o porquê dela.

Viro-me para o criado mudo ao lado da cama, e coloco a rosa vermelha no copo d'agua. Ela estava morta, não havia sentido nisso, mas eu quis mesmo assim. Dar vida a algo morto. Possibilidade de viver para quem não pode mais. Oxigênio a pulmões que não podem mais apreciar desse trabalho.
Adormeço olhando a rosa.
Eu amava rosas...

O Homem de PretoOnde histórias criam vida. Descubra agora